A iniciativa da empresa chinesa Shandong BaoMa de instalar um porto para receber mais de 500 navios de bandeira chinesa em Montevidéu está atualmente suspensa por enfrentar problemas legais, além da oposição de moradores e de organizações ambientais.
O projeto de 200 milhões de dólares buscava desenvolver uma zona franca com porto, estaleiro e fábrica de processamento e congelamento de pescado, em uma área privada de 28 hectares em Punta Yeguas, uma zona predominantemente rural, onde há também um parque público.
500
o número de navios chineses que o porto poderia alocar
A instalação do porto implicava em uma mudança legal de zona rural à portuária, que a empresa já descartou. O governo do Uruguai propôs a instalação do porto em um terreno próximo, que é propriedade do estado, algo que a empresa ainda está analisando.
“O projeto inicial que planejávamos para Punta Yeguas não vai se concretizar. A área é considerada zona rural pelo município de Montevidéu e não está autorizada para portos. O governo nos ofereceu outro local, mas sem maiores especificações. Foi somente uma proposta informal”, afirmou Julio López, gerente da Shandong BaoMa, em declaração ao jornal El País, do Uruguai.
Com sede na China, a Shandong BaoMa tem cerca de 4 mil funcionários e explora diversos setores, a maioria deles ligados ao mar, como pesca, processamento de farinha de peixe e gestão de terminais portuários. Incursionou também em infraestrutura para mineração.
Características e desafios
A empresa chinesa apresentou o projeto em dezembro de 2018 em Montevidéu, junto a representantes da empresa uruguaia CSI Ingenieros, sua sócia local. Seu objetivo era construir um porto privado para navios de até 50 mil toneladas.
A escolha do Uruguai para desenvolvê-lo não foi casual.
Numerosos barcos pesqueiros internacionais, muitos deles clandestinos e sem registro, visitam regularmente a costa do Uruguai em busca dos grandes cardumes de lula. O porto de Montevidéu é considerado o segundo maior do mundo em recepção de pesca ilegal, segundo relatórios da ONG Oceana e Oceanosanos.
Além disso, desde sua posse em 2015, o presidente uruguaio Tabaré Vázquez tenta uma maior aproximação com a China, inclusive almejando assinar um tratado de livre comércio entre os dois países.
A escassa informação pública sobre o projeto despertou a inquietação dos moradores da zona e de várias organizações ambientais, que se reuniram com autoridades do governo para alertar sobre as consequências sociais e ambientais que o porto poderia acarretar.
“Nós nos manifestamos e recusamos o porto. Houve uma enérgica pressão, somada ao fato de que era o período pré-eleitoral. O porto não será em Punta Yeguas, o que não significa que não seja construído em outro lugar”, declarou Rodrigo García, fundador da Oceanosanos.
Conseguir que a zona deixe de ser rural e passe a ser portuária era o principal desafio a ser superado pela Shandong BaoMa para seguir com o projeto. Seria necessária uma representação formal ao governo uruguaio, a ser aprovada pela legislatura local.
A empresa encontrou várias dificuldades na mudança do zoneamento e os habitantes da região não aceitam o projeto
O requerimento não foi apresentado, inibido pela pressão dos moradores e a próxima mudança de governo no final do ano. Não aconteceram mais declarações públicas e um representante da empresa, falando com a imprensa local, descartou usar o terreno em Punta Yeguas.
“A empresa encontrou várias dificuldades na mudança do zoneamento e os habitantes da região não aceitam o projeto,” confirmou Juan José Domínguez, vice-presidente da Autoridade Nacional de Portos do Uruguai (ANP).
Mudanças no projeto
Apesar de não poder construir o porto em sua própria área, o desenvolvimento do projeto da Shandong BaoMa ainda não está cancelado.
O Uruguai propôs à empresa uma concessão de 30 a 50 anos de uso para um terreno da ANP em Punta Sayago, localizado somente a um quilômetro de distância de Punta Yeguas. A área, atualmente sem uso, tem 180 hectares e já conta com infraestrutura portuária.
“Muitos empreendimentos foram cogitados para o local, no passado, mas não tiveram continuidade. É um lugar que tem todas as instalações para um grande projeto portuário e seria favorável à empresa. O acesso está pronto, a zona foi dragada e, inclusive, existe uma câmara frigorífica”, acrescentou José Martínez, morador do local e estivador.
Só não é certo se a empresa está interessada, já que ainda não respondeu à oferta da ANP.
Gabriel Otero, prefeito do Município A, zona oeste de Montevidéu, região na qual se localiza a nova área, reiterou que a Shandong BaoMa só construiria o porto se fosse em terreno próprio.
“Não respondendo, eles dão a entender que a oferta não lhes interessa. Está somente a um quilômetro de Punta Yeguas, mas este não é o problema. Querem o porto em um terreno de sua propriedade e, no caso de Punta Sayago, seria uma concessão. Assim o projeto não interessa”, concluiu.