O Uruguai é um dos países com maior estabilidade política e social da América Latina. Há alto índice de qualidade de vida e indicadores macroeconômicos notáveis. A população, no entanto, tem cada vez mais demandas. Entre elas, a proteção do meio ambiente.
Já faz algumas semanas que Luis Lacalle Pou assumiu a presidência do Uruguai como parte de uma coalizão de partidos políticos. É o governante mais jovem na história do Uruguai, e sua devoção pela conservação dos oceanos tem gerado otimismo entre os ambientalistas.
Sua primeira proposta segue essa linha, enfatizando a importância do meio ambiente com a criação de um Ministério do Meio Ambiente e da Água. Mas a pergunta permanece: será que Lacalle Pou, surfista e amante do mar, responderá aos pedidos por um meio ambiente mais saudável? Surfar esta onda será um desafio para Lacalle Pou.
Conflitos ambientais
O excessivo uso de fertilizantes, efluentes urbanos sem tratamento e as represas que limitam a circulação dos rios geraram um crescimento massivo de microalgas e a geração de cianobactérias nos cursos d’água do Uruguai, afetando suas praias oceânicas.
Ao mesmo tempo, a construção de uma terceira megafábrica produtora de celulose que absorverá milhões de litros do principal curso fluvial interno do Uruguai, o Rio Negro, tem sido objeto de protestos ambientais nos últimos dois anos. Ainda não se sabe se será possível revisar o projeto, como mencionou o novo governo.
A monocultura florestal que abastecerá as três fábricas que produzirão pasta de celulose — principal insumo para a fabricação de papel — ocupa mais de um milhão de hectares (6% da superfície do país), superando a extensão das florestas nativas. O projeto também deve ter um forte impacto na biodiversidade e grande demanda por água.
Por outro lado, a nova Lei de Irrigação, que fomenta o desenvolvimento de empreendimentos com uso intenso de agroquímicos e represas, está sendo analisada pela Suprema Corte de Justiça após diversas organizações e sindicatos pedirem sua anulação por suposta inconstitucionalidade.
A frente marítima
Quase metade da superfície do Uruguai é aquática, distribuída entre o Atlântico e o estuário do Rio da Prata. Nessas áreas, a principal atividade é a pesca, que vem diminuindo há quase vinte anos.
O número de barcos industriais diminuiu em 50% ao longo de apenas uma década. Junto com a pesca artesanal, a pesca industrial também está ameaçada pelos altos custos operativos e pela competição de importações de espécies cultivadas, de baixo valor e qualidade, provenientes do sudeste asiático.
50%
A queda dos navios de pesca industrial uruguaios em suas águas nos últimos 10 anos
A biodiversidade marinha está ameaçada pelas operações de dezenas de barcos de diferentes nacionalidades que operam na fronteira da Zona Econômica Exclusiva do Uruguai, e às vezes dentro da área delimitada, capturando espécies que no passado eram alvo da frota local.
Essas mesmas embarcações que depredam os recursos marinhos do Uruguai descarregam o que capturam no porto de Montevidéu, onde são isentas de impostos e controles — seja sobre a captura ou sobre as condições trabalhistas e sanitárias a bordo. Esses rigores, por outro lado, são impostos aos barcos pesqueiros nacionais.
Nos últimos anos, o porto de Montevidéu tem aparecido no topo dos rankings mundiais sobre pesca ilegal e escravidão a bordo, por diferentes organizações não-governamentais como a Oceana, ou estatais, como o Departamento de Estado dos Estados Unidos.
Um grande desafio para o novo governo será retomar o controle do porto de Montevidéu e limpar a imagem de “porto pirata” a ele conferida após anos abastecendo barcos que praticam pesca ilegal e abuso de direitos humanos, perseguidos por países vizinhos.
Energias renováveis
Embora o Uruguai não seja um dos atores principais da agenda climática global, é um exemplo mundial por sua matriz energética quase completamente descarbonizada. Grande parte da energia utilizada no país é eólica, solar e hidráulica. O país produz ainda excedentes para exportação.
A criação de um Ministério do Meio Ambiente é um grande anúncio, mas o órgão sozinho não será suficiente para resolver os conflitos socioambientais de uma sociedade que cada dia mais reivindica o cumprimento do slogan pelo qual o país é conhecido: “Uruguai Natural”.
É preciso reformular o destino do país. Ou o Uruguai se torna uma grande planície de monoculturas com seus rios contaminados, ou limitará o crescimento da agroindústria, estimulando plantios ecológicos e a proteção da natureza.
Atividades como o turismo responsável, a pesca sustentável, a agricultura orgânica e as energias renováveis podem gerar emprego e renda para o país, criando um círculo virtuoso tanto do ponto de vista socioeconômico como ambiental. Para isso, será necessário também aumentar a transparência do governo e a participação da sociedade civil.
O presidente e sua equipe têm a resposta. Se decidem manter os valores de um meio ambiente saudável veiculados durante sua campanha, sem dúvida poderão surfar a onda mais importante de todas.