O boi paraguaio tornou-se o improvável pivô da rivalidade entre os Estados Unidos e a China na América do Sul. A exportação de carne paraguaia para o maior mercado de consumo do mundo foi há muito tempo bloqueada devido às relações diplomáticas que o Paraguai mantém com Taiwan.
Como o agronegócio local vem pressionando o governo para que ele reavalie as relações comerciais com a China, e os Estados Unidos estão ansiosos para evitar que mais nações latino-americanas apoiem Pequim, o Paraguai tem conseguido extrair concessões, pelo menos até agora.
Na encruzilhada com Wu
Joseph Wu, o ministro das Relações Exteriores de Taiwan, fez uma visita a Assunção, capital do Paraguai, no dia 30 de outubro. Lá, ele anunciou que o seu país está disposto a extinguir a cota de exportação para a carne bovina do Paraguai. Atualmente, a cota é de 20, 6 mil toneladas por ano. O ministro foi acompanhado de uma delegação comercial que se comprometeu a gastar 60 milhões de dólares anualmente com a compra de produtos agrícolas.
A decisão foi resultado da pressão feita por associações do setor de agronegócios para encontrar canais diplomáticos que abrissem o acesso ao mercado chinês.
No início desse mês, durante uma viagem de negócios a São Paulo, produtores rurais do Paraguai se reuniram com o vice-cônsul da China no Brasil. Segundo Fernando Serrati, chefe da associação de produtores de carne bovina, eles foram informados de que “seguravam as chaves que permitiriam a entrada da carne paraguaia ao mercado da China continental, mas, primeiro, seria necessário que rompessem as relações com Taiwan”.
Serrati e a mídia foram rápidos em denunciar o que eles descreveram como “chantagem comercial”, mas a pressão feita pelos lobistas do agronegócio não para de crescer. Eles querem que o Paraguai reavalie os laços comerciais com a China.
$3,5billhões
em produtos chineses entraram no Paraguai em 2017
O Paraguai é a única nação sul-americana a reconhecer Taiwan, mas isso não impede as empresas chinesas de exportarem seus produtos para o país. Em 2017, 3,5 bilhões de dólares em produtos chineses entraram no país, principalmente eletrônicos e têxteis, sendo que uma grande quantidade é revendida para o Brasil.
As empresas estatais chinesas são, potencialmente, as principais compradoras dos produtos de soja e de carne bovina do Paraguai. Essas empresas aderem à Política de Uma China. Em 2017, o Paraguai exportou parcos 25 milhões de dólares em produtos para a China – principalmente produtos de madeira e couro –, o que significa que o déficit comercial do país com a China é um dos maiores da América Latina, em termos relativos.
A rota da soja
A soja paraguaia, famosa pelo seu alto teor proteico, desembarca na China por uma via indireta: ela é processada e transformada em óleo ou pellets em Rosário, um importante centro do agronegócio na Argentina. Mas a China permanece fechada para a carne bovina paraguaia; dois terços dela vão parar na Rússia e no Chile.
Os efeitos de uma grande seca no início do ano e a intensificação da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China, que levou a soja americana mais barata a ganhar uma fatia maior do mercado nos destinos tradicionais de exportação do Paraguai, prejudicou a produção agrícola do país latino-americano.
Nos primeiros nove meses de 2019, as exportações de soja caíram 16% e alcançaram apenas 4,65 milhões de toneladas. Isso levou o presidente da associação de soja a pressionar o governo paraguaio a melhorar as relações comerciais com a China. Tal medida poderia trazer benefícios de longo prazo, mas a demanda chinesa por soja caiu muito em 2019, depois de um abate de 200 milhões de porcos chineses devido à gripe suína.
A demanda chinesa por carne bovina, por outro lado, se mantém robusta. “Depois da seca e dos efeitos dela na produção, os produtores rurais passaram a buscar melhores preços para compensar”, disse Gustavo Rojas, analista do Centro de Análise e Difusão da Economia Paraguaia, um think tank.
“Eles estimam que ganhariam 5 mil dólares por tonelada se vendessem para a China, em vez dos 4 mil dólares por tonelada que ganham no Chile e na Rússia”.
O custo da lealdade
Os potenciais benefícios desse comércio colocam o governo paraguaio em uma posição difícil. Em 1957, o ditador do país, Alfredo Stroessner, estabeleceu laços com Taiwan porque ambos compartilhavam uma forte agenda anticomunista. Seu Partido Colorado nunca saiu do poder, com exceção de um termo (2008-2013), desde a volta da democracia em 1989.
Taiwan recompensou a lealdade do Paraguai com pacotes quinquenais de ajuda financeira, de 75 milhões de dólares cada um, além de construir o prédio que abriga o Congresso paraguaio, diversos arranha-céus e projetos residenciais.
No entanto, alguns especialistas questionaram se a associação do Paraguai com Taiwan tem sido boa para o país sul-americano. Em um estudo publicado em 2017, Francisco Urdinez, cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Chile, disse que o Paraguai estava abrindo mão de 138 milhões de dólares em investimentos chineses, e de 224 milhões de dólares em financiamentos chineses visando o desenvolvimento, todos os anos, devido à sua ligação com Taipei.
“O Paraguai pagou um ‘custo Taiwan’ muito mais alto do que os benefícios que recebeu de Taiwan, na forma de ajuda e investimentos, pela sua lealdade diplomática”, ele escreveu.
Como resposta, Taiwan dobrou o pacote quinquenal de ajuda financeira, oferecendo 150 milhões de dólares em dezembro de 2018.
No passado, o país deixou de utilizar essa ajuda muitas vezes, porque o governo paraguaio não conseguia apresentar planos bem estruturados de investimento, segundo Rojas. Isso parece estar mudando. Já despontam no horizonte novos projetos para a construção de casas para os moradores afetados pelas recentes enchentes, além de diversos viadutos na periferia da capital. Todos com financiamento de Taiwan.
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países da América Latina e do Caribe que mudaram sua aliança diplomática de Taiwan para a China desde 2016
Os Estados Unidos querem muito que o Paraguai continue sendo um firme aliado de Taiwan. Ao longo do último ano, o Departamento de Estado americano manifestou preocupação a respeito da crescente influência da China na América Latina.
Em 2016 e 2017, o Panamá, El Salvador e a República Dominicana romperam com Taiwan e estabeleceram relações diplomáticas com Pequim, pegando as equipes da embaixada americana de surpresa. O Departamento de Estado americano precisou chamar todos os chefes de missão desses países para interrogatório.
Em 30 de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou a Lei Taipei – Iniciativa de Proteção e Melhoria das Alianças de Taiwan – que promete impulsionar o “engajamento econômico, diplomático e de segurança” dos americanos com os países que fortalecerem as suas relações com Taiwan, além de reduzir o apoio americano àqueles que “enfraquecerem Taiwan”.
Com a ajuda e o comércio de Taiwan se tornando mais generosos, e a política externa americana cada vez mais preocupada com a influência chinesa na América Latina, a decisão do Paraguai de resistir a “diplomacia do cheque” da China, resultado de uma inclinação ideológica que já não é tão forte, pode trazer benefícios econômicos de longo prazo.