A atenção dedicada pela imprensa mundial aos 340 navios de pesca – muitos deles chineses – que circundam Galápagos, as ilhas equatorianas de abundante biodiversidade, pode se tornar um momento crítico na regulamentação da pesca de alto mar.
Embora a frota não seja nova e não haja provas de atividade ilegal, o crescente escrutínio internacional da pesca chinesa, enquanto Kunming se prepara para acolher a conferência das Nações Unidas sobre biodiversidade (COP15) em maio de 2021, pode contribuir para melhoras na supervisão que Beijing faz sobre a sua frota de pesca em águas distantes.
Atualmente, cinco países – China, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Espanha — representam 80% do total das capturas em águas internacionais. As nações costeiras introduziram cotas de pesca e melhoraram o monitoramento e gestão da pesca nas suas Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE), que se estendem a 200 milhas náuticas das suas costas. No entanto, as águas para além destas zonas permanecem em grande parte não regulamentadas.
“A agressividade da indústria da pesca em águas distantes ameaça o delicado equilíbrio dos ecossistemas em todo o mundo”, diz Yolanda Kakabadse, ex-ministra do Meio Ambiente do Equador, agora responsável pela estratégia de proteção marinha das ilhas Galápagos.
A frota ao longo da costa de Galápagos pode não ter entrado na ZEE do Equador, e a grande maioria dos navios utilizava equipamento “jigger” para pescar lulas, uma técnica que resulta em menos capturas acidentais do que a pesca com palangre, ou linhas de pesca. Contudo, mesmo esta atividade tem um impacto nas áreas vizinhas, dado que as lulas são uma parte vital das cadeias alimentares marinhas.
“Os peixes não respeitam as barreiras da ZEE, eles migram através delas”, diz Kakabadse. “As Ilhas Galápagos acolhem um dos ecossistemas oceânicos mais ricos do planeta, mas temos visto uma diminuição das populações de tubarões, jamantas e tartarugas e isso, por sua vez, afeta as espécies de aves e as terrestres”.
No passado, os capitães chineses que pescam na região estavam dispostos a ignorar as leis. Em 2017, a guarda costeira do Equador deteve um navio chinês contendo grandes quantidades de carne de tubarão, incluindo espécies de tubarões-martelo ameaçadas de extinção.
Sem observadores a bordo para controlar o tamanho das capturas e a existência de capturas acidentais, a pesca em águas distantes tem um grande problema de rastreabilidade. A utilização de navios frigoríficos, que transferem a produção de dezenas de navios para o porto, torna difícil a identificação do que os navios capturaram.
Existe um grande desequilíbrio entre a capacidade de pesca das empresas chinesas e a capacidade de as gerir e supervisionar
“A pesca em águas distantes é a selva da indústria pesqueira”, diz Milko Schvartzman, um ambientalista marinho que segue as frotas. “Ninguém sabe quanto é abatido, o único registo vem dos capitães e muitos navios dedicam-se a atividades IUU [ilegais, não declaradas e não regulamentadas, na sigla em inglês]. É um comportamento regular para eles”.
Um dos navios próximos à costa de Galápagos é o Hong Pu 16, que foi detido em abril depois de invadir a ZEE da Argentina. De acordo com relatórios de pescadores locais, até 90 navios entraram na ZEE depois de esperar que a guarda costeira deixasse a área e desligasse os seus sistemas de identificação automática (AIS, na sigla em inglês).
“A Espanha obriga a sua frota de águas distantes a manter o seu AIS ligado”, diz Schvartzman, acrescentando que o governo chinês raramente sanciona os navios, e as suas políticas têm apoiado ativamente o rápido crescimento da frota.
A atividade é protegida pela estratégia chamada “Going Out” da China. A política foi adotada na virada do milênio para encorajar o estabelecimento e desenvolvimento de novos mercados e linhas de abastecimento de recursos naturais em outros países, e a pesca é identificada como uma indústria estratégica.
Foram introduzidos subsídios de combustível para a pesca em águas distantes, e foram criados navios cada vez maiores para tornar “a China num país marítimo forte”. Em 2020, as empresas chinesas detinham mais de 2,9 mil navios de águas distantes, 40% do total da frota mundial do tipo.
40%
dos barcos para navegação em águas distantes são de empresas chinesas
No entanto, a taxa de expansão tem sido reduzida nos últimos anos. O 13º Plano Quinquenal da China, lançado em 2016, introduziu um limite de 3 mil navios de águas distantes.
“O governo chinês está sob pressão em todo o mundo como resultado da pesca IUU”, diz Wei Zhou, defensor dos oceanos do Greenpeace. “Isto tem um impacto real na reputação da China.” Desde 2017 temos assistido a uma mudança na política em relação à pesca em águas distantes e este ano foram feitas revisões aos regulamentos que resultam em fortes punições para as atividades IUU”.
Na sequência das várias reportagens sobre Galápagos em agosto, a China anunciou uma moratória de três meses sobre a captura de lulas nas ilhas. Contudo, críticos a medida como um gesto sem muitas consequências, uma vez que as lulas já migraram para fora da região. No entanto, a mudança sugere que, no mínimo, a China quer limpar a imagem internacional da sua frota.
“Há sabedoria das autoridades chinesas”, diz Kakabadse. “Elas fazem parte de acordos multilaterais e preocupam-se com a sua reputação, e assim se tornam um modelo para a pesca e outros assuntos. Acredito que quando compreenderem como a pesca em águas distantes se tornou prejudicial, tomaram atitudes em relação a isso.”
Há sinais de que a China já está tomando medidas concretas para controlar melhor a sua frota. No início de 2020, o país introduziu um punhado de revisões aos seus regulamentos de Gestão da Pesca à Distância. Estes incluem uma lista negra para capitães de navios envolvidos em IUU; melhores relatórios; a introdução de observadores a bordo para navios de transbordo; e um requisito legal de fazer registros de hora a hora dos transponders.
Pela primeira vez, os regulamentos referem-se ao “desenvolvimento sustentável” e a um melhor controle da dimensão da frota.
No entanto, a implementação continua a ser um desafio. “Existe um grande desequilíbrio entre a capacidade de pesca das empresas chinesas e a capacidade de as gerir e supervisionar”, diz Wei.
Uma regulamentação global eficaz da indústria de pesca em águas distantes exigiria maiores esforços multilaterais. No entanto, qualquer esperança de que esse tipo de pesca fosse incluído no acordo da ONU sobre biodiversidade marinha fora da jurisdição nacional parece ter sido frustrada, segundo Schvartzman.
A China também não é signatária do Acordo sobre Medidas do Estado do Porto (PSMA, na sigla em inglês), o mecanismo internacional para combater a pesca ilegal administrado pela FAO, o braço de agricultura e alimentação da Organização das Nações Unidas. O tratado obriga os países a verificar os registos dos navios e a fechar os seus portos aos países suspeitos de se envolverem em atividades ilegais, impedindo a descarga de capturas ilícitas.
Talvez a via mais promissora para proteger a pesca fora das ZEEs sejam as Áreas Marinhas Protegidas (AMPs), que são “um ninho para peixes com capacidade para proteger e reabastecer”, de acordo com Kakabadse.
O presidente do Equador, Lenin Moreno, anunciou o seu plano de criar uma AMP que cobriria a área entre as Ilhas Galápagos e a Ilha Cocos da Costa Rica.
“A criação deste corredor ao norte das Galápagos dificultaria às embarcações de pesca em águas distantes viajarem pela costa e esperamos que a Colômbia e o Panamá se juntem e expandam esta reserva em torno das suas próprias ilhas, para garantir uma reserva marinha multinacional”, diz Kakabadse.