Na cidade de Papantla, no estado mexicano de Veracruz, várias famílias vivem a minutos de poços de petróleo, e oleodutos correm sob suas casas, rios e plantações.
Edgar Ricardo, um agricultor e mecânico de 19 anos e morador da comunidade de Paso del Correo, se acha sortudo por viver a dez minutos de um poço: ele percebe como quem mora ainda mais perto dos poços sofre com o mau cheiro, a escassez de água e problemas de saúde provocados pelo processo de extração de petróleo.
Edgar tem acesso a água limpa, mas sabe que isso pode durar pouco, já que os poços vêm contaminando áreas próximas ao rio Tecolutla, do qual sua vila depende.
Os rios Tecolutla e Cazones são parte da identidade local, essenciais para o cultivo da baunilha, nativa da região. Veracruz produz 70% da baunilha do país, além de abrigar flora e fauna abundantes.
Mas a região também é rica em hidrocarbonetos, e é uma das principais áreas de extração e exploração de gás e petróleo.
Em Papantla, o gás de xisto é extraído por fraturamento hidráulico — ou fracking, como é mais conhecido — uma técnica que bombeia água para pressionar a saída do gás e óleo presos nas rochas.
As formações de xisto são encontradas em profundidades entre um e cinco quilômetros, e por isso demandam uma operação complexa. O fracking de um único poço pode exigir o uso de até 29 milhões de litros de água.
64%
das emissões de gases do efeito estufa do México vêm de combustíveis fósseis, segundo o inventário de 2018 do país.
A estatal Petróleos Mexicanos (Pemex) controla a produção de hidrocarbonetos do país. Segundo um levantamento do Climate Accountability Institute, a Pemex é a nona maior emissora de CO2 entre as empresas de combustíveis fósseis no mundo.
Nas áreas rurais de Veracruz, apenas 44,37% dos habitantes têm acesso à água potável, de acordo com o Conselho Consultivo da Água. Ainda assim, um grande volume de água continua a ser alocado aos projetos de fracking.
Papantla entre as áreas mais afetadas
O fracking pode estar afetando 118 municípios em sete estados mexicanos. No entanto, é difícil saber com certeza quantos poços ativos existem no país. Isso porque as informações do governo disponíveis sobre o fracking são contraditórias e incompletas, segundo a organização ativista Alianza Mexicana contra el Fracking.
Com base em um pedido de informações apresentado pela organização CartoCrítica, foram perfurados 924 poços de fracking no México desde 2003. Destes, 349 estão no estado de Veracruz; e 172, no município de Papantla.
Moradores das comunidades de Veracruz já denunciaram os impactos ambientais do fracking, como a poluição do ar, os incêndios causados por vazamentos de óleo, a contaminação de aquíferos, além da perda de biodiversidade e paisagens naturais.
Também foram relatados impactos na saúde, sendo as mulheres as mais afetadas pelas altas quantidades de produtos tóxicos utilizados na perfuração. Entre eles, está o bisfenol A (ou BPA), desregulador endócrino que modifica o comportamento dos hormônios. A exposição a substâncias como essa já foi associada ao câncer de mama. Os efeitos do fracking também têm sido associado a problemas de saúde mental, imunidade e cardiovascular em comunidades próximas.
Mulheres que vivem nas proximidades de operações de fracking têm mais chances de terem partos prematuros e seus bebês nascerem com baixo peso devido à exposição ao arsênio do fracking, o que também pode gerar anomalias congênitas.
Outro exemplo dos impactos do fraturamento hidráulico foi visto em junho em Papantla, quando um oleoduto da Pemex explodiu e causou um incêndio que durou quatro dias.
De acordo com o Centro de Coordenação e Suporte de Emergência da Pemex, a empresa registrou 156 derramamentos e 20 vazamentos entre 2018 e 2021. Os estados de Tabasco e Veracruz foram os mais afetados, respondendo por 63% dos casos.
Um pedido de informações foi feito à subsidiária Pemex Exploración y Producción sobre as avaliações de impactos ambientais da empresa dos últimos dez anos, mas nenhuma resposta foi recebida até o momento da publicação desta reportagem.
México apoia fracking
Embora o fracking seja proibido em alguns países — como França, Bulgária e Espanha —, e enfrente críticas em todo o mundo, ele tem apoio no México, apesar da declaração do presidente Andrés Manuel López Obrador, em 2019, de que não haveria mais fracking no país.
“Não utilizaremos métodos de extração de matérias-primas que afetam a natureza e esgotam as fontes de água, como o fracking“, diz um dos cem compromissos assumidos no início de sua administração — e que o site da presidência diz ter sido “cumprido“. Mas isso está longe de ser verdade.
Contrariando as expectativas, o orçamento alocado para o fracking aumentou no país em 2022, de acordo com informações coletadas em 2021 pela Alianza Mexicana contra el Fracking. Estima-se que 15,2 bilhões de pesos mexicanos (R$ 3,9 bilhões) serão destinados ao Projeto de Orçamento de Despesas Federais em 2022, o qual considera implementar dois projetos que exigiriam o uso de fracking.
Defendendo o território
Em cidades como a de Edgar Ricardo, há um ressentimento de que projetos de fracking foram realizados sem a autorização dos moradores. “É como tirar a herança das pessoas, praticamente, porque se tiram a terra de um homem ou de uma mulher, o que vão deixar para seus filhos?”, questiona Edgar.
Como ele, há muitos jovens que querem defender seu território e evitar que a poluição tenha um impacto maior em suas comunidades.
Desde 2009, pessoas de várias gerações tomaram medidas contra projetos de fracking, como bloquear o acesso às instalações de poços de petróleo para exigir o pagamento de danos em suas colheitas e a introdução de sistemas de água potável em suas casas — promessas que a Pemex havia feito em 2008. Em 2015, membros de 50 organizações se reuniram na comunidade Emiliano Zapata para protestar contra o fraturamento hidráulico.
Após dois anos de atrasos provocados pela pandemia, em maio passado, uma oficina sobre os cuidados e a defesa do território contra o fracking foi realizada na cidade de El Remolino.
No workshop, os cerca de 50 participantes decidiram dar entrada no amparo, um processo judicial de última instância que pode ser aplicado quando não há consulta prévia sobre um projeto. De acordo com Yoatzin Popoca Hernández, advogado do Centro Mexicano de Direito Ambiental, “não há maneira legalmente válida de combater esses projetos… Não há mais [opções], e você tem que recorrer ao amparo“.
Mas existem instrumentos como o Acordo de Escazú, o tratado que busca promover o acesso à informação, a participação pública e a justiça socioambiental na América Latina e no Caribe — a região mais perigosa para ativistas do meio ambiente.
“É por isso que o Acordo de Escazú é tão importante, porque ele teria que elevar os padrões do direito à informação, teria que tornar a transparência ‘ativa’, e não simplesmente publicá-la”, avalia Yoatzin.
O tratado foi ratificado pelo México no ano passado, mas carece de implementação.
Este artigo foi originalmente publicado no Climate Tracker.