Na próxima cúpula climática da COP27 no Egito, os países vão tentar chegar a um acordo sobre o funcionamento de um novo mercado global de carbono no âmbito do Acordo de Paris da ONU. Os sistemas de comércio de carbono foram recebidos com entusiasmo por muitos governos e pelo mundo corporativo, mas não sem críticas.
Como funcionam os mercados de carbono?
Nos mercados de carbono, as emissões de gases de efeito estufa são comercializadas. O comprador de um crédito de carbono deduz suas emissões a partir do crédito que o vendedor implementou através de um projeto.
Os mercados de carbono comercializam emissões de gases do efeito estufa. Esse crédito pode surgir de melhorias verificáveis na eficiência energética de suas atividades — de processos industriais, por exemplo — ou na mudança de práticas de manejo do gado para melhorar o sequestro de carbono no solo, entre várias outras formas.
À medida que países e empresas enfrentam a necessidade cada vez mais premente de reduzir suas emissões, nos últimos anos houve avanços na criação e no ajuste fino dos mercados de carbono. Muitos financiamentos vieram de países desenvolvidos para projetos a serem implementados em países em desenvolvimento, permitindo-lhes também receber um fluxo adicional de dinheiro.
Até o momento, a Argentina tem 58 projetos em mercados de carbono, em sua maioria associados a energias renováveis e compensações florestais. Nesses projetos, as empresas argentinas “venderam” créditos de emissões de carbono a atores em países industrializados, interessados em cumprir as exigências regulatórias em suas jurisdições ou em parecer mais sustentáveis para os consumidores.
Recentemente na Argentina, setores como a pecuária e agricultura começaram a pressionar para vender créditos, e mesmo províncias, como o nordeste de Misiones, estão se preparando para lançar créditos associados à conservação florestal.
No entanto, em meio a esta enxurrada de atividades, especialistas alertam que esses instrumentos financeiros, se mal utilizados, podem ser contraproducentes nos esforços para reduzir as emissões e cumprir as metas globais.
O que são créditos de carbono?
Pelo Protocolo de Kyoto, da ONU, países industrializados devem limitar e reduzir suas emissões de gases de efeito estufa através de metas vinculantes.
Uma das ferramentas disponíveis para isso é o comércio de emissões sob a forma de créditos de carbono. Isto deu origem ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), um esquema de compensação que permitiu a um país apoiar financeiramente um projeto de redução de emissões ou sequestro de carbono.
O MDL é conhecido como um mercado de carbono de conformidade, pois está organizado em torno de exigências regulatórias impostas por órgãos subnacionais, países, instituições regionais ou multilaterais sobre as emissões de gases de efeito estufa. Os mercados de conformidade têm um órgão regulador público ou multilateral — neste caso, as Nações Unidas.
Os créditos de carbono continuarão a ganhar importância porque a demanda está superando a oferta. Cada vez mais empresas estão interessadas em compensar suas emissões
Um dos mercados de conformidade mais exigentes é o Esquema de Comércio de Emissões da União Europeia, que é composto por cerca de dez mil empresas responsáveis por 40% das emissões na região. Se a empresa emitir menos do que o teto permitido, ela pode vender a licença no mercado. Por outro lado, se emitir mais do que o limite, ela deve comprar créditos.
De acordo com seu último relatório anual, mais de oito mil atividades estão registradas sob o MDL em todo o mundo. Mais de 80% dos projetos registrados estão localizados na região da Ásia-Pacífico, seguido por 13% da América Latina e do Caribe.
Além dos mercados de conformidade, existem os mercados voluntários de carbono, onde são negociados créditos associados a iniciativas independentes de redução de emissões. Os esquemas voluntários não têm um órgão de monitoramento e trabalham com agências de certificação que verificam se os projetos de redução de emissões são consistentes.
De acordo com a Universidade da Califórnia, globalmente existem mais de seis mil projetos listados nos quatro principais registros do mercado voluntário: Climate Action Reserve, American Carbon Registry, Verra e Gold Standard. Desde 1997, estes projetos emitiram mais de 1,5 bilhões de créditos, o equivalente a uma redução de emissões de 1,5 bilhões de toneladas de CO2. A maioria dos projetos voluntários está concentrada nos setores florestal e de energia renovável.
“Os créditos de carbono continuarão a ganhar importância porque a demanda está superando a oferta. Cada vez mais empresas estão interessadas em compensar suas emissões”, explica Pablo Verra, diretor de estratégia da Core Zero, empresa que busca gerar créditos de carbono através de projetos que reduzem o desperdício de alimentos.
O preço de um crédito de carbono varia de acordo com a região e o tipo de projeto, entre outras variáveis. Atualmente, o valor de um crédito — e, portanto, uma tonelada de CO2 equivalente — é de US$ 10-25 na Argentina, de acordo com fontes do mercado. Nos países industrializados, onde a demanda por créditos é mais forte devido à pressão da regulamentação e da demanda dos consumidores, o preço pode ser muito mais alto.
Mercados de carbono na Argentina
A Argentina viu um boom no mercado de carbono entre 2006 e 2016, com um pico em 2012. Durante este período, vários projetos foram registrados sob o MDL. Nos últimos anos, houve um tímido avanço de projetos em mercados voluntários, embora essa seja a área na qual as maiores oportunidades de negócios estão surgindo.
De acordo com dados oficiais, 46 projetos MDL e 12 projetos em mercados voluntários foram registrados no país até o momento. No total, 17,5 milhões de créditos já foram vendidos — o equivalente a 17,5 milhões de toneladas de CO2 mitigadas ou reduzidas.
58
É o número de projetos da Argentina registrados em mercados de carbono, em sua maioria associados à energia renovável e à exploração florestal.
Ao contrário da UE, a Argentina não tem um sistema regulamentado que estabelece um limite global de emissões e sob o qual as licenças de emissão são negociadas.
A empresa argentina com maior participação na venda de créditos de carbono é a Genneia, que através de dois projetos de energia eólica e um de solar já emitiu mais de um milhão de créditos. Outra protagonista é a estatal YPF Luz, que emitiu 601 mil créditos a partir do parque eólico de Manantiales, na província de Chubut.
“O interesse das empresas neste tipo de certificação tem aumentado exponencialmente”, disse um representante da YPF Luz ao Diálogo Chino. “Os projetos renováveis que têm um impacto positivo sobre as comunidades próximas de onde estão localizados, como no caso de Manantiales, viram seu preço dobrar ou triplicar no último ano”.
Um porta-voz da Arcor, maior empresa de alimentos do país, disse ao Diálogo Chino que seu primeiro projeto no mercado voluntário foi substituir o uso de combustíveis fósseis por resíduos de cana-de-açúcar gerados no processo de produção. A empresa espera reduzir a emissão de 600 mil toneladas de CO2 até o final do ano.
No total, 60% dos projetos de mercado voluntário implementados no país estão ligados ao setor de energia renovável, seguido por resíduos, onde se destacam os projetos de aterro sanitário que incluem a captura, queima e/ou utilização de biogás.
Há uma enorme oportunidade para os produtores de carne e grãos se tornarem fornecedores de serviços ambientais
Enquanto isso, a empresa petrolífera inglesa Phoenix Global Resources, que opera no campo de Vaca Muerta, no norte do país, assinou um acordo com o governo de Misiones para vender créditos de carbono ligados à conservação da floresta tropical na província. A certificadora do acordo é a Verra. Estima-se que a iniciativa gere US$ 45 milhões.
A pecuária argentina — que gera altas emissões devido à liberação de metano, CO2 e óxido nitroso — tem tentado entrar no mercado de carbono. Os produtores buscam gerar créditos através da redução de emissões em suas operações, com um número crescente indústrias posicionando a atividade como potencialmente “neutra em carbono“, devido ao sequestro de carbono do solo em pastagens.
“Há uma enorme oportunidade para os produtores de carne e grãos se tornarem fornecedores de serviços ambientais”, diz Pablo Francisco Borrelli, cofundador da Ruuts, empresa argentina focada na geração de créditos de carbono do setor agrícola.
Alertas antes da COP27
Quando foi concluído em 2015, o Acordo de Paris reconheceu, sob seu artigo 6, várias formas de cooperação internacional para que os países implementassem seus compromissos com o clima, incluindo duas propostas de novos mercados de carbono. O artigo 6 há muito se mostrou controverso e, apesar dos acordos alcançados na COP26 sobre as regras para esses mecanismos, resta muito ainda a ser discutido.
Por um lado, espera-se que a COP27 defina como o comércio de créditos de carbono será registrado e rastreado através de acordos bilaterais entre países e/ou regiões, como o acordo entre a Suíça e o Peru — uma das novidades que surgiram do Acordo de Paris.
Paralelamente, há discussões em torno da criação de um mercado global de carbono semelhante ao MDL do Protocolo de Kyoto, mas com maior participação comercial e potencialmente novas áreas de geração de crédito. Por exemplo, espera-se que o Brasil, juntamente com a Indonésia e a República Democrática do Congo, pressionem para a geração de crédito através de projetos de conservação florestal.
Entretanto, alertas sobre esses mecanismos continuam a ser ouvidos. “Ao contrário das emissões de combustíveis fósseis, que são permanentes, as árvores e o solo só podem armazenar carbono temporariamente”, diz Catalina Gonda, coordenadora de políticas climáticas da Farn, a Fundación Ambiente y Recursos Naturales. “Esta permanência é crucial para qualificar a integridade de um crédito de carbono”.
Pablo Verra, do Core Zero, argumenta que “é importante ver quem é o comprador do crédito”.
“Os créditos não devem ser vendidos a empresas sem planos consistentes para reduzir suas próprias emissões”, diz Verra. “O crédito é uma ferramenta, não a solução”.
Para que a comercialização de créditos de carbono contribua verdadeiramente para a mitigação das mudanças climáticas, outro elemento-chave é a adicionalidade, na qual as reduções de emissões venham de fontes que não teriam ocorrido sem o mercado e o financiamento dos créditos de carbono.
Os créditos não devem ser vendidos a empresas sem planos consistentes para reduzir suas próprias emissões
Há questões em torno dos créditos de energia renovável, que, em geral, são rentáveis o suficiente para poderem se desenvolver sem o apoio dos mercados de carbono.
Outro risco subjacente ao mercado voluntário de carbono é a “dupla contagem” das reduções de emissões, com as reduções obtidas por um projeto de compensação sendo potencialmente registradas tanto no país de origem quanto pelo comprador do crédito.
A COP27 será realizada na cidade turística egípcia de Sharm el-Sheikh, de 6 a 18 de novembro de 2022.