Quem surfa sabe que o ritmo das ondas está em constante mudança. Apoiado à prancha, observando o mar e calculando a direção e velocidade das ondas, você decide qual delas deve pegar ou deixar passar. E, de repente, você está de pé, deslizando pelo mar… conectado ao ritmo do oceano. Com o olhar fixo no horizonte, você sabe o que vem pela frente.
Este ano foi decisivo para a gestão das crises ecológicas que assolam os oceanos. Atualmente, estamos surfando entre três Conferências das Partes (COPs) da ONU: as cúpulas da biodiversidade, na Colômbia; das mudanças climáticas, no Azerbaijão; e da desertificação, na Arábia Saudita.
Cada evento tem sua agenda, mas eles compartilham vários pontos em comum. Entre eles, os oceanos são um tema transversal e que unificam as discussões.
Apesar de sua enorme importância, os oceanos e suas três crises ambientais têm sido negligenciados. As mudanças climáticas, a poluição e a perda de biodiversidade já se manifestam a partir do aumento do nível do mar, das altas temperaturas da água, da alteração no regime de chuvas, da acidificação e desoxigenação dos oceanos e da ameaça aos ecossistemas.
Os oceanos estão recebendo a atenção que merecem nas COPs da ONU? Vamos mergulhar nessa questão.
Outubro | COP16, Biodiversidade | Cali
Em 2022, os países signatários do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal estabeleceram a meta histórica de proteger 30% de suas áreas terrestres e marinhas até 2030. Na reunião de Cali no mês passado, porém, ficou evidente que a proteção global dos oceanos está muito aquém dessa meta.
Outro tratado da ONU pode ajudar com esse objetivo: o Acordo do Alto-Mar. Quando for ratificado por 60 países (ainda faltam 45), o acordo permitirá a criação de áreas marinhas protegidas em alto-mar, abrangendo os dois terços dos oceanos fora da jurisdição nacional. A proteção dessas áreas complementará os esforços para atingir a meta de 30% do marco de biodiversidade.
A proteção dos oceanos conta com outros instrumentos internacionais assinados nos últimos anos: o Acordo sobre Medidas do Estado do Porto e o Acordo de Subsídios à Pesca. Ambos foram criados para combater a pesca ilegal e promover a sustentabilidade marinha.
No entanto, o financiamento ainda é um desafio central, como mostrou a COP16 de Cali.
A Rede da América Latina e do Caribe para um Sistema Financeiro Sustentável (Redfis) defende a necessidade de estabelecer um financiamento específico para a proteção da biodiversidade de cada país. Ela afirma que os recursos disponíveis são insuficientes e alerta para um crítico endividamento público nos países do Sul Global. Essas nações acabam empenhando, no pagamento de juros, recursos que seriam importantes no combate à crise climática.
A Redfis também exige mecanismos mais eficazes para direcionar fundos àqueles que preservam a natureza — sobretudo povos tradicionais, indígenas e afrodescendentes responsáveis pela gestão de áreas marinhas protegidas.
Novembro | COP29, Mudanças climáticas | Baku
Um relatório publicado em outubro por um comitê técnico da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas cobra mais sinergias entre as estruturas multilaterais da organização – como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o Tratado do Alto-Mar e o Marco Global de Biodiversidade. O documento reforçou que essa interseção é fundamental para o sucesso das políticas nacionais de adaptação e mitigação climática.
A implementação dos compromissos climáticos será um tema central da COP29. A unificação de esforços entre os países e o financiamento para o clima também terão destaque.
Para a América Latina, é fundamental definir uma Nova Meta Coletiva Quantificada para o financiamento climático, fortalecendo os esforços dos países na proteção ambiental de seus territórios marítimos. Além disso, até 2025, os países devem incluir os oceanos em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas e em seus Planos Nacionais de Adaptação Climática.
A cada cinco anos, os países signatários do Acordo de Paris, de 2015, devem apresentar planos de ação detalhando seus esforços para reduzir as emissões de carbono. Esses compromissos são conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).
As novas NDCs devem ser mais ambiciosas do que as anteriores (o chamado “mecanismo de alavancagem”). Juntas, essas metas nacionais representam os esforços globais para reduzir a gravidade e os impactos das mudanças climáticas.
A tecnologia aparece como um tema controverso na interseção entre oceanos e mudanças climáticas, especialmente em duas áreas: a geoengenharia e a mineração em águas profundas.
A geoengenharia envolve técnicas para reduzir os impactos do aquecimento global. Mas faltam evidências sólidas de sua efetividade. Algumas iniciativas até poderiam aumentar a absorção de dióxido de carbono pelos oceanos, mas também trariam riscos de prejudicar ecossistemas ameaçados.
Na mineração oceânica, alguns especialistas temem que isso prejudique a captura de carbono no fundo do mar. Já seus defensores afirmam que a atividade poderia fornecer elementos essenciais à transição energética. Vários países, inclusive da América Latina, estabeleceram uma moratória sobre a atividade, visando garantir mais pesquisas científicas sobre ecossistemas pouco conhecidos.
Dezembro | COP16, Desertificação | Riad
A conexão entre os ambientes terrestre e marinho será essencial na terceira COP de 2024: os países-membros da Convenção da ONU sobre o Combate à Desertificação se reunirão na Arábia Saudita para sua 16ª conferência.
Ao abordar a intensificação das secas, a convenção enfatiza a necessidade de alinhar seus esforços com as conclusões do Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. A convenção busca soluções em diversas frentes: ela destaca a interdependência dos ecossistemas terrestres e marinhos e incentiva um desenvolvimento que fortaleça a resiliência desses habitats. O órgão da ONU também entende que as pressões sobre os ecossistemas oceânicos e os recursos hídricos estão intimamente ligadas à necessidade de garantir alimentos e água para milhões de pessoas.
Este ano foi marcado por ciclones e furacões devastadores, além do aquecimento sem precedentes dos oceanos. Isso é um alerta ao mundo sobre a urgência de protegê-los para mitigar as mudanças climáticas e preservar a biodiversidade.
É animador observar que, por trás de cada decisão política, há uma luta incansável; uma luta travada por comunidades tradicionais, indígenas e afrodescendentes que se mobilizam cada vez mais para proteger os oceanos.
Como os surfistas bem sabem, é preciso equilíbrio para se manter na prancha. Dominar as ondas da mudança, que chegam com força, exige um triplo equilíbrio: ser guiado pelo conhecimento científico e local, tomar decisões corajosas e ter ambição para mitigar as mudanças climáticas. Se fizermos isso corretamente, antes que percebamos, estaremos de pé, deslizando pelo mar.