O Chile, a Argentina e o Uruguai abrigam algumas das regiões de maior biodiversidade do planeta. Os países agora decidiram ampliar a proteção das suas áreas marinhas, conservando milhões de metros quadrados de oceano.
A iniciativa faz parte de uma meta global que busca conservar pelo menos 10% das áreas marinhas e costeiras do mundo até 2020.
As áreas marinhas protegidas (AMPs) – águas destinadas à preservação – estão crescendo e já somam 8,4% de todo território oceânico da América Latina. Países do Cone Sul – Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai – são os principais responsáveis por esse crescimento.
A saúde dos oceanos é fundamental para toda a vida no planeta. O fitoplâncton – plantas microscópicas encontradas nas regiões ensolaradas de quase todos os oceanos – gera pelo menos metade do oxigênio da Terra. No entanto, a saúde dos oceanos está em declínio e a principal causa é a atividade humana. As AMPs são consideradas essenciais para proteger os oceanos e amenizar os impactos da sobrepesca, poluição e acidificação. Elas trazem não apenas benefícios ecológicos, mas também ganhos econômicos.
“Fatores como o desenvolvimento, o aumento da população e as mudanças climáticas, entre outros, afetam a biodiversidade e os sistemas dos quais a biodiversidade depende. As AMPs conseguem solucionar uma parte desses problemas, ajudando a reabastecer as áreas afetadas”, disse Claudio Campagna, diretor do Fórum para a Conservação do Mar da Patagônia.
As reservas marinhas são o tipo de AMP com as regras mais rígidas, em que são proibidas todas as atividades de mineração, dragagem e pesca. Elas podem ajudar a restaurar a saúde dos oceanos porque protegem a biodiversidade, melhoram a resiliência dos ecossistemas, apoiam a produtividade pesqueira e conservam as tradições culturais relacionadas aos mares.
Descobriu-se que as AMPs com uma localização bem pensada e eficaz contribuem para o aumento da biomassa dos peixes, além de iluminar uma via que pode ajudar na recuperação de espécies predatórias, como tubarões. Um estudo conduzido nas Ilhas Galápagos, no Equador, por exemplo, revelou que as águas que cercam uma AMP apresentam uma taxa de captura mais elevada.
Outro benefício das áreas protegidas é o crescimento econômico, que pode ser promovido através do turismo. Em 2014, o governo do Chile criou um plano para apoiar o turismo sustentável em áreas protegidas. Foi parcialmente graças a esses esforços que o país recebeu 3 milhões de turistas, um aumento de 88% em comparação a 2007.
As AMPs também têm um impacto positivo na biodiversidade, na diversidade genética e no sequestro de carbono, além de aumentar a absorção de dióxido de carbono. Isso leva os ecossistemas a se tornarem mais resilientes, o que, por sua vez, garante o bem-estar das sociedades que dependem dos oceanos saudáveis.
“Assim como aconteceu com as florestas há duas décadas, as pessoas se deram conta de que os oceanos não eram fontes infindáveis de recursos, e a pressão que estavam colocando sobre eles estava começando a surtir efeitos negativos”, disse Germán Pale, coordenador do programa de AMP na ONG Vida Silvestre. “A expansão das AMPs tem como objetivo conservar recursos para as futuras gerações”.
Chile, garoto-propaganda
O Chile é um dos líderes mundiais em AMPs: são 25 unidades de conservação cobrindo 44% do mar territorial do país. Em 2010, havia 463 mil quilômetros quadrados de território marinho protegido no Chile. Hoje, esse número já chega a 1,3 milhão.
Antes que essa mudança acontecesse, no entanto, o Chile já sentia os primeiros efeitos negativos da sobrepesca. Após décadas de atividades não reguladas, seus recursos marinhos estavam minguando. Para o governo, as AMPs iluminaram um caminho para recuperar os estoques de peixes, então começou o trabalho com pesquisadores, comunidades e ONGs para rapidamente expandir as áreas protegidas.
“Nada disso foi feito somente por uma organização ou pelo governo. Sem o envolvimento das comunidades, as áreas marinhas protegidas não teriam dado certo”, disse Liesbeth van der Meer, diretora executiva da Oceana.
O país tem quatro tipos de AMPs: parques marinhos e reservas marinhas, que são, essencialmente aquáticos; santuários naturais; e “áreas marinhas costeiras de uso múltiplo”, as quais podem incluir áreas terrestres. Elas são geridas pelo Ministério do Meio Ambiente e protegidas pela Marinha chilena.
Uma das medidas mais recentes – e significativas – foi tomada no ano passado, quando a ex-presidente Michelle Bachelet assinou leis para proteger três regiões essenciais.
A maior delas, com mais de 720 mil quilômetros quadrados, é a área marinha protegida Rapa Nui. Lá, a pesca industrial e a mineração são atividades proibidas, mas a pesca tradicional ainda é permitida. Esta é uma de poucas AMPs do mundo em que as populações indígenas votaram para estabelecer os limites e nível de proteção.
O arquipélago Juan Fernández é a segunda maior, com 261.598 mil quilômetros quadrados e proteção integral. Nenhuma atividade é permitida.
A reserva das ilhas Diego Ramírez, que abriga o último ecossistema intacto da região da Antártica, segue em terceiro lugar, com uma área total de 55.6 mil quilômetros quadrados na região mais ao sul do Chile.
“Há alguns anos, o mar era sinônimo de praia para os chilenos. Ninguém pensava além disso. Agora, as coisas mudaram, as pessoas se relacionam de forma diferente com os recursos marinhos”, disse Alex Muñoz, chefe da iniciativa Pristine Seas (Mares Pristinos, em português) da National Geographic.
Apesar disso, ainda há muitos desafios adiante. A maioria das AMPs está em alto-mar, apenas 1-2% fica nas regiões costeiras. Os especialistas concordam que a próxima tarefa será identificar as áreas mais valiosas e trabalhar com as comunidades, enquanto buscam não afetar os pescadores artesanais.
Argentina, correndo atrás
A Argentina recentemente deu passos significativos na direção de expandir a sua rede de AMPs, que hoje representa 9,5% de todo território marinho argentino, e está próxima de bater as metas da ONU para 2020.
Até o ano passado, menos de 3% do território marinho do país era protegido. As AMPs que existiam eram pequenas e costeiras. A única área oceânica protegida era Namuncurá/Banco Burdwood, criada em 2013.
Em dezembro de 2018, o Senado aprovou um projeto de lei para triplicar a extensão dos territórios marinhos protegidos, criando para isso duas novas AMPs: Namuncurá/Banco Burwood II e Yaganes, ambas localizadas em águas territoriais argentinas.
“As áreas protegidas foram fruto de um trabalho de longo prazo com muitos atores da sociedade. Identificamos nove grandes áreas que precisavam ser protegidas para garantir o funcionamento dos ecossistemas. As novas AMPs fazem parte dessa região”, disse Pale.
A reserva Yaganes cobre quase 69 mil quilômetros quadrados e será dividida em três zonas. Todas as atividades serão proibidas, com exceção de pesquisas científicas no leito marinho. A pesca será permitida somente perto das áreas terrestres.
Namuncurá tem uma extensão de 32 mil quilômetros quadrados e será dividida em duas zonas. Na região oeste, a pesca será permitida, mas apenas a pesca sustentável, enquanto que na região leste todas as atividades serão banidas, com exceção da pesquisa científica.
A lei que criou as novas AMPs também as colocou sob a autoridade da Administração dos Parques Nacionais. Antes, não havia um organismo dedicado à sua gestão. A decisão deu ao governo maior controle e soberania sobre as AMPs, com reforço da Marinha.
“Agora que temos um organismo responsável pela gestão das AMPs, serão tomadas as medidas necessárias para evitar a pesca e as atividades extrativas ilegais. Isso abrirá as portas para a criação de áreas protegidas”, disse Milko Schvartzman, um especialista em conservação marinha.
Uruguai, pressão por mais proteção
Do outro lado do Rio da Prata está o Uruguai , que poderá, em breve, imitar a vizinha Argentina e expandir a sua rede de AMPs. O país foi inspirado por uma campanha realizada por organizações ambientais locais.
O Uruguai já tem oito territórios marinhos protegidos. Eles são geridos pelo Sistema Nacional de Áreas Protegidas, que pertence ao Ministério de Habitação, Território e Meio Ambiente.
Todas essas AMPs, como a lagoa Rocha, são costeiras ou terrestres. No entanto, diversas ONGs reclamaram dizendo que elas não são representativas do ecossistema marinho do país. Por isso, foi proposta a criação de um conjunto de reservas marinhas em alto-mar.
“As áreas atuais sequer contam com um plano de trabalho consolidado, e não têm envolvimento das comunidades”, disse Rodrigo García Pingaro, fundador da ONG Oceanosanos. “Se seguirmos em frente com novas AMPs em alto-mar, cobriremos 18% da zona econômica exclusiva do Uruguai”.