Autoridades do Equador detiveram um barco pesqueiro chinês próximo às Ilhas Galápagos que transportava milhares de tubarões mortos, incluindo espécies ameaçadas de extinção, como o tubarão-martelo, além de espécies protegidas como o atum.
O navio Yuan Fu Leng 999 levava 300 toneladas de peixes, principalmente tubarões, e foi interceptada pela Marinha equatoriana no domingo, dia 20 de agosto, no arquipélago da Reserva Marinha de Galápagos.
O presidente equatoriano, Lenin Moreno, afirmou, na última segunda-feira, que não permitiria que a soberania marítima do seu país fosse violada por nenhuma frota pesqueira estrangeira. Ele se referia às 200 embarcações de bandeira chinesa que atualmente operam dentro da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) das Ilhas Galápagos.
As ilhas foram declaradas Patrimônio Mundial da UNESCO devido à sua rica biodiversidade marinha. Em 2007, Galápagos chegou a integrar a Lista do Patrimônio Mundial em Perigo, da ONU, devido às ameaças causadas pelo turismo e pela sobrepesca, mas foi removida depois que as autoridades equatorianas empenharam esforços para resolver esses problemas.
Tarsicio Granizo, ministro do Meio Ambiente do Equador, disse que os membros da tripulação detidos na ilha de San Cristóbal tiveram a prisão preventiva decretada e todos podem ser condenados a até três anos de prisão por tráfico de animais protegidos.
Não se sabe ainda se todo o pescado veio da reserva marinha, mas a presença de tubarões jovens e bebês indica que eles podem ter sido capturados dentro da reserva. O elevado número de tubarões prova que os animais não foram capturados por acidente.
Walter Bustos, diretor do Parque Nacional de Galápagos, relatou ao jornal equatoriano El Universo que esta foi a maior embarcação já apreendida dentro da reserva marinha. Em 2015, a polícia equatoriana confiscou cerca de 200 mil barbatanas de tubarão que seguiriam para a Ásia.
Cumplicidade do estado
A apreensão foi noticiada no mundo inteiro e levantou questões sobre a impunidade das frotas pesqueiras que operam na fronteira da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Equador, principalmente no ecossistema de Galápagos. Uma ZEE é um espaço marítimo definido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar sobre o qual um país detém direitos especiais de exploração e uso dos recursos marinhos.
O navio Fy Yuan Leng 999 é mais um entre centenas de navios estrangeiros que usam redes de arrasto nas águas nas costas do Equador, Chile e Peru, causando um enorme impacto nos recursos marinhos internacionais e nos ecossistemas e economias locais. Suspeita-se que a maior frota presente nesta zona seja de origem chinesa.
“Infelizmente, as embarcações chinesas que entram ilegalmente nas águas de países em desenvolvimento para coletar seus recursos são, muitas vezes, autorizados por alguns países para pescar legalmente ou para fazer a ‘lavagem’ da pesca ilegal”, disse Milko Schvartzman, especialista em conservação marinha que trabalhou como coordenador de campanhas internacionais para o Greenpeace por 16 anos.
O Equador é membro da Organização Regional de Gestão das Pescas para o Pacífico Sul (SPRFMO), um organismo multilateral composto por 15 estados-membros que fazem a gestão das atividades de pesca relativas a certas espécies nas águas do Pacífico Sul. Ele tem poder para autorizar o acesso das embarcações.
“Muitas das embarcações que recebem autorização desse órgão para operar no Pacífico Sul não cumprem os requisitos sanitários mínimos, nem estão de acordo com as normas de segurança ou de sustentabilidade ambiental. Mesmo assim, o SPRFMO continua concedendo autorizações para que eles esgotem os recursos que pertencem à toda a humanidade”, disse Schvartzman.
A embarcação Lu Huan Yuan Yu 106 também realiza atividades de pesca no Atlântico Sul, na fronteira da ZEE da Argentina, junto com uma frota de mais de 400 barcos INN (ilegal, não declarado e não regulamentado), muitos dos quais têm autorização pelo SPRFMO.
O navio Yu Yuan Fu Leng 999 não estava pescando dentro de Galápagos, nem em águas equatorianas, estava de passagem e em velocidade de trânsito nas águas das ilhas. – A embarcação apreendida não era um barco pesqueiro, era um ‘reefer’ para o transporte de carga refrigerada, portanto não tinha capacidade de pesca. – Um ou mais barcos pesqueiros ainda não identificados realizaram o transbordo da pesca em alto mar.
A apreensão do barco é a mais recente em uma série de detenções de barcos chineses. O navio pesqueiro Hua Li 8 foi encontrado pescando ilegalmente no Mar Argentino. Sua captura envolveu navios de guerra e helicópteros da Argentina, além de um navio de guerra e um avião do Uruguai. A embarcação foi posteriormente capturada na Indonésia, a pedido da Interpol, uma organização policial internacional. Apesar disso, o fugitivo Hua Li 8 continua pescando “legalmente”, com autorização do SPRFMO, segundo Schvartzman.
Lamentavelmente, o SPRFMO não mantém registros dos navios que recebem sua autorização para pescar em alto mar, área considerada bem comum de toda a humanidade.
O transbordo em alto mar oculta atividades prejudiciais ao meio ambiente e é associado ao tráfico de seres humanos e à criação de distorções no mercado aberto, impossibilitando a concorrência leal.
Onde estava a Marinha?
De acordo com relatórios, o navio se encontrava nas águas territoriais do Equador desde julho de 2017. A apreensão suscitou preocupações a respeito da capacidade do país de policiar seu território marinho.
Os investimentos na Marinha do Equador têm sido insuficientes desde a eleição do presidente Rafael Correa, em 2007. Sob a sua liderança, o orçamento da Marinha foi cortado e os recursos foram transferidos para as patrulhas terrestres. César Cedeño, doutorando da Universidade de Pittsburgh, escreveu no Gkillcity.com:
“O grande desafio da Marinha do Equador é conseguir controlar uma zona marítima que é cinco vezes maior que seu território [terrestre]. Para isso, era vital fazer as aquisições certas, investir em treinamento, parar de usar o pessoal da Marinha em missões secundárias – isto é, sem fins militares – e elaborar um bom orçamento. Porém, o oposto aconteceu: a ineptidão foi tanta que as modernizações e os investimentos foram desperdiçados“.
Algumas das embarcações da frota naval têm mais de 30 anos e precisam ser renovadas. Além disso, apesar do Equador ter soberania marítima sobre os recursos naturais, isso não se estende ao trânsito de navios. O país não pode controlar ou fiscalizar de forma descentralizada as atividades ilegais de pequenos grupos de navios.
Aumento das tensões
Após a apreensão, o presidente Moreno avisou que reforçaria a capacidade operacional da Marinha para impedir a invasão de navios chineses no espaço marítimo equatoriano.
“Não permitiremos que eles violem nossa soberania marítima. Já pedi para o chanceler tomar todas as medidas legais e diplomáticas cabíveis para que nem essa, nem qualquer outra frota pesqueira atente contra a nossa riqueza”, disse ele.
No ano passado, a frota pesqueira nacional do próprio Equador esteve envolvida em diversos casos de caça e exportação ilegal de barbatanas de tubarão, além de captura ilegal de tubarões, dentro da Reserva Marinha de Galápagos, na Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Equador e em alto mar. Nos últimos três anos, 17 navios equatorianos foram detidos devido à pesca ilegal.