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Porto chinês ameaça biodiversidade do Atlântico Sul

Porto chinês em Montevidéu fica em região vulnerável a pesca ilegal e ameaça o Atlântico Sul
<p>O porto de Montevidéu é o segundo maior do mundo no desembarque de pesca ilegal (imagem: Florencia Lay)</p>

O porto de Montevidéu é o segundo maior do mundo no desembarque de pesca ilegal (imagem: Florencia Lay)

Mais de 500 barcos com a bandeira chinesa podem atracar a oeste de Montevidéu, no Uruguai, graças ao projeto – já confirmado pela empresa Shandong BaoMa – de construir uma zona franca com porto, estaleiro e fábrica de processamento e congelamento de pescado.

O empreendimento de 200 milhões de dólares será construído em um terreno de 28 hectares na região de Punta Yeguas, uma área majoritariamente rural onde há também um parque público. Segundo ativistas e cientistas, o projeto poderá acarretar consequências graves para o ecossistema marinho do Atlântico Sul, hoje ameaçado pela pesca predatória e ilegal.

O terreno, já comprado pela empresa chinesa, contará com um cais de 800 metros de largura, onde poderão atracar embarcações de até 50.000 toneladas, segundo descrevem documentos vistos pelo Diálogo Chino. Como zona franca, o espaço permitirá que os barcos operem sem controle do governo uruguaio, o que preocupa especialistas e moradores da região.

O projeto do porto mostra uma doca de 500 metros, um estaleiro e uma fábrica (imagem: Fermín Koop)

“Os barcos chineses são os que mais se beneficiam da pesca não declarada no Atlântico Sul. Por isso, queremos saber quais as garantias que esse projeto nos oferece. É uma das regiões com maior biodiversidade do planeta, que pode ser afetada”, afirmou Rodrigo García, fundador da ONG Oceanosanos.

Frotas pesqueiras internacionais, muitas ilegais e sem registro, navegam com frequência pelo litoral do Uruguai e da Argentina em busca dos grandes cardumes de lula. O molusco é parte essencial das cadeias alimentares dos ecossistemas marinhos.

A pesca de lula impacta não apenas as populações do molusco, mas também outras espécies de animais marinhos, como peixes, golfinhos e albatrozes, que são acidentalmente capturados pelos barcos pesqueiros. A isso se soma o despejo de substâncias contaminantes pelos barcos e seus impactos ambientais.

O porto de Montevidéu é o segundo maior do mundo no desembarque de pesca ilegal, segundo informes da Oceana y Oceanosanos. Além disso, de acordo com dados da Administração Nacional de Portos do Uruguai (ANP), desde 2013 se registra a descarga de um tripulante morto por mês proveniente dessas embarcações.

“Respeitamos a pesca, é uma atividade que gera muitos empregos. Qualquer barco pode entrar no porto de Montevidéu, exceto aqueles onde se cometeu algum crime”, afirmou Juan José Domínguez, vice-presidente da ANP. “Precisamos de uma polícia mundial para controlar o que pode estar acontecendo com a pesca; nós somos meros espectadores”.

Apresentação e incerteza

O presidente da Shandong BaoMa, Jian Hongjun, foi a Montevidéu em dezembro de 2018 para apresentar o projeto a representantes da empresa uruguaia CSI Ingenieros, seu sócio local. Para avançar, é necessário modificar o zoneamento da região, que hoje é considerada “rural”, para “portuária”.

Com sede na China, a Shandong BaoMa tem cerca de 400 funcionários e se especializa em diversos setores, a maioria ligada ao mar—como a pesca, a fabricação de farinha de pescado e a gestão de terminais portuários. A empresa também atua na área de infraestrutura para mineração.

O projeto mostra a localização do porto, com a palavra "projeto" em chinês (imagem: Fermín Koop)

A Diálogo Chino entrou em contato com as duas empresas envolvidas no projeto, mas não obteve resposta.

“É uma zona costeira que não é produtiva. O que há de mais próximo é um assentamento irregular de pessoas e pequenas chácaras. O projeto deve gerar 300 empregos durante a obra e vai trazer mais desenvolvimento à região”, argumentou Gabriel Otero, prefeito do Município A de Montevidéu, região onde se realizará o projeto.

O empreendimento será localizado perto dos bairros de Santa Catalina e Pajas Blancas, e também do Parque Público Punta Yeguas—uma área de 113 hectares recuperada para uso público em 2006 pela Intendência de Montevidéu. O parque é bastante frequentado por suas praias e áreas de lazer.

Ao conhecer o projeto, os moradores da região decidiram se organizar para que fossem ouvidos e evitassem a evolução da obra. Eles solicitaram reuniões com diversos órgãos do governo uruguaio para obter mais informações e ressaltar os impactos sociais e ambientais que o porto poderia causar na região.

“Descobrimos tudo isso pela imprensa; tudo foi feito pelas nossas costas. Por isso começamos a nos reunir e organizar. Estão tomando decisões sobre bens comuns que pertencem a todos, vendendo-os por uma pechincha para pagar favores”, argumentou Nieves Cancela, moradora da região.


Moradores estão se organizando em oposição ao porto (imagem: Florencia Lay)

José Martínez, morador da região e trabalhador portuário, acrescentou: “Vivo na região há 40 anos e tenho uma relação de pertencimento e respeito com esse lugar. Ninguém nunca pensa sobre o impacto social e ambiental de projetos como esse. Eles acham que vamos reagir apenas quando tudo estiver pronto”.

A essas preocupações se soma o impacto que o porto poderia causar nas atividades dos pescadores artesanais da região. Luis Soria, morador da região e pescador artesanal, conta que sua fonte de renda foi afetada nos últimos anos pela pesca ilegal e predatória. Com a construção do porto, afirma ele, seu trabalho será ainda mais prejudicado.

“Não vamos poder mais pescar nessa região. A navegação vai ser restrita, e não vamos poder nos aproximar. Para nós, só há prejuízos, estamos entregando parte da nossa soberania a um país que está do outro lado do mundo. Não faz sentido”, afirmou.

Relações próximas

A decisão de Shandong BaoMa de se instalar em Montevidéu não é casual. Desde tomar posse em 2015, o presidente uruguaio Tabaré Vázquez tem buscado uma maior proximidade com a China, propondo inclusive um tratado de livre comércio entre os dois países.

Os portos brasileiros têm problemas de capacidade, e os argentinos não podem receber embarcações grandes. O de Montevidéu tem muito potencial

O presidente chinês, Xi Jinping, e o líder uruguaio fecharam um acordo de associação estratégica entre os dois países em 2016. Desde então, houve muitos avanços e aproximações. Ao mesmo tempo, em 2018, o Uruguai tornou-se o primeiro país do Mercosul a integrar o projeto da Nova Rota da Seda da China, que prevê mais investimentos.

Moradores estão fazendo uma campanha contra o porto (imagem: Florencia Lay)

“Perguntei muitas vezes aos embaixadores chineses porque eles gostam do Uruguai. Tem a ver com o fato de que a China mantém muitos negócios com o Brasil e a Argentina, mas também precisa de um lugar seguro onde o aspecto jurídico seja muito claro, e é isso que o Uruguai representa”, explicou Gabriel Rozman, presidente da Câmara de Comércio Uruguaia-Chinesa.

12%


aumento ao ano das exportações uruguaias a China entre 2012 & 2017

A China ocupou o primeiro lugar no ranking de destinos de exportações do Uruguai em 2018, com vendas que superaram US$ 2 bilhões (incluindo o comércio realizado em Zonas Francas). As exportações para o mercado chinês aumentaram cerca de 12% ao ano entre 2012 e 2017.

As exportações uruguaias consistem principalmente de produtos como a soja, a madeira, carne premium, lã, pescado e leite. A China, por sua vez, envia ao Uruuguai produtos industrializados, automóveis, produtos químicos e plásticos, entre outros.

Projetos de investimento no Uruguai, como o da Shandong BaoMa, recebem incentivos fiscais e de outros tipos pela Uruguay XXI, a agência de investimentos e de promoção de exportações do país. A apresentação do porto de Punta Yeguas foi realizada na sede da agência.

“Temos a possibilidade de construir um porto de águas profundas sobre o Atlântico, algo que não é possível na Argentina ou no Brasil. Os portos brasileiros têm problemas de capacidade, e os argentinos não podem receber embarcações grandes. O de Montevidéu tem muito potencial”, acrescentou Rozman.