Nos últimos meses, grupos indígenas do Equador vêm exigindo que a administração de Guillermo Lasso articule com petrolíferas e mineradoras medidas para proteger a floresta e os povos da Amazônia. Mas enquanto as negociações se arrastam, a destruição segue avançando em áreas biodiversas como no rio Napo, ameaçado pela mineração.
O Napo é afluente do Amazonas e, com cerca de 1.100 quilômetros de extensão, é o rio mais longo da Amazônia equatoriana, fluindo pela densa floresta do país até seu vizinho, o Peru. Devido à falta de estradas nesta remota região, o rio é o principal eixo de transporte e comércio com as áreas mais populosas do Equador.
A província de Napo, à qual o rio empresta seu nome, abriga as comunidades indígenas Kichwa e 70% das áreas protegidas do Equador.
Um relatório do Monitoramento do Projeto Amazônia Andina mostra que a mineração na província de Napo se expandiu mais de 200 vezes em duas décadas, passando de 2,6 hectares em 1996 para 556,8 hectares em 2020. A principal atividade é a extração de ouro. Estima-se que haja cerca de 300 concessões de mineração na província.
Na maioria, são atividades artesanais e semi-mecanizadas, diz José Moreno, ativista e presidente da organização ambiental Napo Vive. “Elas têm alto impacto ambiental, não contemplam medidas de controle e não cumprem as normas”, disse ao Diálogo Chino.
Metais pesados poluem rios
A análise de amostras de água do rio Napo confirmou que a presença de metais pesados como cobre, ferro, chumbo, alumínio e manganês excedem os limites para a preservação da vida aquática e selvagem.
Um relatório da Universidade Regional Amazônica de Ikiam, na capital provincial de Napo, Tena, constatou a ausência de macroinvertebrados aquáticos em 35% dos locais analisados, um sinal de poluição. Essas espécies de insetos são vitais para os ecossistemas de água doce e sua presença serve como indicador da saúde do riacho.
Outra conclusão do estudo é que cerca de 90% das amostras analisadas tinham alta toxicidade, indicando “contaminação crônica” nos locais avaliados.
“Um rio é como uma artéria, e o que está acontecendo é como se estivéssemos cortando uma artéria que irriga uma área imensa”, disse Jorge Celi, professor de ecologia em Ikiam. “O rio inteiro está sendo afetado, não apenas a área onde há mineração”.
O testemunho de Celi sobre a devastação causada pela mineração do Napo e seus afluentes é revelador. Os danos, diz ele, começam na margem do rio Yutzupino, onde está um pequeno assentamento perto da cidade de Puerto Napo, ao sul de Tena.
![manifestantes indígenas no Equador](https://dialogue.earth/content/uploads/2022/10/Ecuador-protesta-indigena-proyectos.petroleros_Joaquin-Montenegro-Humanante_dpa_Alamy_2JEP6E4-1440x720-1.jpg)
“O Yutzupino já está bastante degradado porque extraíram muito material sem técnica e com produtos altamente poluentes que vão para a água”, explica Celi. “Esse riacho, que tinha piscinas, agora é completamente plano e cheio de sedimentos. A água está avermelhada devido à suspensão desses sedimentos”.
Metais pesados, como o mercúrio, são usados em operações de mineração em Napo. A Organização Mundial da Saúde adverte que a exposição humana ao material pode causar danos aos sistemas nervoso, imunológico e digestivo, além dos pulmões e rins.
Mineração segue crescendo
A mineração se intensificou à medida que o preço do ouro subiu. “Há compradores que vêm ao rio. Antes custava US$ 35 a grama, e agora pagam US$ 43”, diz com Celi.
A evidência de poluição é tão alarmante que, no início do ano, o governo nacional anunciou uma proibição temporária de toda a mineração na província de Napo. Desde então, os mineradores têm tomado medidas legais na tentativa de recuperar suas máquinas pesadas e retomar as operações na área.
Em 14 de fevereiro, o então ministro de Energia e Recursos Naturais Não-Renováveis, Juan Carlos Bermeo, anunciou que a mineração na área de Yutzupino, perto de Tena, seria suspensa a fim de proteger o meio ambiente e as comunidades da área.
“O governo nacional está comprometido com a mineração legal e responsável que gere recursos e oportunidades para os equatorianos, em absoluta conformidade com as leis e regulamentos atuais”, disse o ministro na ocasião.
Mas nos meses que se seguiram, o anúncio do governo não foi cumprido. Organizações ambientais e líderes consultados pelo Diálogo Chino confirmaram que o garimpo não só continuou, mas aumentou.
“Viajamos pelo rio e seus afluentes recentemente, e a mineração persiste”, disse Kambac Alvarado, líder Kichwa e ativista ambiental, ao Diálogo Chino. “Eles estão devorando nossa floresta. As máfias não têm compaixão, e o governo não tem controle”.
Desde fevereiro, no início das operações contra a mineração ilegal em Yutzupino, foram apreenedidos 124 escavadeiras, três caminhões, quase 13 mil litros de combustível, entre vários outros itens.
A situação forçou o governo a reconsiderar a urgência de proteger a água, e o próprio presidente Lasso apontou para a necessidade de mais salvaguardas sobre o recurso.
A gestão da água será uma das oito perguntas de um referendo a ser realizado no início de 2023, no qual a população votará sobre questões polêmicas, incluindo o tamanho da assembleia nacional e os poderes militares no combate ao tráfico de drogas.
O acesso à água e a restrição da extração também foi um tópico nas negociações entre o governo e os movimentos indígenas entre julho e setembro, que levaram a semanas de grandes protestos. Mas o governo enfrenta apelos para uma maior urgência e ação.
O que está acontecendo aqui é uma zombaria para os mais de 160 mil habitantes da província de Napo, os mais afetados pela poluição
Em 6 de outubro, centenas de pessoas marcharam pelas ruas de Tena para exigir ações concretas do governo para acabar com a mineração ilegal. A marcha foi organizada por várias organizações, incluindo a Napo Vive, cujo porta-voz, Leonardo Cerda, um Kichwa amazônico, listou exigências dos povos ao governo e suas agências.
Eles pedem o reconhecimento da “emergência ambiental” vivida pela província de Napo; a fiscalização da norma que bloqueia temporariamente a mineração; e uma intervenção abrangente nas comunidades afetadas pelas atividades minerárias.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, até sete mil hectares foram destruídos pela mineração ilegal na província de Napo, com a destruição sentida na área de Yutzupino.
Fauna impactada pela mineração
Além das comunidades, espécies da fauna e flora local também estão sentindo os efeitos da atividade em expansão. “O desmatamento está altamente relacionado à mineração”, diz o estudo da Universidade de Ikiam, “e pode levar à remoção de espécies raras, incomuns ou ainda não conhecidas pela ciência na bacia amazônica. Esse processo é uma das principais causas da extinção de espécies”.
Diante de tais riscos, a unidade de proteção ambiental da polícia equatoriana também tem atuado em investigações sobre a mineração e realiza operações na área, incluindo o resgate da vida selvagem afetada pelas obras.
![quatro adolescentes em uma canoa em um rio](https://dialogue.earth/content/uploads/2022/10/Quechua-teenagers-amazon-ecuador_Alamy_Alexandre-Rotenberg_M2CKDJ-scaled.jpg)
“Os danos no Yutzupino fizeram com que as espécies da vida selvagem se deslocassem de seu habitat natural para procurar alimentos cada vez mais perto de áreas povoadas”, explica o subtenente Jorge Andrade, diretor da corporação. “Por exemplo, a jiboia pode estar comendo galinhas ou animais domesticados”.
Diante desses problemas, Celi pede que sejam encontradas soluções abrangentes que incentivem os habitantes a respeitar a natureza e que haja investimentos no acesso a empregos, de forma que lhes permitam escapar da pobreza — e, juntos, diminuam o interesse da população pela mineração ilegal.
“Você vê muitas pessoas fazendo o que parece ser a última coisa que elas farão em suas vidas. Eles o fazem de forma voraz e desesperada. Milhares trabalhando às escondidas no escuro da noite”, diz Celi. “Isto tem que parar, e o governo deve manter seus olhos na floresta sagrada”.