Oceanos

Encontro decisivo pode expandir a proteção das águas antárticas

Há grandes esperanças de que a reunião da CCAMLR deste mês estenderá a proteção do Oceano Antártico, apesar da pandemia
<p>Uma baleia jubarte nada perto da Ilha Half Moon, na Península Antártica (Imagem © Abbie Trayler-Smith / Greenpeace)</p>

Uma baleia jubarte nada perto da Ilha Half Moon, na Península Antártica (Imagem © Abbie Trayler-Smith / Greenpeace)

Importantes cúpulas ambientais marcadas para este ano foram adiadas em meio à pandemia, mas uma reunião crucial permanece em cima da mesa. Vinte e cinco países e a União Europeia se reunirão online no final deste mês para votar sobre a extensão da proteção do Oceano Antártico.

O uso de recursos na região é regulamentado pela Comissão para a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos (CCAMLR, na sigla em inglês). Em 2002, a comissão concordou em criar uma rede de áreas marinhas protegidas (MPAs, na sigla em inglês), de acordo com o Objetivo 14.6 de Desenvolvimento Sustentável da ONU para proteger 10% do oceano do mundo.

Os estados membros da CCAMLR deram o primeiro grande passo em 2009 quando concordaram em um MPA para cobrir 94 mil quilômetros quadrados abaixo das Ilhas Órcades do Sul. Então, em 2016, a comissão negociou com sucesso o maior parque marinho do mundo, cobrindo 1,55 milhões de quilômetros quadrados no Mar de Ross. (É chamado de parque marinho porque, ao contrário de um MPA permanente, seu status precisará ser renovado após 35 anos).

Desde então, no entanto, o progresso tem sido lento. As diferenças entre os países continuam significativas, e pouco foi acordado em cada reunião anual. Alguns, particularmente a China e a Rússia, se opuseram à criação de novos MPAs, e afirmaram seu direito de acesso a águas ricas em krill e outros recursos, tais como minerais e petróleo.

“São muito poucas as vezes em que há uma oportunidade de redirecionar a história e mudar a trajetória. Hoje temos esta oportunidade”, disse Lewis Pugh, patrono da ONU para os oceanos. “Agora é o momento para a Antártida ser preservada pela paz, pela ciência e pela vida selvagem. Quando vamos lá, vamos como convidados”.

As propostas sobre a mesa

A reunião da CCAMLR deste ano será totalmente online e mais curta do que o habitual (vai de 26 a 30 de outubro). Isso significa menos tempo para negociar e nenhum espaço informal, como jantares e coquetéis, que oferecem uma oportunidade para que se faça progresso por meio de conversas. Ainda assim, há esperanças de que novas áreas protegidas sejam aprovadas.

“Tem sido difícil para os países chegarem a um acordo sobre o que realmente significa uma reunião online. Eles terão apenas alguns dias para negociar, em vez das duas semanas habituais. Mas a possibilidade de a CCAMLR designar novos MPAs ainda existe”, disse Andrea Kavanagh, diretor da Pew para Antártida e no Oceano Antártico.

Há três propostas de MPAs a serem discutidas. A mais antiga, com a melhor chance de avançar, é proteger três blocos de oceano e solo oceânico ao longo da Antártida Oriental, uma área rica em corais de água fria e pinguins. No entanto, esta questão tem sido discutida há oito anos seguidos, sem muito progresso.

emperor penguin in Antarctica
Um pinguim-imperador na Antártida (Imagem: Antarctica Bound / Flickr, CC BY ND)

Também está na mesa a criação de uma MPA de 1,8 milhão de quilômetros quadrados na área do Mar de Weddell, adjacente à península Antártica, que foi originalmente proposto pela União Europeia e depois apoiado por outros países. Se fosse criada, seria a maior reserva natural do mundo.

Finalmente, há uma proposta da Argentina e do Chile para criar uma MPA a oeste da península Antártica. A área é particularmente vulnerável aos impactos do turismo, à atividade pesqueira e ao aquecimento global.

“Já estive nos três lugares. Eles são excepcionais e alguns dos lugares mais ricos e biodiversos que restam no planeta. Não temos o direito de empurrar os animais que lá vivem à beira da extinção”, disse Pugh, que inclusive já nadou nas águas geladas da Antártida. “Elas são as áreas menos tocadas do mundo, mas ainda estão sujeitas a grandes mudanças. A Antártida é vizinha de todos”.

O Oceano Antártico compreende aproximadamente 10% do oceano mundial e abriga alguns de seus ecossistemas mais raros, mais vulneráveis e importantes. Milhões de pinguins, aves marinhas, peixes, focas, baleias e krill, espécies fundamentais para o equilíbrio do ecossistema local, vivem lá e precisam ser mais protegidos.

Os especialistas concordam que as MPAs são a melhor maneira de fazer isso. Não avançar com as três propostas atualmente em discussão poderia ter grandes consequências para os ecossistemas da Antártida. Especialmente considerando que o protocolo ambiental atualmente em vigor (conhecido como Tratado da Antártida) deve ser revisto após 2048.

Um tratado mais fraco poderia permitir a mineração e a extração de combustíveis fósseis na área — geólogos estimam que a Antártida possui pelo menos 36 bilhões de barris de petróleo e gás natural. Há um precedente infeliz: a rica vida selvagem do continente já está ameaçada pela pesca em escala industrial, que agrava os danos causados pelas mudanças climáticas. As populações de krill do Oceano Antártico em algumas áreas diminuíram de 70 a 80% nos últimos 40 anos.

Países com diferentes posições

Para criar uma nova MPA, todos os 26 membros da comissão — 25 países e a União Europeia — devem chegar a um consenso. Mas as conversas têm progredido de forma especialmente desafiadora, dados os diferentes interesses dos países negociadores. Enquanto alguns querem MPAs de não captura (onde as indústrias extrativas são proibidas), outros querem manter seus direitos de pesca.

A China começou a pescar krill no Oceano Antártico em 2009 e expandiu rapidamente suas atividades desde então. Junto com a Noruega e a Coreia do Sul, a China é uma das três maiores nações pesqueiras de krill do Antártico, com a Noruega liderando em termos de capacidade de captura e processamento, e a China liderando em número de embarcações.

Um navio de pesca de krill nas Ilhas Orkney do Sul, na Antártica (Imagem © Andrew McConnell / Greenpeace)

“A China tem interesse em expandir suas atividades pesqueiras no Oceano Antártico e as novas MPAs podem tornar isso difícil”, disse Julian Chen, um pesquisador sênior da ONG ambiental chinesa Greenovation Hub. “Há também questões geopolíticas. A China está muito atenta às decisões de longo prazo em grandes áreas”.

Ainda assim, a China tem mudado recentemente sua posição em relação às MPAs, segundo Nengye Liu, professor associado da Faculdade de Direito Macquarie da Austrália, passando de uma narrativa de oposição para uma mais “proativa”.

“Eles agora argumentam que precisamos saber mais sobre as áreas protegidas antes de dar o próximo passo. Eles querem um plano de pesquisa e monitoramento”, disse ele.

A criação de uma rede de reservas marinhas na Antártida oferece a oportunidade de conservar e estudar áreas naturais em grande parte intocadas, concordam os especialistas. Embora façam pouco para reduzir os efeitos da mudança climática, as MPAs podem ajudar a garantir que outras atividades não aumentem os impactos.

Os esforços de proteção vão além da Antártida. Organizações da sociedade civil e especialistas pedem que 30% do oceano global seja protegido até 2030 – um objetivo que eles consideram crucial para proteger a biodiversidade mundial. Atualmente, apenas um pouco mais de 7,5% do oceano é protegido por MPAs.

“Temos a responsabilidade de agir. Seja um país membro da CCAMLR ou não, cada nação é uma nação antártica. O que acontece lá na preservação da biodiversidade e do sistema climático afeta a todos em uma direção positiva ou negativa”, disse José Maria Figueres, ex-presidente da Costa Rica e fundador da rede Ocean Unite