<p>O zelador do Forest Green, Adam Witchell, marca as linhas laterais antes de uma partida com o Port Vale (imagem: Chris Davey/ China Dialogue)</p>

Por dentro do clube de futebol mais verde do mundo

Com jogadores veganos, energia solar e grama orgânica, Forest Green Rovers encoraja outros a reduzirem emissões de carbono

A combinação de carne com futebol não é exclusividade do churrasco de domingo brasileiro. Na Inglaterra, as músicas que embalam os estádios frequentemente misturam enroladinhos de linguiça e bolos de carne com pedidos por mais gols. Mas, em Nailsworth, uma cidade pitoresca com menos de 5 mil habitantes no sudoeste da Inglaterra, o time local, Forest Green Rovers, quebrou essa tradição.

O Forest Green compete na League Two – quarta divisão do futebol inglês – e ganhou aplausos das Nações Unidas por estar a caminho de se tornar o primeiro clube de futebol do mundo que é 100% vegano e carbono neutro — ou seja, livre de emissões.

“Gosto de pensar que foi tudo uma feliz obra do acaso”, disse o presidente Dale Vince sobre o seu envolvimento no clube. Durante a entrevista, o granizo castigava a arquibancada leste do estádio The New Lawn, em que a eletricidade vem quase inteiramente de painéis solares, mas ele não se deixou abater. O campo de futebol com grama orgânica é cercado por outdoors coloridos anunciando queijos sem lactose, leite de aveia e a Ecotricity, uma empresa de energia renovável que Vince fundou em 1995.

Dale Vince
Dale Vince, presidente do Forest Green Rovers (imagem: Chris Davey / China Dialogue)

Vince, 58 anos, largou os estudos aos 15 anos e teve uma vida itinerante a bordo de uma van movida a energia eólica. A sua história faz parte do folclore local. Em 1996, ele instalou sua primeira turbina nos montes que ficam de frente para o The New Lawn. Mas foi só em 2010, quando o clube de 125 anos encarava um rebaixamento e ruína financeira, que Vince, um milionário na época, associou-se formalmente ao Forest Green. Ele logo foi atrás de neutralizar a pegada de carbono do clube.

“Foi necessário unir todo o nosso conhecimento em energia, transporte e alimentos, a nossa ética e a nossa abordagem de sustentabilidade, para criar um clube de futebol verdadeiramente verde”, disse ele ao Diálogo Chino.

Forest Green: o time de futebol vegano

Proibir carne parecia a decisão mais lógica a se tomar num primeiro momento. A pecuária, como atividade humana, é responsável pela emissão de 15% dos gases que aquecem o planeta.

Em 2015, os hambúrgueres de carne que eram servidos no clube foram substituídos por equivalentes vegetarianos, mas apenas uma minoria dos fãs se incomodou com a mudança. Vince afirma que a reprovação dos carnívoros durou pouco: “Eles vieram, experimentaram e adoraram. O público aumentou quatro vezes desde então, e as nossas vendas de lanches quintuplicaram”.

Jade Crawford
Jade Crawford, chef do Forest Green Rovers, prepara pratos veganos. (imagem: Chris Davey / China Dialogue)

O Forest Green ganhou status no mundo do futebol e na mídia. Os planos de Vince incluem levar o clube que nunca tinha jogado em uma liga superior para participar do Championship, que fica apenas um nível abaixo da Premier League. Recentemente, foi aprovada a construção de um novo estádio para o clube com 5 mil lugares, o Eco Park, uma obra de madeira de última geração assinada por Zaha Hadid, um dos mais renomados escritórios de arquitetura do mundo. Segundo Vince, esse será o “estádio mais verde do mundo”.

Torcedora antiga do Forest Green, Katie Hyde, 40 anos, disse que a primeira mudança que ela sentiu quando Vince assumiu o clube foi a falta dos hambúrgueres de carne: “É uma coisa cultural. É a mentalidade das pessoas… A gente acaba ficando com uns gostos meio engessados”. Ela acabou abraçando a reforma culinária.

O lucro publicitário do Forest Green também cresceu: “Nunca houve tantas empresas querendo patrocinar a gente”, contou Vince, gesticulando enquanto mencionava marcas como a Quorn, empresa que produz alimentos baseados em soja e cujos comerciais nos anos 1990 estrelaram Ryan Giggs, ícone do Manchester United.

Chelsea, time da Premier League, recentemente apresentou um cardápio inteiramente vegano em um dos seus quiosques. Mas, em outros estádios ingleses, os lanches à base de carne são ubíquos, como aqueles fornecidos pela Pukka Pies há 56 anos. A Pukka Pies patrocina clubes profissionais, incluindo o Oldham Athletic, que deu origem à famosa musiquinha “Meat pie, Sausage roll” — bolo de carne, enroladinha de linguiça.

Muitas pessoas ainda não entenderam a urgência dessa questão. Ainda temos dez anos para acertar, mas, se não começarmos agora, as coisas vão ficar cada vez mais difíceis

Mas a proibição do consumo de carne não afeta apenas os torcedores do Forest Green que frequentam o estádio. Eles só precisam suprimir o apetite por produtos de origem animal por uma ou duas horas a cada quinzena, disse Vince.

Os jogadores também são afetados. Nenhum deles pode trazer ou comer carne nas instalações do clube.

Para o capitão do clube, Joe Mills, 30 anos, a curva de aprendizagem dessa exigência tem sido recompensadora.

“Quando você entra no mundo do futebol, é só frango e ovos”, disse ele. Mills é um entre um punhado de jogadores que se converteram ao veganismo. Ele desafia o estereótipo do jogador de futebol arrogante e insensível: “Se podemos deixar o planeta melhor do que ele estava quando o encontramos, por que não fazer isso?”

Mills ecoa o mesmo sentimento de outros jogadores de elite, incluindo o lateral-direito do Arsenal, Hector Bellerín, que demonstra preocupação com o planeta. Ele também adotou uma alimentação a base de vegetais e legumes. Mills disse que outros jogadores da Premier League já o procuraram atrás de dicas.

O preparador físico e nutricionista do Forest Green, Tom Heulin, disse que o veganismo confere uma vantagem competitiva clara: “Uma alimentação à base de vegetais e legumes é de digestão mais rápida quando você está praticando esportes ou fazendo exercícios”.

Nutritionist Tom Huelin sets up pre-match drills
O nutricionista Tom Huelin prepara os exercícios antes da partida. (imagem: Chris Davey / China Dialogue)

O clube não exige uma alimentação vegana fora do estádio, mas está sempre promovendo os benefícios dessa escolha. Os seus esforços nesse sentido não têm passado em branco.

Um circo vegano?

É dia de jogo no Forest Green e equipes de televisão da França e da Suíça fazem um tour pelas instalações, experimentando a culinária que valoriza os ingredientes locais. Para um clube de divisão inferior, as instalações de mídia do estádio impressionam. Mas em nenhum momento o veganismo é “pregado”.

Os torcedores do time adversário costumam gritar insultos como “abraçadores de árvores”, além de arremessarem sanduíches de presunto e até porcos infláveis nos jogadores, conta o torcedor Joe Hill, 36 anos. Mas as atitudes de desprezo ao Forest Green, que são tratados por alguns como bobões que amam a natureza, não é algo que preocupa Hill. Ele está mais preocupado com a forma e com a lista de lesões do clube (antes do adiamento de 9 de março devido ao coronavírus), além da possível mudança para o Eco Park, que fica a uma distância de quase 20km.

“O pessoal fala: ‘Os torcedores do Forest Green comem grama. É por isso que não tem grama no campo, os veganos comeram ela toda’”, gargalha ele.

FGR's Jack Aitchison in action against Port Vale
Jack Aitchison do Forest Green dribla um jogador do Port Vale. (imagem: Chris Davey / China Dialogue)

Mas essas piadas, por mais engraçadinhas que sejam, parecem cada vez mais ultrapassadas em um mundo onde o veganismo e a sustentabilidade são temas cada vez mais bem-vistos. A ONU, por exemplo, reconheceu o Forest Green de forma especial. Vince agora é embaixador da iniciativa Esportes pela Ação Climática da ONU, que busca alcançar os torcedores com mensagens sobre comportamentos de baixo carbono.

Alguns dos amigos de Hill, bem como alguns torcedores do Forest Green (“os que ninguém esperava”), acabaram se tornando veganos ou vegetarianos. A mensagem está surtindo efeito.

O zelador Adam Witchell cuida do gramado do estádio sem usar produtos químicos e é provavelmente o melhor exemplo da postura tranquila e “sem forçação de barra” do clube.

“Embaixo do solo existem muitos micróbios e a gente procura alimentá-los com frequência, mas em pouca quantidade. Assim, eles ficam mais ativos. Quanto mais comem e excretam, mas profundamente as raízes crescem”, disse ele, explicando que as raízes mais profundas melhoram a capacidade da grama de armazenar carbono abaixo da superfície.

Temos energia renovável. Temos a possibilidade de eletrificar o transporte e precisamos parar de consumir animais para consumir plantas.

Witchell compara os efeitos de usar fertilizantes químicos com aqueles provocados pelo uso de esteroides no corpo humano: “Se você pular uma dose, seu corpo murcha. E é nessa hora que a infecção toma conta”.

Se existe um ponto negativo em não usar produtos químicos, é esse: os cuidados com o gramado podem tomar mais tempo. “Para nós, leva cerca de uma semana e quatro homens agachados com um garfo na mão”, contou Witchell.

Ele está sempre revisando as operações e buscando formas de melhorar. Witchell agora recicla água, usa as folhas da grama aparada para fazer o sabonete líquido ecológico que abastece os banheiros do clube, e organiza as datas de entrega das sementes de grama com bastante antecedência para cortar as emissões associadas às embalagens e ao transporte – outro desafio para o esporte.

O desafio do transporte

Em 2019, os 20 jogadores pré-selecionados para a premiação Ballon d’Or, que aponta os melhores jogadores do ano, foram responsáveis pela emissão de 505 toneladas de carbono, o equivalente à queima de cerca de 20 toneladas de carvão, devido às suas viagens aquele ano, segundo pesquisadores da Universidade de Manchester.

110.787km

o som da distâncias dos voos tomados pelo jogador brasileiro Marquinhos em 2019

Os brasileiros Marquinhos (110.787 km) e Roberto Firmino (97.907 km) foram os que mais viajaram. Os jatos executivos contribuíram bastante para aumentar as pegadas de cada jogador.

Vince disse que o Forest Green aprendeu muitas lições que podem ser aproveitadas pelos times de países maiores, mas ele é pragmático sobre essa questão das viagens.

“Acho que é importante a gente não se preocupar com o que não é possível controlar. Devemos resolver aquilo que podemos. E os clubes podem fazer muito em relação ao transporte, energia e alimentação”, afirmou ele, que reconhece o potencial dos ônibus elétricos chineses para um futuro sustentável.

O estacionamento do Forest Green possui estações de recarga para carros elétricos. Além disso, o clube neutraliza o carbono emitido pelos torcedores que viajam para assistir os jogos através de um esquema de compensação que é embutido nos preços dos ingressos. O dinheiro arrecadado é reinvestido na mitigação de carbono em outros lugares.

EV charging stations at Forest Green
Pontos de carga para veículos elétricos na entrada do Forest Green Rovers (imagem: Chris Davey/ China Dialogue)

Vince afirma que a transição para uma economia mais limpa não precisa ser cara: “Você precisa comprar algumas coisas, como painéis solares… Mas depois você consegue economizar na conta de energia todos os anos, por 20 anos”, afirma ele. “É trocar o investimento de capital por despesas operacionais. É só um jeito diferente de ver as coisas”.

Urgência e resistência

Vince é um homem de negócios de muito sucesso com uma mensagem simples. Quando olhamos para o microcosmo do Forest Green Rovers, é nítido que uma transição verde parece iminente no mundo.

Então, por que ela ainda não aconteceu?

Vince acredita que “as empresas não querem fazer a mudança, o público é resistente às mudanças e os políticos não querem forçar uma grande mudança nos eleitores. Há resistência no sistema”.

“Muitas pessoas ainda não entenderam a urgência dessa questão. Ainda temos dez anos para acertar, mas, se não começarmos agora, as coisas vão ficar cada vez mais difíceis”, disse ele, referindo-se ao estudo histórico de 2018 publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas que exigia ações imediatas.

Os esforços para reduzir as emissões de carbono no esporte e em outras áreas da cultura britânica, incluindo moda e festivais de música, estão “apenas começando”. O ideal seria que compartilhassem conhecimentos antes da realização da COP26, evento organizado pela ONU para discutir questões climáticas cruciais, disse Vince. O evento que aconteceria este ano em Glasgow foi adiado por causa da pandemia.

Ele conhece o processo. Vince esteve nas discussões de 1999 (COP4) na cidade japonesa de Quioto. Foi lá que surgiu o Protocolo de mesmo nome, tão atacado e vilipendiado. A mensagem dele para os líderes mundiais é simples e direta:

“Temos energia renovável. Temos a possibilidade de eletrificar o transporte e precisamos parar de consumir animais para consumir plantas. Se conseguirmos fazer isso, solucionaremos o problema”.