Poluição

‘Comemos poeira’: as denúncias de peruanos no corredor da mineração

Diálogo Chino visita locais de mineração de cobre no Peru, onde comunidades relatam problemas de saúde pela poluição da atividade
<p>Para Idelfonsa Achire, criadora de gado na comunidade Huisa em Espinar, a presença da mineração contamina a população e seus animais (Imagem: Leslie Moreno Custodio / Diálogo Chino)</p>

Para Idelfonsa Achire, criadora de gado na comunidade Huisa em Espinar, a presença da mineração contamina a população e seus animais (Imagem: Leslie Moreno Custodio / Diálogo Chino)

A exploração de cobre é um grande negócio para o Peru. O país é um dos maiores produtores do metal no mundo, atrás apenas do Chile, e 30% de sua produção se destina às exportações. Algumas das maiores reservas globais de cobre estão no chamado corredor da mineração, que se estende por quase 400 quilômetros no sul do Peru. É onde fica a mina Las Bambas, que responde por 2% da produção global de cobre.

Apesar dos ganhos econômicos, a indústria do cobre parece trazer mais problemas do que benefícios às comunidades locais. Um relatório publicado em setembro pela Defensoria Pública peruana revelou um total de 136 conflitos socioambientais ativos – o que representa mais de dois terços de todos os conflitos sociais registrados no país. A maioria dos casos está ligado à atividade minerária.

Um mapa do "corredor de mineração" do Peru mostrando as localizações dos principais locais de mineração e as comunidades afetadas por suas operações
Mapa: Belén Sampietro / Diálogo Chino

As queixas das comunidades afetadas vão desde a contaminação da água potável até a poeira gerada pela mineração. Mas a relação dos moradores com as empresas está cada vez mais complicada: em alguns casos, as comunidades exigem participação acionária ou dividendos dos projetos de mineração.

O Diálogo Chino visitou o corredor da mineração para conversar com as comunidades locais sobre os impactos das atividades.

Conflito em Las Bambas

Ao chegar à comunidade indígena Chicñahui, na região peruana de Apurímac, o que mais desperta atenção não são as vastas pastagens, nem os animais ou o céu azul dos Andes. O que impressiona é o fedor metálico no ar.

“Você consegue sentir o cheiro? Às vezes cheira assim, e há outros dias em que é ainda mais forte”, diz a moradora Jovita Boza, segurando sua filha pequena nos braços.

Aqui em Chicñahui, a quase quatro mil metros acima do nível do mar, cerca de 300 pessoas vivem da pecuária e agricultura. Elas acreditam que o fedor vem da mina Las Bambas, operada pela empresa chinesa MMG Limited.

Desde que a MMG assumiu o controle da operação em 2015, a região tem sido tomada por protestos — a maioria contrária às mudanças realizadas na Avaliação de Impacto Ambiental (EIA). Essas modificações permitiram à empresa construir estradas e uma tubulação para o transporte do cobre. Em 2015, confrontos entre manifestantes e policiais resultaram na morte de quatro pessoas e vários feridos.

Um caminhão trafega por uma estrada no corredor de mineração do Peru
Todos os dias 125 caminhões carregados com metal extraído das minas atravessam o corredor de mineração até o porto de Matarani, em Arequipa (Imagem: Leslie Moreno Custodio / Diálogo Chino)

Alguns moradores de Chicñahui afirmam que ninguém veio ao local para discutir ou escutar suas denúncias. Mas a Agência de Avaliação e Fiscalização Ambiental do Peru (Oefa) diz o contrário.

Manifestação na mina Las Bambas
Leia mais: Por que a mina peruana Las Bambas vive permeada por conflitos

Luis Seclén, especialista em gestão de conflitos socioambientais na Oefa, diz que a agência tem mantido contato com a comunidade de Chicñahui desde o início de 2022. Ele também argumenta que o órgão propôs discussões sobre a criação de sistemas de monitoramento da qualidade do ar e do som – mas líderes comunitários estão resistentes. Sem mencionar especificamente a mineração, Seclén confirmou que houve problemas na qualidade do ar e que o ruído também estava acima dos níveis permitidos na área.

Atualmente, a Oefa realiza um estudo para determinar o cumprimento das normas ambientais em toda a área impactada pelas atividades em Las Bambas. No entanto, Francisco García Aragón, diretor na agência, disse que não foi possível coletar amostras em Chicñahui porque a comunidade teria negado seu acesso. O prefeito de Chicñahui não compareceu a uma entrevista marcada com o Diálogo Chino para confirmar essas reivindicações.

Nossa reportagem descobriu que os conflitos em torno da mineração aumentaram em várias comunidades. Alguns querem ter mais benefícios com os projetos, enquanto outros apontam para os problemas trazidos pela mineração na região.

A poucos quilômetros de Chicñahui, Alejandro Pinares faz uma pausa para cuidar de suas ovelhas.

Pinares é morador de Chuicuni, comunidade quéchua localizada em Apurímac, onde poucas pessoas têm acesso a serviços básicos, como água, eletricidade e saneamento. Como seus vizinhos, ele cultiva batatas a uma altitude de mais de 3,8 mil metros. Seu maior medo é que sua plantação e seu rebanho não sobrevivam. Até agora, neste ano, cem de suas ovelhas já morreram. Ele atribui o problema aos impactos da mina vizinha Las Bambas.

“Nossos produtos não são mais normais”, diz Pinares. “Quando levamos nossa produção ao mercado, as pessoas não compram nossas batatas e nossa carne. Elas dizem que nossos produtos estão contaminados. Do que vamos viver?”.

Outros moradores pressionam as mineradoras por mais benefícios locais, como as comunidades de Fuerabamba e Huancuire, que recentemente ocuparam um terreno da MMG em Chalcobamba, onde a empresa planeja extrair um entre os três depósitos que formam o projeto Las Bambas. Membros da comunidade denunciam que seus acordos com a empresa não foram cumpridos.

Romualdo Ochoa diz que a comunidade Huancuire quer ser acionista da Las Bambas: “Queremos negociar: eles recebem metade, nós recebemos metade. Eles colocam seu conhecimento tecnológico – a parte da engenharia – e nós colocamos nosso território. Ambos ganham ou perdem”.

Os protestos constantes dos últimos seis anos levaram à interrupção  das operações em Las Bambas por mais de 540 dias, segundo a MMG, o que provocou perdas econômicas milionárias. De acordo com o sindicato nacional de mineração, os conflitos geram perdas diárias estimadas em US$ 9,5 milhões.

O Diálogo Chino contatou várias vezes a MMG para que ela se pronunciasse sobre a suposta contaminação e sua relação com as comunidades, mas a empresa se recusou a comentar.

Antapaccay: uma década de resistência

A sete horas de carro de Las Bambas, na região peruana de Cusco, está o projeto de mineração Antapaccay, administrado pela multinacional suíça Glencore, que o assumiu em 2013 após uma fusão com a antiga proprietária Xstrata Tintaya. Há uma década, membros de comunidades próximas à exploração de cobre vêm exigindo uma investigação sobre a contaminação ambiental e os riscos à saúde causados pela atividade na região.

Aos 34 anos, Esmeralda Larota lembra-se que na infância brincava com os sapos nos rios da comunidade. Mas isso foi antes de desenvolver fadiga crônica e dores corporais constantes – sintomas que ela associa à atividade minerária.

“Quando reivindicamos nossos direitos, nos dizem que não somos especialistas e nos questionam: ‘você sabe o que é poluição?’”, conta Larota ao Diálogo Chino, enquanto percorre sua comunidade Huancané Bajo.

Estudos publicados em 2012 e 2021 confirmaram que as populações da província de Espinar, onde fica Huancané Bajo, estão expostas a substâncias tóxicas como arsênico, mercúrio e chumbo, que podem causar danos a vários sistemas do corpo humano, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Porém, ainda não foi comprovado se a mineração é a causa dessa poluição.

“Os resultados exigem mais pesquisas para determinar a origem (natural ou antropogênica) desses metais, bem como as medidas necessárias para seu controle”, diz um estudo realizado em 2010. O que tem sido feito desde então?

A bióloga Karem Luque, da organização peruana Derechos Humanos Sin Fronteras, diz que o direito da população de Espinar à saúde não está sendo salvaguardado pelo Estado, apesar de os estudos mostrarem a presença de metais pesados e de o Ministério da Saúde já ter proposto sete planos de saúde para as comunidades. Luque também é coordenadora da comissão técnica sobre saúde ambiental do país, que acompanha os casos de intoxicação nos territórios afetados pela mineração e outras atividades extrativistas.

Uma pessoa mostra uma fonte de água contaminada no corredor de mineração do Peru
As águas de alguns rios em Espinar têm um aspecto denso devido à presença de metais. Comunidades próximas denunciaram o derramamento de rejeitos de mineração na área (Imagem: Leslie Moreno Custodio / Diálogo Chino)

Renato Ormachea, diretor de Gestão Ambiental e Territorial na província de Espinar, concorda: “Não há ninguém mais cego do que a pessoa que não queira ver. Espinar está contaminada”. Ele diz que a província utiliza recursos próprios em um estudo que visa determinar as causas da contaminação em 38 comunidades de Espinar, além de participar de outros estudos conduzidos pela Oefa.

A Compañía Minera Antapaccay, subsidiária da Glencore que opera a mina Antapaccay, foi multada em diversas ocasiões. Entre as falhas mais recorrentes detectadas e aplicadas pela Oefa, estão o descumprimento das leis de proteção ambiental, o acúmulo de resíduos de mineração e os danos ao solo.

Nossa reportagem entrou em contato com as mineradoras Glencore e Minera Antapaccay, mas não recebemos resposta até a publicação.

Planta concentradora de minerais
Instalação na mina Antapaccay, próxima de Cusco (Imagem: Leslie Moreno Custodio / Diálogo Chino)

Em outubro de 2022, o governo peruano criou uma comissão para implementar um plano multissetorial visando atender às necessidades da população de Espinar afetada por metais pesados e produtos químicos tóxicos.

Enquanto isso, o Estado e as comunidades realizam uma consulta prévia sobre a possível expansão de Antapaccay para extrair a jazida vizinha de Coroccohuayco, que teria vida útil de quase 25 anos e capacidade de produção de 100 mil toneladas de minerais por ano.

Soluções a curto prazo?

Segundo José De Echave, economista e ex-vice-ministro do Ministério do Meio Ambiente do Peru, a promessa de compensação às comunidades pela mineração tende a ter prioridade sobre quaisquer demandas de proteção ambiental e financiamento para o desenvolvimento local. Ele diz que a questão é agravada pela confidencialidade dos acordos existentes, o que deixa as comunidades sem informações sobre o andamento de suas reivindicações às empresas. Ele diz que as comissões técnicas criadas pelo Estado para buscar soluções nestas áreas perderam legitimidade.

“As comissões servem para controlar a escalada do conflito, mas não para encontrar soluções que se sustentem a longo prazo”, aponta De Echave. “Para recuperar a credibilidade, o Estado deve estabelecer um sistema de compliance, conferir os compromissos assumidos  e implementar um sistema de monitoramento permanente”.

Um homem tem vista para uma mina de cobre no corredor de mineração do Peru
A mina de cobre Antapaccay, em Espinar, vista a partir do território da comunidade (Imagem: Leslie Moreno Custodio / Diálogo Chino)

Em meio à difícil situação no Peru, a demanda mundial por minerais aumenta. A progressiva adoção de energias limpas, com o uso de turbinas eólicas, painéis solares e carros elétricos, impulsiona a demanda global de cobre, que deve pular de 26,9 milhões de toneladas em 2020 para 33,5 milhões de toneladas até 2030, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe da ONU. A China, principal destino das exportações peruanas de cobre, responde por 44% do mercado.

A dúvida entre especialistas agora é se o Peru está preparado para aproveitar a alta demanda sem impactar negativamente a vida de seus cidadãos. Em Huancané Bajo, Esmeralda Larota diz que ela e seus vizinhos se fazem uma pergunta semelhante: “O cobre vale mais do que nossas vidas?”.