Um acordo global pautado pela diplomacia e dotado de algumas das ferramentas necessárias para o combate ao aquecimento global foi celebrado na reunião de cúpula da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças no Clima (UNFCCC), realizada em Paris.
Segundo afirmou o presidente francês François Hollande, na cerimônia de fechamento: “Vocês entraram para a História porque assumiram compromissos. Vocês não calcularam.” O mundo entrou na era do baixo carbono, acrescentou.
Equilibrando os posicionamentos políticos e econômicos das nações ricas e pobres, da ciência e dos negócios, o Acordo de Paris baseia-se na Contribuição Nacional Pretendida de cada país participante – agora, sem a palavra ‘pretendida’.
Na melhor das hipóteses, as promessas atuais poderão limitar o aumento da temperatura mundial a 2,7ºC – nível insuficiente para evitar os impactos catastróficos do aquecimento global, segundo os cientistas. Anteriormente, os governos nacionais apoiavam a limitação do aquecimento a 2ºC; em Paris, concordaram em buscar um limite de 1,5ºC.
Por este motivo, o Acordo de Paris inclui uma cláusula dizendo que os compromissos nacionais passarão por uma revisão em 2018, quando o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) produzirá um relatório especial sobre o assunto. Após isto, a situação será revista a cada cinco anos.
Alguns dos efeitos já atribuídos às mudanças climáticas são prejuízos à agricultura, o desencadeamento de inundações, tempestades e secas mais frequentes e mais severas, níveis de precipitação alterados e aumento no nível dos mares.
Vários países em desenvolvimento que participaram do evento da ONU, realizado ao longo de duas semanas em Paris, manifestaram a preocupação que os países industrializados não farão o suficiente entre hoje e 2020, quando as cláusulas do acordo deverão entrar em vigor.
Durante o evento, pouco foi dito sobre esse assunto. Ao invés disso, tortuosos debates discutiram se os países ricos estariam fazendo o suficiente para controlar suas emissões de gases do efeito estufa (GEEs) e se as economias emergentes, como China e Índia, deveriam fazer mais. Estas emissões – principalmente as de gás carbônico estão aquecendo a atmosfera. De um ponto de vista cumulativo, a maior parte das emissões foram feitas pelos países ricos a partir do início da era industrial, ainda que o maior emissor atualmente seja a China, seguida dos Estados Unidos, União Europeia e Índia.
Os Estados Unidos têm tomado a frente do grupo dos países ricos ao exigir que as economias emergentes controlem suas emissões, enquanto China, Índia e boa parte do mundo em desenvolvimento têm insistido nas “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” entre as nações ricas e pobres, o que é um dos pilares da UNFCCC. Antes, apenas os países ricos estavam legalmente obrigados a reduzir as suas emissões de GEEs. Com o Acordo de Paris, esta diferenciação foi fortemente diluída.
De acordo com o documento: “Os países desenvolvidos deverão continuar tomando a liderança, buscando atingir metas de redução absoluta das emissões, abrangendo todos os setores da economia. Os países em desenvolvimento deverão continuar a intensificar seus esforços de mitigação e são encorajados a reduzir progressivamente as emissões em toda a economia, ou adotar metas de limitação de emissões, considerando as diferentes circunstâncias nacionais”.
A questão do financiamento também gerou forte discórdia. Os Estados Unidos conseguiram retirar da parte legalmente vinculante do acordo um compromisso assumido pelos países ricos: disponibilizar pelo menos US$ 100 bilhões por ano até 2020. Ainda assim, o compromisso foi mantido como decisão aceita por todos os governos.
Um ponto realmente fraco do Acordo de Paris foi a questão da compensação e da responsabilidade legal pelas perdas e danos causados pelos impactos das mudanças climáticas. Temendo a avalanche de litígios que tal cláusula poderia desencadear, as nações ricas deixaram claro no acordo que as questões ligadas à compensação e responsabilidade legal não seriam levadas em consideração.
Apoio global
Com exceção da Nicarágua, todos os países manifestaram apoio ao acordo. “O acordo sinaliza claramente que todos os países devem mudar seus modelos de desenvolvimento e que as pessoas devem modificar seus estilos de vida”, disse Xie Zhenhua, vice-Ministro da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China.
De acordo com Xie, o Acordo de Paris contemplou todos os elementos necessários – mitigação das emissões, adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, financiamento, transferência de tecnologias verdes e construção de capacidades nos países em desenvolvimento. O documento demonstrou “coordenação entre as ambições (climáticas) e o espaço para desenvolvimento”, disse ele. “Todos os países fizeram a escolha certa. O próximo passo é a implementação.”
A China comprometeu-se a atingir o pico de suas emissões de carbono até 2030 ou, possivelmente, antes disso. Xie reiterou a promessa feita pelo governo chinês de chegar ao pico “o mais brevemente possível”.
De acordo com o Ministro do Meio Ambiente, Florestas e Mudanças Climáticas da Índia, Prakash Javadekar: “O acordo apoia o direito ao desenvolvimento. Ele refletiu a justiça climática. Todos juntos, nós mitigaremos o desafio colocado pelas mudanças climáticas e proporcionaremos um planeta melhor”.
Ainda assim, Javadekar também afirmou que o Acordo de Paris “poderia ter sido mais ambicioso” e que os países industrializados estavam assumindo “muito menos do que sua responsabilidade histórica e sua parte justa” no combate às mudanças climáticas. O ministro indiano espera que a adoção do acordo possa “marcar um novo começo, onde os compromissos serão honrados”.
Segundo o Secretário de Estado americano, John Kerry: “Nenhum de nós acredita que ele seja perfeito e que este deva, necessariamente, ser o caminho a seguir; de outra forma, não haveria acordo.” Ele acrescentou que o acordo enviaria uma mensagem aos mercados de todo o mundo, a favor da transição para uma economia global baseada em energia limpa.
O Acordo de Paris
O acordo final é um documento de 31 páginas, sendo 11 de compromissos legalmente vinculantes e 20 de “decisões” tomadas pelos representantes nacionais participantes.
O objetivo de longo prazo é que se chegue o mais cedo possível ao pico das emissões globais de GEEs. Além da meta de limitar o aumento das temperaturas a 2ºC, os governos deverão eliminar os combustíveis fósseis da matriz energética até 2050, de acordo com o IPCC.
Todos os países deverão prestar contas sobre as suas ações de mitigação, além das medidas de apoio financeiro e tecnológico que receberem ou concederem a outros. Todos os países adotarão o mesmo sistema de medição, comunicação e verificação das emissões, e todos serão avaliados em relação aos mesmos padrões. No entanto, os países em desenvolvimento terão um certo grau de flexibilidade quanto ao escopo e detalhamento dos seus relatórios. Todos os países, exceto os menores e mais pobres, deverão elaborar um relatório a cada dois anos, no mínimo. Um comitê internacional de especialistas técnicos avaliará todos os documentos.
Há muitos anos, os países em desenvolvimento têm se queixado que a adaptação aos efeitos das mudanças climáticas não recebe a mesma atenção dada à mitigação das emissões. Pelo Acordo de Paris, cabe aos países desenvolvidos proporcionar apoio financeiro e tecnológico para este fim.
De acordo com o Ministro das Relações Exteriores francês, Laurent Fabius, que presidiu a reunião, o acordo de Paris foi “justo, durável, dinâmico, balanceado e legalmente vinculante”.
Christiana Figueres, Secretária Executiva da UNFCCC, disse: “É um acordo com visão de longo prazo, pois precisamos transformá-lo em um motor do crescimento seguro”.
Além de ter sido bem recebido por quase todos os representantes nacionais, o acordo também satisfez aos grupos empresariais e centros de análises. No caso das organizações “verdes”, algumas demonstraram uma boa aceitação, ainda que com ressalvas; já outras manifestaram críticas.
O saldo líquido de emissão de gases do efeito estufa precisa cair a zero nas próximas décadas, disse John Schellnhuber, do Instituto de Pesquisas em Impactos Climáticos de Potsdam. Ele acrescentou: “Para estabilizar o nosso clima, as emissões de dióxido de carbono precisam chegar ao pico bem antes de 2030 e ser eliminadas o mais rápido possível a partir de 2050”.
De acordo com Jennifer Morgan, do World Resources Institute, o acordo vai acelerar a transformação energética que já está em andamento, “direcionando-nos para um futuro mais seguro e mais forte”.
No entanto, para alguns ativistas nos países em desenvolvimento, o acordo deixou a desejar em alguns pontos. Sanjay Vashist, da Rede de Ação Climática da Ásia Meridional (CANSA), classificou o tratado como “durável e dinâmico, mas deficiente em justiça e no atendimento às necessidades futuras”.
O acordo tirou dos países mais vulneráveis do mundo o direito de exigir a responsabilização legal e compensações por perdas e danos, apontou Rezaul Karim Chowdhary, da COAST, associação promotora da transformação social sediada em Bangladesh.
De acordo com Helen Szoke, da entidade Oxfam: “O acordo faz apenas a vaga promessa de uma nova meta de financiamento climático no futuro, mas, ao mesmo tempo, não obriga os países a cortarem suas emissões a uma velocidade suficiente para evitar uma catástrofe trazida pelas mudanças climáticas”.
Adriano Campolina, Executivo Chefe da organização não governamental ActionAid, disse que o acordo “não faz o bastante para melhorar a existência frágil de milhões de pessoas ao redor do mundo”.
Ainda assim, de maneira geral, o clima era de celebração quando o Secretário Geral da ONU, Ban Kimoon, fechou o evento em Paris dizendo: “Chegou o momento de reconhecer que os interesses nacionais são melhor atendidos por meio de ações que atendam aos interesses globais. Nós precisamos fazer o que a ciência determina. Nós precisamos proteger o planeta que nos sustenta”.
Essa matéria foi primeiramente publicada pelo chinadialogue.net