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Sob Paz, Bolívia vai sacrificar meio ambiente para sair da crise?

Enquanto novo governo tenta aproximação dos EUA e equilíbrio nas relações com a China, especialistas temem riscos aos ecossistemas diante da crise econômica do país
<p>Pastora cuida de suas ovelhas em área rural de Potosí, no planalto boliviano. O novo presidente do país, Rodrigo Paz, prometeu superar a crise econômica com um “capitalismo para todos” e maior abertura ao mercado global (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/2qX6fX7">Arianna Rosso</a> / <a href="https://www.flickr.com/people/ariannarosso/">Flickr</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.0/deed.pt-br">CC BY NC SA</a>)</p>

Pastora cuida de suas ovelhas em área rural de Potosí, no planalto boliviano. O novo presidente do país, Rodrigo Paz, prometeu superar a crise econômica com um “capitalismo para todos” e maior abertura ao mercado global (Imagem: Arianna Rosso / Flickr, CC BY NC SA)

Na noite de 19 de outubro, Rodrigo Paz comemorava sua vitória no segundo turno das eleições bolivianas quando recebeu uma ligação. Christopher Landau, vice-secretário de Estado dos Estados Unidos, representando o governo de Donald Trump, ligou para parabenizar o novo presidente. 

O próprio Paz fez questão de mencionar a chamada em seu primeiro pronunciamento como presidente eleito. Candidato do Partido Democrata Cristão, de centro-direita, ele venceu a disputa final com 54% dos votos, derrotando o ex-presidente conservador Jorge “Tuto” Quiroga, do Libre.

Naquela noite, vários chefes de Estado e autoridades entraram em contato com Paz. Mas a mensagem do alto funcionário dos EUA foi inequívoca: uma nova era política, comercial e diplomática havia começado após quase duas décadas de distanciamento entre Washington e os governos de esquerda da Bolívia — a única exceção foi a breve e contestada passagem da conservadora Jeanine Áñez (2019-2020) pelo cargo.

O novo presidente afirmou que manteria “uma relação próxima” com os EUA. Nas semanas anteriores à posse, realizada em 8 de novembro, Paz fez uma visita a Washington em busca de apoio para resolver a crise econômica e energética que se prolonga desde o começo de 2023 no país andino. Na volta, ele disse aos empresários bolivianos que sua equipe “já havia garantido os dólares, a gasolina e o diesel” necessários para colocar seu projeto econômico em marcha.

A Casa Branca viu a mudança de governo como uma oportunidade para reconstruir as relações diplomáticas que estavam tensas desde 2008. Naquele ano, o então presidente Evo Morales declarou Philip Goldberg, à época embaixador dos EUA, persona non grata sob a acusação de “liderar a divisão da Bolívia”. Em uma declaração da Embaixada dos EUA em 20 de outubro, o secretário de Estado, Marco Rubio, disse que seu país “está pronto para ser parceiro da Bolívia em prioridades comuns”.

Do outro lado da geopolítica global, a China — principal parceira comercial da Bolívia nos governos de esquerda de Evo Morales (2006-2019) e Luis Arce (2021-2025) — também parabenizou Paz após o anúncio dos resultados das eleições. Em 24 de outubro, o presidente chinês Xi Jinping enviou uma mensagem ao novo presidente boliviano, afirmando que, desde o início das relações diplomáticas há 40 anos, os laços bilaterais “mantiveram um bom estímulo para o desenvolvimento”. 

Parsifal D’Sola, diretor da Fundação Andrés Bello, que estuda as relações entre a China e a América Latina, afirmou ser bem provável que as autoridades chinesas tenham ligado na noite da vitória de Paz. “Não tenho provas, mas não tenho dúvidas de que uma das primeiras chamadas recebidas pelo novo governo foi da China, justamente para iniciar uma nova conversa, desenvolver um novo laço e descobrir exatamente quais são suas posições”, disse ele ao Dialogue Earth.

Paz assumiu o cargo em um contexto de profunda crise econômica, refletida em uma queda de 2,4% no PIB no primeiro semestre de 2025. Em 17 de dezembro, ele declarou “emergência econômica e social” no país, removendo subsídios aos combustíveis e aumentando os repasses de programas sociais. O novo presidente quer superar o legado dos governos socialistas da Bolívia: com promessas de um “capitalismo para todos”, Paz disse que sua gestão “vai abrir a Bolívia para o mundo e o mundo para a Bolívia”.

Mas essa “abertura” em um momento de mudanças geopolíticas na região deixou alguns analistas preocupados de que as regulações ambientais sejam enfraquecidas em nome do desenvolvimento econômico. 

“Estamos em uma situação econômica muito delicada, resultado das decisões econômicas tomadas na última década”, disse Óscar Campanini, sociólogo especializado em meio ambiente e desenvolvimento e diretor do Centro Boliviano de Documentação e Informação (Cedib). “Nesse contexto, é possível que as exigências socioambientais sejam flexibilizadas, sob o pretexto de facilitar o investimento estrangeiro”.

Presidente boliviano Rodrigo Paz cumprimenta o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio
Presidente boliviano Rodrigo Paz cumprimenta o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, em Washington, 31 de outubro. A Casa Branca viu a mudança de governo na Bolívia como uma oportunidade para reconstruir os laços diplomáticos bilaterais (Imagem: Andrew Leyden / ZUMA Press / Alamy)

Bolívia em foco

A Bolívia e a China mantêm relações diplomáticas desde 1985. Em 2006, com a chegada de Evo Morales e do partido Movimento ao Socialismo ao poder, esses laços começaram a crescer a partir do trabalho nas embaixadas — isso ajudou a tornar a China o principal parceiro comercial da Bolívia.

“A partir de 2010, os investimentos envolvendo a cooperação chinesa cresceram”, explicou Marco Gandarillas, pesquisador sênior da organização Latinoamérica Sustentable. 

A China é o principal país credor da Bolívia, com empréstimos destinados principalmente à infraestrutura. Além disso, as empresas chinesas – estatais, privadas e mistas – tornaram-se as principais contratadas para obras rodoviárias no país sul-americano. Gandarillas disse ao Dialogue Earth que, segundo seus cálculos, mais de 1.466 quilômetros de estradas e pontes foram construídos por empresas chinesas somente na Amazônia boliviana. Ele disse que essas obras são fundamentais para conectar margens opostas de rios e facilitar o transporte e o comércio em regiões remotas.

Conforme os dados coletados por Gandarillas para um novo relatório sobre o tema, a Bolívia assinou 38 acordos bilaterais com a China entre 2010 e 2019. Com base em suas análises sobre acordos de cooperação econômica e legislação boliviana, ele contou 16 empréstimos chineses, somando mais de US$ 2 bilhões no período; outras fontes que monitoram o financiamento chinês no exterior estimam um valor superior a US$ 3 bilhões

Além do apoio financeiro a projetos de energia hidrelétrica e siderurgia, grande parte foi destinada a três grandes obras de infraestrutura rodoviária: a rodovia Rurrenabaque-Riberalta, a via expressa El Sillar e a rodovia Espino-Charagua-Boyuibe.

Os dados mais recentes disponíveis no site oficial do Banco Central da Bolívia informam que o país tinha uma dívida de US$ 1,37 bilhão com a China até junho de 2024

Em nome da salvação da crise, acabaremos entregando ou sacrificando áreas, ecossistemas e comunidades que subsistem com recursos muito valiosos
Óscar Campanini, diretor do Cedib

Ning Leng, professor de ciências políticas da Universidade de Georgetown, cuja pesquisa é focada na China e em suas finanças no exterior, disse ao Dialogue Earth que a China tem três interesses principais na Bolívia: minerais como o lítio; agricultura, sobretudo soja; e infraestrutura, área com maior participação chinesa até agora. 

Analistas concordam que a chegada de um novo governo, longe de gerar desconfiança na China devido à rivalidade econômica e geopolítica com os Estados Unidos, é uma oportunidade para reafirmar os laços.

“A abordagem pragmática que Beijing adotou com líderes de direita – como Jair Bolsonaro no Brasil ou Javier Milei na Argentina – é um exemplo de como a China pode se adaptar às mudanças políticas na região sem afetar ou comprometer seus objetivos na política externa”, disse Carlos Piña, cientista político especializado em relações China-América Latina.

No caso argentino, Milei recebeu recentemente um novo apoio financeiro do governo Trump, no valor de US$ 20 bilhões, sem que isso interferisse no andamento de projetos e iniciativas de governos anteriores com a China. 

O mesmo aconteceu com o Brasil. Atualmente, as relações com a China sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva constituem uma “parceria estratégica”, explicou o pesquisador Marco Gandarillas. Porém, o analista acrescentou que esse foi o mesmo status mantido durante o governo de extrema direita de Bolsonaro (2019-2022).

Na Bolívia, a carta enviada por Xi Jinping ao seu homólogo Rodrigo Paz não só demonstrou uma postura semelhante como foi além: Beijing ofereceu levar a parceria China-Bolívia a um “novo nível”.

Crise econômica e meio ambiente na mira

Muitos projetos de infraestrutura liderados por empresas chinesas na Bolívia e em toda a América Latina na última década têm sido alvo de disputas e preocupações socioambientais. Em 2024, como reflexo disso, a China aceitou uma série de recomendações do Conselho de Direitos Humanos da ONU para seus investimentos no exterior, incluindo a criação de legislação mais robusta que incorpore o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável. 

Analistas como Campanini, do Cedib, e Gandarillas, da Latinoamérica Sustentable, destacam que o novo governo boliviano até agora tem mostrado um grande desequilíbrio em suas agendas econômicas e ambientais. “Em nome da salvação da crise, acabaremos entregando ou sacrificando áreas, ecossistemas e comunidades que subsistem com recursos muito valiosos”, disse Campanini.

Flamingos em lago salgado no Salar de Uyuni, sudoeste da Bolívia
Flamingos em lago salgado no Salar de Uyuni, sudoeste da Bolívia. A região contém grandes reservas de lítio, mineral estratégico para o país e fonte de disputas com algumas comunidades (Imagem: Arianna Rosso / Flickr, CC BY NC SA)
Banca de frutas na comunidade de San Cristóbal, departamento de Potosí, Bolívia
Banca de frutas na comunidade de San Cristóbal, departamento de Potosí, Bolívia. Analistas afirmam que o novo governo tem demonstrado um “grande desequilíbrio” ao dar mais ênfase à economia do que ao meio ambiente (Imagem: Arianna Rosso / Flickr, CC BY NC SA)

Povos indígenas da Amazônia boliviana e organizações sociais expressaram preocupações semelhantes, principalmente após a recente dissolução do Ministério do Meio Ambiente, incorporado ao novo Ministério de Planejamento do Desenvolvimento e Meio Ambiente. Além disso, a nomeação do empresário agroindustrial José Fernando Romero Pinto como ministro levou o Bloco de Organizações Campesinas e Indígenas do Norte Amazônico da Bolívia (Bocinab) a declarar um “estado de alerta”, ressaltando sua preocupação com a mudança ministerial e com o “fortalecimento do Ministério de Mineração e Metalurgia”. 

Em entrevista ao Dialogue Earth, o fundador do Bocinab, Luis Rojas Mogrovejo, afirmou que as comunidades não tolerarão novas atividades de mineração em seus territórios, muitos deles afetados pela poluição por mercúrio

“A mineração em nosso território é um perigo”, disse Jenny Duri, líder do território indígena Yaminahua-Machineri, no departamento de Pando.

O governo Paz rejeitou as críticas à sua agenda ambiental, enfatizando que vê o desenvolvimento e o meio ambiente como forças complementares, e não opostas. Também disse que apresentou sua reforma ministerial como uma forma de quebrar a desconexão entre conservação e produção.

Em entrevista ao Dialogue Earth, Jorge Ávila, vice-ministro de Meio Ambiente, Biodiversidade, Mudanças Climáticas e Gestão e Desenvolvimento Florestal, disse que a Bolívia “não está em posição de abandonar o desenvolvimento, porque o país está falido”. Porém, segundo ele, isso “não significa que vamos desconsiderar o fator ambiental”.

Advogado com experiência em questões ambientais, florestais e de políticas públicas, Ávila argumentou que a Bolívia deve abandonar a abordagem que obriga certos setores a cumprir as regulamentações ambientais “como se fosse um castigo”. “Precisamos demonstrar que, ao fazer as coisas da maneira certa do ponto de vista ambiental, estamos criando melhores condições para o desenvolvimento do país”.

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