Uma comunidade indígena enfrentou o Estado colombiano em uma audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), em um caso que pode servir de inspiração na luta pela proteção do meio ambiente e dos direitos indígenas em toda a América Latina.
Numa audiência de dois dias, os representantes do povo U’wa pediram ao tribunal internacional — que tem jurisdição na maioria dos países latino-americanos — a condenação do Estado colombiano por danos ambientais e pelas décadas de violações de seus direitos à terra. Os indígenas alegam que não foram consultados sobre os projetos de petróleo e gás em seu território.
Os U’wa reúnem cerca de seis mil pessoas que vivem no nordeste da Colômbia, na fronteira com a Venezuela, zona que eles também habitaram historicamente. Seu território ancestral já cobriu cerca de 1,4 milhão de hectares, mas essa área foi bastante reduzida nos últimos séculos: agora, 22 comunidades U’wa vivem em uma fração da terra que lhes pertencia.
“Quando eles destroem nosso território, para nós é como morrer lentamente, é como aceitar que a morte espiritual e cultural de nosso povo está muito próxima”, disse Daris María Cristancho, líder indígena U’wa, à corte.
O tão aguardado processo judicial ocorre após décadas de resistência dos U’wa contra ameaças à sua cultura e existência — luta que os tornou um dos povos indígenas mais conhecidos da Colômbia.
Quando destroem nosso território, é como morrer lentamente, é aceitar que a morte espiritual e cultural de nosso povo está próximaDaris María Cristancho, líder indígena U’wa
Desde os anos 1990, os U’wa protestam contra a exploração de combustíveis fósseis em seus territórios por multinacionais como a Shell e a Occidental Petroleum, organizando ocupações e marchas, colaborando com organizações socioambientais e até mesmo ameaçando sacrificar a própria vida pela causa — como fizeram seus ancestrais diante dos espanhóis.
Em 2016, os U’wa entraram com processo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), acusando o Estado colombiano de violações. A comissão decidiu em favor dos indígenas em 2019 e fez uma série de recomendações ao governo para garantir os direitos dos povos originários. Porém, como essas exigências não foram cumpridas, em 2020 o caso foi enviado à Corte IDH e só agora está sendo julgado.
“Peço à corte que respeite nosso lar, pois é nossa cultura, nossa cosmovisão”, disse Daris María Cristancho na audiência. Ela pediu que “o território fosse devolvido ao povo U’wa”.
Luta indígena na Colômbia
Na audiência da Corte IDH, realizada entre 25 e 26 de abril em Santiago do Chile, Cristancho e outros membros da comunidade U’wa descreveram os problemas que enfrentam devido à extração de gás e petróleo em suas terras. Isso inclui os projetos Magallanes e Gibraltar, coordenados pela estatal colombiana Ecopetrol, bem como os oleodutos que passam por seu território. Eles também se dizem afetados pela presença de grupos armados em seu território e pela expulsão de suas terras — fenômeno conhecido na Colômbia como desplazamiento.
“O governo autoriza projetos extrativistas em seu território desde a década de 1990”, lembra Wyatt Gjullin, advogado da Earth Rights, organização que defende a causa dos U’wa, em entrevista ao Diálogo Chino. “Agora, o maior oleoduto do país, Caño Limón-Coveñas, atravessa suas terras, assim como um gasoduto. Ambos poluíram o meio ambiente e contaminaram as fontes de água”.
Desde que assumiu o cargo em agosto do ano passado, o presidente colombiano Gustavo Petro fez várias declarações em apoio à proteção de terras indígenas, inclusive em eventos internacionais. Essas preocupações apareceram em seu discurso na Organização dos Estados Americanos (OEA), em abril. “Se não houver equilíbrio com a natureza, deixaremos de existir, como dizem os povos indígenas”, disse Petro.
Martha Lucía Zamora, diretora da Agência Nacional de Defesa Jurídica do Estado — equivalente à Advocacia-Geral da União no Brasil — disse que o Estado colombiano estava aberto a um diálogo com os U’wa, mas não reconhece sua responsabilidade pelas violações dos direitos humanos. “Devemos nos comprometer a caminhar lado a lado, com vontade política, aceitando as mudanças culturais e a evolução social”, defendeu Zamora na audiência.
A comunidade U’wa já havia assinado acordos com o governo colombiano em 2014 e 2016. Na época, os documentos deram fim às manifestações dos indígenas contra projetos de petróleo e gás. No entanto, as disputas continuam: atualmente, há nove contratos em análise para reativação de projetos petrolíferos em todo o país, após terem sido suspensos por protestos de comunidades afetadas. O governo Petro prometeu não conceder novos contratos de petróleo e gás na Colômbia, mas afirmou que respeitaria os contratos existentes.
Ebaristo Tegría, advogado e professor U’wa, disse ao Diálogo Chino que seu povo quer ser o único a decidir sobre o que acontece em suas terras. “Todos os projetos extrativistas devem ser cancelados”, defendeu Tegría. “A Ecopetrol já tem três projetos em nossa terra e agora quer iniciar um quarto. O governo só pensa em gerar receita”.
No ano passado, Petro mobilizou o Congresso colombiano para a ratificação do Acordo de Escazúi. O tratado latino-americano estabelece padrões regionais sobre o direito de acesso à informação e participação em questões ambientais. A ratificação do acordo aguarda a confirmação final do Tribunal Constitucional do país.
Para Tegría, no entanto, a implementação do Acordo de Escazú parece distante: a realidade de ativistas ambientais ainda é desafiadora. “O governo nos disse em audiências públicas, antes de iniciar um novo projeto petrolífero, que a decisão era deles, não nossa”, acrescentou.
Ainda não há data definida para que a Corte Interamericana se pronuncie sobre o caso. No entanto, Tegría espera uma decisão favorável que beneficie não apenas os U’wa, mas também outros povos e organizações indígenas: “A Colômbia tem 115 povos indígenas e cada um tem seus problemas. A decisão pode abrir um precedente e mostrar a outras comunidades que elas podem lutar por seus direitos”.
A decisão da corte também pode estabelecer um precedente legal para sistemas judiciais de toda a América Latina. “O que a Corte [Interamericana] diz pode ter um grande impacto legal”, disse Wyatt Gjullin, da Earth Rights. “Isso se torna parte da legislação nacional dos estados-membros. Isso pode fortalecer os direitos das comunidades indígenas em toda a região”.