A festa de abertura das Olimpíadas 2016, no último dia 5 de agosto na cidade brasileira do Rio de Janeiro, quase que compensou a falta de compromisso dos governos com o meio ambiente. Pela primeira vez na história dos jogos, o evento de abertura foi inteiramente voltado para a necessidade de se preservar o meio ambiente e alertar sobre as mudanças climáticas e o aquecimento global. Um filme veiculado durante a cerimônia mostrou como o dióxido de carbono (CO2) emitido pelo homem se acumula na atmosfera, causando o aumento da temperatura do planeta, o derretimento das calotas polares e o aumento do nível do mar.
O roteiro foi idealizado e dirigido pelo cineasta Fernando Meirelles e sua produção contou com a consultoria dos pesquisadores Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) e diretor executivo do Imaflora e Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
Desde o início, quando foi introduzido o descobrimento do Brasil, já se mostrou a “pegada ecológica” que foi se aumentando com a colonização portuguesa, a chegada dos imigrantes, até se chegar ao país agrícola e com muito desmatamento de hoje. Ao entrarem no estádio do Maracanã, 11 mil atletas receberam e plantaram sementes de árvores nativas brasileiras. Elas serão replantadas para formar a Floresta dos Atletas e compensar os gases emitidos durante as obras de construção do Parque e da Vila Olímpicos.
Mas, os jogos começaram sem que se tenha cumprido na íntegra quaisquer dos compromissos assumidos com o Comitê Olímpico Internacional (COI). De todos eles, o mais grave talvez seja a não despoluição da Baía da Guanabara e da Lagoa Rodrigo de Freitas onde serão disputadas algumas das provas aquáticas como a vela, o remo e a canoagem. O compromisso era de despoluir 80% dessas águas, mas não se chegou a 40%, segundo informações extraoficiais.
Esgotos sem tratamento de moradias irregulares de 15 municípios, do entorno da cidade do Rio de Janeiro, são jogados diretamente no espelho d’água de 400 quilômetros quadrados que formam a Baía da Guanabara. Apesar de o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ter emprestado dinheiro para que fosse feito saneamento básico nas cidades do entorno, as obras não foram concluídas. Além disso, 55 rios desaguam na baía transportando com ele esgoto doméstico e lixo mal acondicionado dos 15 municípios por onde passam antes de chegar ao Rio de Janeiro.
A situação da Lagoa Rodrigo de Freitas não é muito diferente. Localizada em uma área urbana densamente povoada, as águas acabam recebendo dejetos de ligações clandestinas de esgoto que jogam seus restos nas galerias pluviais. Quando chove, especialmente, tudo isso vai para dentro da lagoa. Por sorte, a previsão é de tempo seco para o período de realização dos jogos de 5 a 21 de agosto. Com a ajuda do clima e o famoso “jeitinho brasileiro”, os atletas correm menos risco já que foram instalados eco barreiras e eco barcos para reduzir a quantidade de esgoto e lixo com os quais os esportistas estarão em contato.
“A não contaminação das águas por vírus nunca foi prevista por nenhuma organização mundial de saúde, nem pelo Comitê Olímpico Internacional, nem foi exigido em nenhuma Olimpíada anterior seja ela em Barcelona, Seul, Londres ou Pequim”, dissera ao Diálogo Chino o diretor de produção e grande operação da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio, Edes Fernandes de Oliveira, completando que uma coisa é vírus e outra é bactéria.
Na terra
Vários dos 10.500 atletas, de 205 países, que vão disputar uma das 306 provas a serem realizadas no decorrer dos próximos 17 dias enfrentaram outro problema antes mesmo dos jogos começarem. A Vila Olímpica, construída para abrigar os atletas, não estava totalmente pronta. Várias delegações tiveram que se acomodar em hotéis até que fosse contratada de urgência uma empresa para terminar as instalações que abrigam esses jovens que passam quatro anos treinando para disputar uma Olimpíada. A delegação da Austrália, a primeira que se viu obrigada a ir para um hotel, quando foi para a Vila Olímpica ainda sofreu com um falso alarme de incêndio e com furtos nos quartos onde estão.
“Se for preciso, coloco um canguru na porta do prédio deles para que fiquem felizes”, ainda tentou brincar o prefeito do Rio, Eduardo Paes, sem a menor noção da gravidade do problema. Terminou recebendo um canguru de pelúcia da chefe da delegação australiana Kitty Chiller.
Os atletas estão bastante incomodados com as filas que enfrentam para entrar no Parque Olímpico. As equipes que fazem a vistoria de quem precisa entrar no local não foram bem treinadas e, portanto, levam muito tempo para checagem do material transportado por motivo de segurança. Os atletas estariam estressados com a perda de tempo nas filas enquanto poderiam estar treinando e se preparando para as provas dos próximos dias.
A outra reclamação é sobre o transporte, que também não estaria funcionando a contento, apesar de a determinação da Prefeitura para que algumas linhas de metro, o Veículo Leve sobre Trilho (VLT) e algumas faixas de ônibus atendam exclusivamente atletas e quem tenha ingresso para as Olimpíadas durante a realização das provas ou que vá para a Cidade Olímpica. Além de não atender os envolvidos com os jogos, as faixas exclusivas ainda deram um nó no trânsito da cidade provocando engarrafamentos recordes. A solução encontrada pelo prefeito foi decretar feriado em dias em que considera muito críticos.
Os atletas parecem preparados para enfrentar o vírus da zika durante os dias que ficarem no Brasil. A equipe da China, por exemplo, dorme dentro de uma espécie de iglu feito de tule para se proteger contra o mosquito (aedes aegypti) transmissor da doença. A temperatura também está ajudando. Não tem passado dos 32 graus Celsius, o que para a cidade do Rio de Janeiro é bem amena. Além disso, houve uma redução acentuada no número de casos de zika, chikungunya e dengue – doenças transmitidas pelo mesmo mosquito – nos últimos meses no país por causa do inverno.
“Vamos fazer uma Olimpíada a la Brasil”, disse o presidente do COI, Thomas Bach, depois de ouvir várias reclamações de membros do comitê sobre poluição das águas, filas, transporte, trânsito e a falta de decoração das arenas. Ao ser questionado pela imprensa brasileira sobre o que quis dizer com a declaração, o alemão se viu obrigado a rebolar: “com a alegria brasileira”.
O governo brasileiro, no entanto, não está apostando muito nessa alegria. A determinação é para que se aumente o som quando o presidente interino do Brasil, Michel Temer, declarar abertos os jogos uma vez que se espera uma saraivada de vaias. Ao contrário do que aconteceu em Londres, em 2012, apenas 40 Chefes de Estado devem estar presentes na cerimônia de abertura da Rio 2016 na noite de hoje.
No ar
O povo brasileiro é conhecido por sua alegria. Nos últimos tempos, no entanto, essa alegria tem se transformado em amargura por causa das crises política e econômica que vem enfrentando. Desde 12 de maio, o país está sem presidente. Dilma Rousseff está afastada enquanto o Congresso Nacional analisa se ela cometeu ou não crime de responsabilidade fiscal e se vai ou não sofrer impeachment. Desde então, quem comanda o país é o seu vice e presidente interino Michel Temer. Ou seja: ninguém sabe quem de fato vai mandar no país até que haja a decisão no final de agosto, começo de setembro.
O desemprego atinge 11,5 milhões de pessoas e a produção industrial do país recuou 9,1% no primeiro semestre do ano; a inflação está na casa 5,64% ao ano enquanto a renda caiu ao nível de 2013, a previsão é de que o Produto Interno Bruto (PIB) fique em 1,2% este ano. Ou seja: um cenário nada animador para uma população que acreditou no que prometeu o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizia em 2009, quando o país conquistou o direito de sediar as Olimpíadas: que o Brasil estaria entre as grandes potências mundiais. O povo está se dando conta que, mais uma vez, terá que acreditar que o Brasil é o país do futuro e não do presente.