A biodiversidade engloba todos os elementos que constituem a vida – sejam genes, espécies ou ecossistemas. Isso significa que, quando ela está em perigo, todos estamos. A conferência que será realizada este mês poderia mudar um destino trágico, desacelerando a perda da biodiversidade e contribuindo para sua restauração. À frente da COP15, Elizabeth Mrema descreveu o encontro como “um momento de Paris para a biodiversidade”, em referência ao marco histórico do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, definiado em 2015. “Nitidamente, o mundo grita por mudanças, observando como os governos buscam curar nossas relações com a natureza”, diz.
O que é a COP15?
COP15 é a abreviação da 15ª reunião da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (CDB). As reuniões terão como foco três acordos internacionais: a CDB e seus outros dois tratados auxiliares – o Protocolo de Cartagena sobre biossegurança e o Protocolo de Nagoya sobre o acesso e compartilhamento de benefícios do uso de recursos genéticos.
CD… o quê?
A CDB foi criada em 1992, na Cúpula da Terra, no Brasil. Ela tem três objetivos: a conservação da biodiversidade, o uso sustentável da natureza e a distribuição justa dos benefícios decorrentes da exploração de recursos genéticos. Ao todo, 195 países fazem parte da CDB. Os Estados Unidos são o único Estado-membro da ONU que ainda não ratificou o acordo. Já o Protocolo de Cartagena tem 173 membros e o Protocolo de Nagoya, 137.
Quando e onde a COP15 será realizada?
A COP15 deveria ter sido realizada na cidade chinesa de Kunming em outubro de 2020, mas foi adiada quatro vezes devido às restrições da Covid-19. A China fez uma versão online da COP15 em outubro de 2021, evento no qual as partes da CDB adotaram a Declaração de Kunming, de caráter não-vinculante. Com as restrições sanitárias ainda em vigor na China, o secretariado da CDB anunciou a mudança da principal reunião da COP15 para Montreal, no Canadá, entre 7 e 19 de dezembro. A China continuará presidindo a reunião.
Por que a biodiversidade importa?
Nosso destino está indissociavelmente ligado ao do resto da natureza. O Relatório Planeta Vivo, da WWF, publicado este ano, alertou que a população mundial de vida selvagem diminuiu em média 69% de 1970 até 2018. Essa perda acelerada já afetou o bem-estar e a economia humana. Ecossistemas saudáveis desempenham papéis indispensáveis no combate às mudanças climáticas, e a perda da biodiversidade enfraquece nossa resistência a elas.
Qual é o resultado pretendido pela COP15?
Para reverter a perda de biodiversidade, as negociações na COP15 vão se concentrar na finalização do Marco Global da Biodiversidade Pós-2020. Esta é uma estratégia com metas e objetivos a serem alcançados pelos países, individual e coletivamente, na próxima década e além. O objetivo alcançar a visão da CDB de “viver em harmonia com a natureza” até 2050.
Já não ouvimos essa história?
Infelizmente, sim. Em 2002, os membros da CDB se comprometeram a reduzir significativamente, até 2010, a taxa da perda de biodiversidade. Mas falharam. Em 2010, eles se reuniram no Japão para tentar um novo plano, que incluía as 20 Metas de Aichi. Mas nenhuma dessas metas foi totalmente atingida até o prazo final, em 2020. A cada fracasso, a tarefa se torna cada vez mais difícil. Na conferência sobre a biodiversidade em 2018, as partes concordaram em definir novos objetivos para substituir as Metas de Aichi.
O que muda desta vez?
O acordo pós-2020 será mais focado em resultados, com metas com prazos definidos e fundamentadas por ações capazes de combater as causas da perda de biodiversidade.
Os membros também deverão atentar à implementação e captação de recursos, segundo David Cooper, secretário-executivo adjunto da CDB: “O que vemos desta vez em comparação a 2010 é um foco mais sério na necessidade de levantar recursos para a implementação do acordo”.
Como está se moldando o plano?
Um grupo de trabalho da CDB co-presidido por Canadá e Uganda vai elaborar o texto do acordo pós-2020. A última versão tem quatro metas de longo prazo para 2050 e 22 metas a serem alcançadas até 2030.
Os objetivos se concentram na conservação, no uso sustentável da biodiversidade, na distribuição justa dos benefícios e nos meios de implementação – ou seja, dinheiro e auxílio técnico. As metas cobrem vários tópicos, desde a expansão de áreas protegidas e a redução da poluição até a garantia de uma produção sustentável de alimentos e de que subsídios públicos prejudiciais à natureza sejam eliminados.
Mas com dois anos de atraso, o Marco Global de Biodiversidade está longe de ser concluído, com apenas duas das 22 metas finalizadas até agora. A maior parte do texto tem lacunas em formas de parênteses, o que significa que as partes não concordaram com a redação ou sequer devem discutir o assunto.
A quarta reunião do grupo de trabalho em Nairóbi, em junho de 2022, deveria ter sido a última. Mas houve tão pouco progresso que uma reunião extra será realizada entre 3 e 5 de dezembro em Montreal, pouco antes da COP15.
A CDB precisa de uma meta principal — como a redução de 1,5 ºC global do Acordo de Paris?
Cientistas, organizações e partes da CDB dividem opiniões sobre ter ou não uma grande meta a ser alcançada até 2030, por exemplo definindo uma taxa limite para a extinção de espécies. Alguns acreditam que isso ajudaria. Outros dizem que isso tiraria o foco do acordo pós-2020 e que seria impossível capturar a complexidade dos ecossistemas e espécies em uma única métrica.
Quem lidera as negociações e por que isso importa?
A China detém a presidência rotativa da CDB. Seu ministro de Ecologia e Meio Ambiente, Huang Runqiu, vai presidir as reuniões em Montreal. É a primeira vez que a China supervisiona grandes negociações intergovernamentais sobre o meio ambiente.
Isto dá à China uma oportunidade única de mostrar seus esforços para proteger a biodiversidade, tanto a nível local — por meio de sua visão de “civilização ecológica” e da “linha vermelha de proteção ecológica” —, quanto no exterior, por meio da Iniciativa Cinturão e Rota.
Mas a COP15 também apresenta um grande desafio para a China. Beijing precisa trabalhar duro para garantir um consenso com as outras nações num novo e ambicioso acordo.
Que outros países serão relevantes nas negociações?
Costa Rica e França presidem a Coalizão de Alta Ambição para a Natureza e as Pessoas, que inclui mais de cem países a favor da proteção de 30% do solo e dos oceanos até 2030. Além disso, líderes de 93 países endossaram o Compromisso dos Líderes pela Natureza, para reverter a perda da biodiversidade até 2030.
Os membros dessas alianças vêm de todo o mundo, reunindo países ricos e em desenvolvimento. Mas há ausências notórias, como o Brasil, a Indonésia e a África do Sul. Esses países detêm grande parte da biodiversidade mundial e, portanto, influenciam nas negociações, mas cobram o financiamento por países industrializados antes de considerarem concordar com as propostas da cúpula.
Quais são os pontos de atrito?
Grande parte da COP15 se concentra no texto do Marco Global de Biodiversidade Pós-2020. Nessas negociações, nada está acordado até que seja acordado. Enquanto muitos países querem incluir a meta de proteger 30% do planeta, outros querem mudar partes do acordo antes de concordar com ele. A Argentina e o Brasil, por exemplo, devem resistir a restrições na agricultura. E enquanto a União Europeia apoia com força uma meta sobre agrotóxicos, outras partes se mostram menos interessadas nisso. O resultado da COP15 depende, portanto, da forma como as partes vão negociar as exigências em algumas áreas e fazer concessões em outras.
Um dos tópicos mais relevantes da COP15 será a definição sobre os dados digitais do sequenciamento genético de espécies. Empresas podem se beneficiar de tais informações, por exemplo para desenvolver medicamentos, sem a necessidade ter exemplares das espécies em questão. Isto significa que elas poderiam burlar as regras da CDB sobre o acesso e compartilhamento de benefícios gerados pelo uso de recursos genéticos. Enquanto algumas partes defendem que essas informações vão além do Protocolo de Nagoya, outras dizem que omitir a questão tornaria o protocolo inútil.
Como já mencionado, um dos pontos mais difíceis é o financiamento. O Brasil e outros 22 países pedem que os países ricos forneçam pelo menos US$ 100 bilhões por ano até 2030. Esse valor é citado no último esboço do acordo – mas, como grande parte do texto, será debatido em Montreal. A grande questão agora é se os países vão aumentar suas ambições em relação ao rascunho atual, ou se apenas vão jogar água fria no que já existe.
Quem participará da COP15?
Elizabeth Mrema, secretária-executiva da CDB, diz que mais de dez mil delegados, incluindo representantes de todas as 196 partes da CDB, se registraram para a COP15. Entretanto, Mrema não espera a presença de chefes de Estado ou de governo. Em vez disso, mais de cem representantes de ministérios farão parte do alto escalão da conferência entre os dias 13 e 15 de dezembro, embora nem todos os países enviem ministros.
O restante da COP15 estará dedicada às negociações de um acordo sobre o qual as partes devem concordar (ou não). Representantes da sociedade civil, povos indígenas, cientistas, empresas e instituições financeiras vão participar como observadores e por meio de eventos paralelos. Centenas de jornalistas também vão cobrir as reuniões.
O que significa a COP15 para as espécies ameaçadas de extinção?
As negociações raramente mencionam espécies específicas, mas espera-se reduzir as extinções e aumentar suas populações. As decisões da COP15 terão, portanto, influência sobre o destino de tudo, desde pangolins e onças-pintadas até recifes de corais e araucárias chilenas.
A COP27 ajudou nas negociações da COP15?
A COP27, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, foi concluída menos de três semanas antes da COP15 em Montreal. As agendas da ONU sobre mudanças climáticas e biodiversidade têm se cruzado cada vez mais. Isto reflete a crescente compreensão da relação entre elas e a necessidade de soluções integradas.
O acordo final da COP27 destacou a interconectividade entre o clima e a biodiversidade, além da urgência de abordar a perda da biodiversidade. Porém, o acordo falhou em mencionar a COP15. Se tivesse feito isso, dizem organizações ambientais, teria havido uma sinalização da importância de um acordo bem-sucedido em Montreal.
Enquanto isso, os países aproveitaram o momento para remover obstáculos nas negociações da CDB: ministros do meio ambiente reunidos à margem da COP27 discutiram questões em aberto, disse Elizabeth Mrema em entrevista ao Diálogo Chino.
A COP15 será bem-sucedida?
Há grandes esperanças de que a COP15 leve países, empresas e cidadãos a agir contra a perda da biodiversidade — da mesma forma como o Acordo de Paris impulsionou ações contra as mudanças climáticas. Mas “o processo atingiu um ponto de crise”, segundo várias organizações ambientais.
Em junho, elas escreveram uma carta aberta ao secretário-geral da ONU, António Guterres, e aos chefes de Estado de países-membros da CDB, ressaltando a “notória falta de engajamento político de alto nível, bem como a falta de vontade e liderança para garantir o acordo e levar aos compromissos necessários”. A carta pediu que Guterres e os governos do Canadá e da China convocassem os líderes mundiais antes da COP15 para reforçar a gravidade da situação.
Mas isso não aconteceu. Com a COP15 à vista após dois anos de atrasos, resta pouco tempo para avanços políticos – e grande parte da atenção do mundo está em outro lugar. Diante disso, a decisão de realizar a COP15 durante a Copa do Mundo pode ter sido um gol contra.
Este artigo foi originalmente publicado no China Dialogue.