A situação gerada pela pandemia do COVID-19 é um ensaio global do que viveremos em 2030 com os efeitos dramáticos das mudanças climáticas, para os quais cientistas têm alertado insistentemente há décadas.
Em meio à incerteza gerada pela recessão econômica e social, desde já se pode vislumbrar que, se continuarmos no caminho de desenvolvimento que nos trouxe até agora, a inesperada quarentena obrigatória que estamos vivendo não será a última do século XXI.
Neste momento de convergência de crises — nas palavras de Christiana Figueres, ex-secretária executiva da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática —, é preciso organizar soluções e otimizar os recursos, as políticas e os esforços de forma simultânea.
Esta crise de saúde pública deve ser vista como uma oportunidade de aprender a enfrentar rapidamente o maior desafio ambiental que temos enquanto humanidade: as mudanças climáticas.
O momento atual está demonstrando que é possível alcançar ações complexas em pouco tempo
A pandemia do Covid-19 e a luta contra os efeitos colaterais das mudanças climáticas antropogênicas têm vários elementos em comum:
i) Expressam-se por meio de crises que afetam todos os setores, níveis e aspectos sociais e econômicos;
ii) São inimigos comuns para todos os países pois representam um problema a ser enfrentado por todo o mundo;
iii) Atacam todas as pessoas sem distinção de sexo, raça, idade, e de maneira mais forte pessoas e grupos vulneráveis;
iv) Implicam um debate profundamente científico;
v) As soluções estão nas mãos de todos os atores sociais, e;
vi) Têm a orientação de uma organização internacional como a OMS ou a Secretaria da CMNUCC no marco da ONU, que apoiam o desenvolvimento de decisões nacionais.
No entanto, há também algumas diferenças. O vírus levou os países a tomarem medidas radicais e urgentes para as economias que os governos nacionais haviam evitado implementar durante anos, e que paradoxalmente os tratados internacionais sobre mudanças climáticas haviam orientado desde 1992. Um exemplo é a redução das emissões causadas pela industrialização, ou uma produção e consumo mais sustentáveis.
Esta crise de saúde pública deve ser vista como uma oportunidade de aprender a enfrentar rapidamente o maior desafio ambiental que temos enquanto humanidade: as mudanças climáticas.
Desde já a pandemia do Covid-19 está afetando a ação climática: a quatro meses do diagnóstico do primeiro contagiado, a conferência das partes (COP26) foi cancelada para 2020, ano em que o Acordo de Paris tem previsto o início da atualização das primeiras Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês) — os esforços de cada país para mitigar as emissões nacionais e que contêm suas metas concretas de redução de gases de efeito estufa. Também estabelecem as ações para adaptação aos efeitos das mudanças climáticas.
A grave recessão econômica que a América Latina e o resto do mundo enfrentarão após a pandemia pode ser uma desculpa para que os países reduzam sua ambição frente à redução de emissões de gases de efeito estufa, concentrando suas estratégias financeiras de recuperação na extração de hidrocarbonetos e minerais. Isso pode gerar a tentação de que as metas das segundas NDC sejam menos ambiciosas.
Da mesma maneira, há outros impactos adversos do vírus sobre a Agenda 2030 de desenvolvimento sustentáveis relacionados às mudanças climáticas.
A pandemia do Covid-19 pode tornar-se um obstáculo para o cumprimento da NDC porque muitos países podem decidir concentrar seus esforços e recursos frente o desafio de saúde pública desconhecendo a natureza de avançar simultaneamente em todas as frentes sem descuidar do meio ambiente.
Esse posicionamento dificultaria a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 13, sobre ação para o clima. O mesmo aconteceria com outros ODS relacionados ao 13, como o ODS 7, sobre energia acessível e não contaminante; o ODS 11, sobre cidades e comunidades sustentáveis, e o ODS 12, sobre produção e consumo responsáveis.
O momento atual está demonstrando que é possível alcançar ações complexas em pouco tempo: mobilização de recursos, coordenação de esforços, arranjos institucionais e construção de infraestrutura.
O que pode acontecer é que a recuperação econômica leve ao desenvolvimento de políticas climáticas menos ambiciosas ou à flexibilização da proteção ambiental.