As importações latino-americanas de aço da China duplicaram no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2014, causando grande preocupação entre os produtores locais e gerando acusações sobre práticas comerciais desleais. As reclamações dos produtores regionais, representados pela Associação Latino-Americana do Aço (Alacero), estão focadas nos subsídios do governo chinês e, fundamentalmente, afirmam que o excedente do aço da China no continente está sendo ‘objeto de dumping’, com um nível de preços contra os quais é impossível competir.
O diretor geral da Alacero, Rafael Rubio, falou com Diálogo Chino sobre os impactos do surpreendente aumento das importações latino-americanas do aço chinês.
DC: Como medir a preocupante situação das importações de aço da China?
RR: A situação é realmente muito preocupante, e diríamos que chegou a níveis alarmantes. O advento das importações de aço em condições desleais de comércio, especialmente da China, é o maior desafio que hoje enfrentam as empresas siderúrgicas da América Latina.
Para compreender o fenômeno da siderurgia na China é preciso voltar 10 anos, quando o país era um importador primário de aço. O governo do país decidiu então considerar o setor siderúrgico uma de suas indústrias estratégicas e, assim, desenvolvê-lo, investindo pesado na atividade. Atualmente, a China é o maior exportador e o primeiro produtor mundial de aço, com 50% de participação no mercado mundial (os cinco países seguintes somente somam 26%).
A maioria das empresas siderúrgicas da China é de propriedade do Estado. Este crescimento exponencial só é possível sob a lógica de uma economia centralizada, que não obedece às regras do mercado, com recursos financeiros ilimitados por parte do Estado e sem restrições com respeito ao rendimento esperado em seus negócios.
A grande mudança no comércio internacional do aço começou em 2010, agravando-se em 2014 e 2015. Frente à excessiva capacidade instalada na indústria de aço da China (atualmente chega a 425 milhões de toneladas: 6 vezes a produção anual da América Latina) e uma economia doméstica que deixou de crescer dois dígitos, a China se viu obrigada a oferecer seu aço aos mercados internacionais, com a meta de não diminuir a produção de suas plantas, assegurando a continuidade do emprego e a estabilidade social).
A maneira mais efetiva de captar novos mercados é, claramente, através de baixos preços. O governo chinês tem capacidade financeira para subsidiá-los e vender a preços dumping.
Há uma década, em nossos mercados, quase não havia aço da China. Nos últimos cinco anos esse país duplicou sua participação no mercado de aço da América Latina, passando de 6 pontos de participação aos 13% atuais. Em 2014, a América Latina recebeu 8,3 milhões de toneladas de aço da China e espera-se que este ano chegue a 9,7 milhões de toneladas. Com estas cifras, nossa região se converteu no segundo mercado mais importante para a China, superada somente pela Coreia do Sul.
A indústria de aço da América Latina é competitiva e trabalha com padrões de governança, meio ambiente, de qualidade e de segurança industrial de categoria mundial. No entanto, estes são os preços contra os quais as empresas latino-americanas, que operam em condições de mercado, não podem competir.
DC: Quem é afetado pelo ‘dumping’ e como é possível que a situação seja resolvida?
RR: O prejuízo já é visível. Interrupções técnicas, fechamento de plantas (como aconteceu no Chile), greves (como as várias ocorridas no México), demissões (segundo as cifras do Instituto Aço Brasil, por exemplo, as demissões naquele país chegaram, no ano passado, a 11.000), cancelamento de investimentos, etc.
A Alacero está desenvolvendo ações para levar a informação sobre os danos que o comércio desleal está produzindo aos formadores de opinião e aos governos de toda a região, demonstrando a dimensão continental do problema. As interrupções técnicas, o fechamento de plantas ou as demissões que hoje estão acontecendo em um país, amanhã podem ocorrer em outro. O perigo é que cheguemos a um ponto em que a situação se torne irreversível.
Especificamente, nosso chamamento aos governantes da América Latina é para que atuem com visão estratégica, decisão e estabeleçam regras claras. Nós, das empresas siderúrgicas, somos a favor da concorrência e da abertura comercial, porém assegurando um jogo equilibrado para todos os competidores. A única maneira de gerar emprego de qualidade e o desenvolvimento que nossas economias necessitam é assegurando uma base siderúrgica e industrial para a América Latina.
A mudança necessária para resolver esta problemática passa por estabelecer na América Latina um jogo equilibrado no comércio do aço e dos produtos que contenham aço.
DC: Os países da América do Sul parecem menos dispostos a efetuar uma queixa contra a China na OMC. Por que razão?
RR: Ao contrário, a Alacero apresentou a informação que demonstra que as importações da China podem ser acusadas de práticas desleais de comércio. Isso pode ser comprovado com as investigações antidumping que uma grande quantidade de países iniciaram e terminaram com resoluções a favor das empresas nacionais. E não me refiro só aos países da América Latina, mas praticamente em todo o mundo (Estados Unidos, Europa, Malásia, Singapura, Índia, etc.).
Na região, atualmente existem 42 resoluções antidumping por parte de vários governos (Brasil, México, Colômbia e Peru). Vinte e sete dessas resoluções são contra produtos chineses. Na parte Norte da América, os Estados Unidos têm 96 resoluções antidumping em aço e 53 delas são contra a China; o Canadá, por seu lado, tem 16 resoluções, das quais 10 são contra a China.
Creio que é importante esclarecer que os países não vão à OMC para queixar-se, pois eles têm os instrumentos legais para realizar investigações, sejam elas por dumping ou por subsídios, e tomar decisões em função da informação de que dispõem. São processos legais, onde todas as partes envolvidas (produtores, importadores, exportadores, governos estrangeiros) participam. Ao final do processo, o governo toma uma decisão.
DC: Como estão respondendo de diferentes maneiras os países impactados pelo ‘dumping’ do aço chinês?
RR: A Organização Mundial do Comércio (OMC) tem uma série de instrumentos que permitem assegurar uma concorrência leal nos mercados internacionais. Os países membros, entre os quais se encontram todos os países da América Latina, têm o direito de usá-los e aplicar as medidas corretivas que contenham.
Assim os governos asseguram um jogo equilibrado.
As empresas, ao detectar que um produto de aço está chegando da China ao seu mercado com um preço excessivamente baixo, preparam os antecedentes necessários para demonstrar, por um lado, que a China está vendendo abaixo dos seus preços domésticos e, por outro, que o preço dos produtos que estão chegando está causando prejuízo à empresa interessada (em termos financeiros, produtivos, de redução de quota de mercado, de redução de postos de trabalho, etc.).
DC: Estão buscando canais diplomáticos para dialogar com a China? Em função das relações cordiais em nível político, o que lhe agradaria ver os governos latino-americanos fazendo?
RR: Há poucas semanas, a Alacero, junto com outras sete associações nacionais da Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, México e Peru, publicou em jornais de toda a América Latina uma Carta Aberta aos governos da região.
Nela, descrevemos de modo muito concreto e específico as ações que de forma urgente e, com um enfoque integral, deveriam realizar nossos governos para assegurar a justa concorrência.
. Alfândegas: inspeção efetiva para evitar contrabando e evasão de quotas antidumping;
. Normas de Qualidade: exigir das importações os mesmos requisitos da indústria nacional;
. Comércio desleal: aplicar oportuna e eficientemente todos os instrumentos previstos pela OMC;
. Diplomacia comercial: exigir que a China e suas empresas governamentais atuem em condições de mercado;
. OMC: a China NÃO deve ser reconhecida como economia de mercado. A existência de sua imbatível capacidade de produção de aço confirma que continua sendo uma economia centralmente planejada.