Poluição

Ativistas levam mineradora de cobre à Justiça por poluição no Chile

Moradores do município de Calama, no Deserto do Atacama, acionaram tribunal ambiental após décadas de atividades poluentes e falhas no monitoramento da contaminação
<p>Caminhão na mina División Ministro Hales, em Calama, norte do Chile. O cobre é a força motriz da economia nessa região do país (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/2oBfepQ">Paul Plaza</a> / <a href="https://flickr.com/people/senado_chile">Senado da República do Chile</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.0/deed.pt-br">CC BY NC SA</a>)</p>

Caminhão na mina División Ministro Hales, em Calama, norte do Chile. O cobre é a força motriz da economia nessa região do país (Imagem: Paul Plaza / Senado da República do Chile, CC BY NC SA)

O cobre é um metal cada vez mais cobiçado nos setores de energia e transporte. Em comparação com os automóveis convencionais, os veículos elétricos levam o dobro do metal em sua fabricação. Além disso, os projetos de energia solar e eólica demandam de quatro a seis vezes mais cobre do que os sistemas baseados em combustíveis fósseis. Ele é essencial para a transição energética, e o Chile é seu o maior produtor global

Entre 2023 e 2024, as exportações de cobre chileno para a China, seu maior mercado, cresceram mais de 19%. A mineração está concentrada na região de Antofagasta, no norte do país, onde o cobre é a força motriz de uma economia com quase 700 mil habitantes. Enquanto a atividade é geralmente apelidada de “salário do Chile”, a empresa estatal Corporação Nacional de Cobre (Codelco), maior produtora mundial do metal, foi chamada de “Estado dentro do Estado” em um inquérito parlamentar no Senado. 

O município de Calama, em Antofagasta, é a capital da mineração de cobre no Chile. Localizada no Deserto do Atacama a 2,4 mil metros acima do nível do mar, ela tem uma população de 200 mil habitantes que é abastecida pelo rio Loa. Ao lado da cidade, há um enorme complexo industrial de mineração, que concentra boa parte dos 126 mil empregos do setor em Antofagasta. A Codelco opera três enormes minas na área — entre elas, a Chuquicamata, uma das mais profundas do mundo. 

“É impressionante”, constatou Andrea Vázquez Alfaro, natural de Calama, enquanto observava da janela de um carro as paredes da barragem de rejeitos de Talabre. Por trás dessa barreira de 30 quilômetros de extensão, há um enorme reservatório de lama — tudo a cerca de dez quilômetros do centro de Calama.

Barragens de rejeitos:

Reservatórios projetados para impedir que os resíduos líquidos e sólidos gerados pelos processos de mineração — chamados de rejeitos — contaminem áreas próximas.

Os resíduos da mina de Chuquicamata, a 20 quilômetros do centro de Calama, se acumulam em Talabre desde 1952. Nas últimas décadas, os resíduos das minas Radimiro Tomic e División Ministro Hales também foram despejados ali. Todas as três são operadas pela Codelco, juntamente com a australiana BHP, que ainda mantém outros projetos no Chile. Devido à sua cor e dimensões semelhantes às de montanhas no deserto, o depósito de rejeitos parece apenas mais uma formação natural nessa paisagem – fator que ajuda a camuflar seus potenciais riscos. 

“Isso nunca deixa de me impressionar, nem quero que pare de me impressionar, porque o dia em que isso acontecer significará que normalizei isso, que normalizei essa paisagem infernal”, completou Vázquez Alfaro após uma longa pausa. Socióloga de formação, ela também preside a Coordenação pela Defesa do Rio Loa e da Mãe Terra, principal grupo ambientalista local a alertar sobre a crise ambiental e sanitária em Calama.

Os rejeitos acumulados na superfície de Talabre são carregados pelo vento, poluindo o meio ambiente próximo. Além disso, falhas nos sistemas de contenção da barragem provocaram a contaminação de águas subterrâneas, atingindo o rio Loa e o principal aquífero da cidade. 

Questionar a mineração aqui é como questionar a pátria ou a religião
Andrea Vázquez Alfaro, presidente da Coordenação pela Defesa do Rio Loa e da Mãe Terra

Após uma denúncia apresentada em 2023, a Superintendência do Meio Ambiente acusou formalmente a Codelco pelo caso em agosto do ano passado, ameaçando a empresa com a aplicação de multas milionárias. 

Vázquez Alfaro uniu forças com Sergio Chamorro, advogado que representa a Federação Nacional de Moradores e Moradoras do Chile, e Reinaldo Diaz Duk, que comanda uma unidade cidadã de monitoramento ambiental em Calama. Juntos, eles lideram uma coalizão de 20 organizações sociais que entrou com uma ação judicial contra o Estado por poluição ambiental após 20 anos de denúncias. 

“Questionar a mineração aqui é como questionar a pátria ou a religião”, explicou Vázquez Alfaro. “É uma cultura que só entende a exploração. Para eles, não há vida no deserto, apenas recursos, e nós somos um obstáculo. Mas não vamos sair daqui”.

Poluição e doenças

A escala de uma mina a céu aberto impressiona. Todos os elementos são contados aos milhares ou milhões: rochas, dinamite, produtos químicos tóxicos, ácidos industriais e detergentes. A isso se somam a demanda por recursos hídricos, as máquinas pesadas que operam o dia todo e os resíduos poluentes. Para agravar essa situação, Calama não tem apenas uma mina a céu aberto – tem três.

Vista aérea da Mina División Ministro Hales, em Calama. A mina é um grande buraco no meio do deserto, com estradas de terra por dentro
Mina División Ministro Hales, em Calama. Localizada em uma das regiões chilenas com as maiores taxas de mortalidade por câncer, Calama ficou “saturada” com partículas que ultrapassaram o limite nacional de poluição do ar há mais de 15 anos (Imagem: Paul Plaza / Senado da República do Chile, CC BY NC SA)

Essa é a paisagem “infernal” à qual Vázquez Alfaro se refere. Toda noite, o vento dos Andes sopra pela cidade de Calama a poeira acumulada pela mineração. O alívio só chega ao meio-dia, quando as correntes mais quentes do Oceano Pacífico limpam o ar por algumas horas.

Mais de um século de mineração de cobre em Antofagasta trouxe graves consequências socioambientais. A região tem uma das taxas de mortalidade por câncer mais altas do país, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Já as taxas de câncer de pulmão são quase três vezes maiores do que a média nacional.

Em 2009, o governo chileno declarou Calama uma “zona saturada” com partículas que ultrapassavam os limites nacionais de poluição do ar. O monitoramento anual tem indicado uma saturação ininterrupta desde então. Essas partículas de metais pesados incluem chumbo, arsênico, níquel, molibdênio e cádmio, extremamente prejudiciais à saúde.

Conforme a legislação chilena, as autoridades deveriam ter exigido a implementação de um plano de despoluição ambiental em até 12 meses após a cidade ter chegado oficialmente ao patamar de zona saturada pela contaminação. Esse plano só foi apresentado 13 anos depois, em maio de 2022. O documento foi prontamente rejeitado por moradores e ativistas, que classificaram como falsos os cenários usados como base no relatório, oferecendo soluções insuficientes para o problema. Inicialmente aceito pelas autoridades, o plano foi anulado em 2023 pelo Primeiro Tribunal Ambiental do Chile – o mesmo que aceitou a ação judicial por poluição ambiental movida pela coalizão de ativistas em abril deste ano. 

A sentença de 2023 determinou que “a autoridade ambiental removeu uma unidade de monitoramento que antes servia de parâmetro para classificar a cidade como zona saturada”. Como resultado, completou a decisão, não havia dados suficientes para preparar adequadamente um plano de despoluição.

Ação que pode fazer história

Nascido em Chuquicamata, em uma família de mineiros, Reinaldo Díaz Duk passou 20 anos trabalhando para uma empresa que prestava serviços de monitoramento da poluição do ar para a Codelco. Ele foi demitido em 2015 e, depois disso, decidiu compartilhar seu conhecimento do setor com as organizações que lutavam contra a poluição do ar. Em 2023, Díaz Duk assumiu a direção da primeira unidade cidadã de monitoramento ambiental do Chile, em Calama.

“A estação de monitoramento é nossa ferramenta para refutar a narrativa falsa de que a poluição está diminuindo [como afirma a Codelco], afastando a manipulação do passado”, explicou Díaz Duk. 

A unidade de monitoramento também funciona como uma ferramenta de conscientização. Regularmente, Díaz Duk organiza workshops e palestras informativas para moradores e estudantes, ensinando-os a operar a estação e coletar amostras.

Os níveis de poluição do ar continuam altos. Estudos científicos recentes revelaram um aumento de metais pesados nos períodos de intensa atividade mineradora, bem como uma dispersão que cobre um raio de até 80 quilômetros. Enquanto isso, informações da imprensa local e denúncias da Associação Médica Chilena, que descreveu a situação como uma emergência de saúde, reforçam as reivindicações dos cidadãos. Também houve um aumento da incidência de doenças respiratórias, câncer e condições genéticas em crianças.

Desde que Calama foi declarada saturada, foram concedidas licenças para mais de 700 projetos de mineração, agravando a poluição do ar na região
Sergio Chamorro, advogado da Federação Nacional dos Moradores e Moradoras do Chile

Sergio Chamorro é o principal advogado no processo judicial movido pelas organizações socioambientais. Ele também representa várias comunidades indígenas em outros casos relacionados à mineração. Chamorro disse ao Dialogue Earth que o Estado falhou sistematicamente em proteger a saúde pública e cobrar a descontaminação da área, embora essa fosse sua obrigação legal em casos de saturação por poluição.

“No processo, mostramos que, desde que Calama foi declarada saturada, foram concedidas licenças para mais de 700 projetos de mineração, agravando a poluição do ar na região”, afirmou Chamorro. Os projetos aprovados incluem nove ampliações da barragem de rejeitos de Talabre e a criação da mina Ministro Hales em 2010 — a Codelco, aliás, planeja expandir as operações nesse projeto pelos próximos 30 anos.

O Dialogue Earth entrou em contato com as empresas citadas na reportagem e os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde do Chile, mas não obteve resposta. 

“O Estado vai querer negociar, entrar em outra mesa de diálogo, recorrer a outro órgão mediador. Mas tudo isso já falhou muitas vezes aqui em Calama. Nossa intenção é levar isso até o fim”, prometeu Chamorro. 

O advogado deixou claro que os grupos ativistas esperam uma decisão judicial. “Nosso principal objetivo é que, como diz a lei, pague aquele que polui – neste caso, a Codelco”, resumiu Chamorro. “Depois, queremos que a concessão de novas licenças seja completamente cancelada. E, por fim, pedimos que o Estado faça aquilo que nunca fez até agora: estudos sobre a saúde da população para determinar o grau dos impactos e as indenizações devidas para aqueles que comprovadamente foram prejudicados pela contaminação”. 

“Ninguém aqui pode ser contra a mineração de cobre”, concluiu Chamorro. “Não é essa a nossa posição. Entendemos a sua importância, tanto para a região como para o país e o mundo. O que rejeitamos é o modelo ao qual estamos sujeitos, que nos obriga a viver e morrer contaminados”.

Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.

Strictly Necessary Cookies

Strictly Necessary Cookie should be enabled at all times so that we can save your preferences for cookie settings.

Analytics

This website uses Google Analytics to collect anonymous information such as the number of visitors to the site, and the most popular pages.

Keeping this cookie enabled helps us to improve our website.

Marketing

This website uses the following additional cookies:

(List the cookies that you are using on the website here.)