Todas as noites, homens Kisêdjê carregam cadeiras de plástico até o centro de um enorme pátio circundado pelas dezenas de ocas que compõem a aldeia Khikatxi. O período seco e a pouca luz criam um céu negro profundo e estrelado sobre o território indígena Wawi, a nordeste do Mato Grosso. Eles habitualmente se reúnem para tratar de assuntos da comunidade ou apenas divagar sobre o dia. Sentam-se em roda, sob o breu, que, vez ou outra, é cortado pela chama de um cigarro de palha ou a tela reluzente de um celular.
Naquela noite de fim de outubro, um visitante iniciou a conversa. O cacique Paulo Xavante chegara poucas horas antes de uma viagem de 400 quilômetros de outro território indígena. Sua missão era buscar sementes de pequi, fruta nativa do Cerrado que crescera curiosamente acima da média naquela área de transição do bioma savânico com a Amazônia.
Xavante planejava cultivar o pequi grande em uma agrofloresta, integrando plantas de valor econômico à mata nativa, como forma de gerar renda sem desmatar. Pressionado pela expansão das commodities no Mato Grosso, seu povo queria evitar se associar com fazendeiros para plantar soja, como outros xavantes fazem no território Sangradouro.
“Eu vim buscar pequi para nos alimentar e para comercializar, para favorecer nossa saúde e o ar que respiramos”, disse o xavante, de pé, para ouvintes sentados. “Sou contra o que estão fazendo em Sangradouro. Lá houve manipulação porque o fazendeiro toma 80% e o índio 20% [do faturamento da soja], e depois a terra fica destruída”.
A fronteira agrícola avança proficuamente em Mato Grosso. Em apenas uma década, a área plantada de soja cresceu mais de 50%, em grande parte ocupando pastagens degradadas e empurrando a pecuária mais a norte. Em 2021, o estado colheu mais de 35 milhões de toneladas, ou um quarto de toda a soja brasileira. Se fosse um país, Mato Grosso seria o quarto maior sojicultor no mundo, atrás do próprio Brasil, dos Estados Unidos e da Argentina. Mas além da soja, há 79 territórios indígenas no estado.
Fazendas já tocam as bordas do território Wawi. Embora esse limite não tenha sido ultrapassado, os Kisêdjê se sentem ameaçados pelos impactos da monocultura em sua terra e seu povo. Por isso, o cacique Kuiussi Suyá tomou uma decisão drástica em 2018: mudar toda a aldeia Khikatxi, onde vivem 380 pessoas, dez quilômetros para dentro da floresta amazônica. A reconstrução da aldeia continua até hoje.
Explosão da soja em Querência
Encontrei Kuiussi no posto de saúde indígena de Querência, um município de 17 mil quilômetros quadrados que engloba um centro urbano com 18 mil habitantes e o território Wawi. O cacique, que se recuperava de um problema cardíaco, disse que evita sempre que possível ir à cidade e contou ter crescido pescando no rio Pacas e correndo pela aldeia, antes de migrantes do Sul ocuparem a região nos anos 1980, estimulados pelo governo federal.
Querência se tornou o décimo maior município sojicultor do Brasil e está na rota do Arco Norte, um corredor viário que se tornou uma prioridade do agronegócio e também do governo de Jair Bolsonaro. O Arco Norte é um plano para impulsionar uma rede de ferrovias, hidrovias e rodovias para escoar grãos do Centro-Oeste pelos portos do Norte e Nordeste, barateando custos de exportações — o Brasil exporta em torno de 60% dos grãos de soja que produz, e 70% dos embarques vão para a China, segundo dados de comércio exterior.
Até agora, apenas empresas brasileiras ganharam os contratos, mas há a expectativa de que a China invista na logística do país. “A China começou a focar em toda a cadeia de produção agroalimentar, desde seu início na agricultura no país produtor até incluir logística, energia, portos, ferrovias, vários estágios de toda a cadeia de produção”, disse Yan Tian, do Instituto Ambiental Global, ONG com sede em Beijing.
O Arco Norte já é relevante na logística do agronegócio e deve se tornar ainda mais. “Em 2009, exportávamos cerca de sete milhões de toneladas [de grãos] pelo Arco Norte, e hoje são aproximadamente 42 milhões de toneladas. A tendência é continuar crescendo”, disse Elisangela Pereira Lopes, da Confederação da Agricultura e Pecuária, durante uma audiência pública no Senado em 2021.
Porém, a infraestrutura do agronegócio se expande rumo a áreas de alta vulnerabilidade socioambiental, segundo André Ferreira, diretor do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). “Identificamos 200 intervenções de infraestrutura logística propostas, previstas ou desejáveis pelo mercado na Amazônia, e isso reforça o movimento em direção aos portos do Arco Norte, numa área que é muito sensível”, afirmou Ferreira num webinar recente sobre rotas sustentáveis à China.
“Há um pensamento único do governo e de boa parte dos produtores de grãos, que é a saída pelo Arco Norte. Mas a sociedade precisa debater essa alternativa. Avaliar quais são as vantagens e desvantagens para o país, uma vez que é uma área sensível da Amazônia. Não só por causa do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa, mas também porque há comunidades indígenas ameaçadas por projetos de infraestrutura”, Ferreira acrescentou.
Querência é cortada pela BR-242, ou a “rota do grão”, uma das vias estratégicas do governo para o escoamento agrícola. No futuro, ela pode se somar às ferrovias Fico e Fiol no transporte de commodities pelo Arco Norte.
Às margens da BR-242, há extensas fazendas de soja coladas a florestas nativas. Em outubro, havia fogo em alguns trechos. Na floresta amazônica, os incêndios florestais não ocorrem naturalmente; eles servem ao manejo agropecuário ou ao desmatamento. Nos últimos anos, Querência conseguiu controlar a devastação florestal, mas o problema persiste, como mostram dados do Prodes.
Na chegada à Querência pela rodovia, o primeiro monumento visível é um silo que armazena grãos. Às margens da via, a concessionária não expõe carros de passeio, e sim tratores. Mais adiante, as lojas não são de itens de uso individual, mas de produtos e serviços agrícolas. Pelas ruas da cidade, transitam principalmente picapes empoeiradas.
O Portal do Xingu Business é um hotel sofisticado. Ele recebe funcionários de tradings de todo o Brasil e do exterior e está quase sempre lotado, segundo um recepcionista. Adiante, o Brisa Hotel, bem mais simples, recebe caminhoneiros que transportam as commodities — à noite, o vai e vem se intensifica, e uma fila de caminhões se forma.
Há barulho de obras por todos os lados. Construtoras erguem casas, condomínios e outros estabelecimentos para acomodar o crescimento do município com uma economia pujante, mas cuja riqueza é mal distribuída. Os preços são inflacionados, enquanto o saneamento e a gestão de resíduos, impróprios.
Há anos que o crescimento descontrolado da cidade e o avanço da monocultura angustiavam Kuiussi: “Eu pensei, pensei muito, sozinho dentro do mato… Até que avisei a minha decisão de mudar a aldeia de lugar. Todos concordaram”.
Aldeia se ergue do zero
Do centro urbano rumo ao território Wawi, o asfalto aveludado dá lugar a uma estrada de terra que cruza assentamentos de reforma agrária e lavouras cujas mudas de soja brotam do solo. Em meio às plantações, avistei troncos baixos e tortuosos típicos do Cerrado. À medida que me aproximava do destino a mais de cem quilômetros de distância, a vegetação ganhava contornos amazônicos. Árvores mais altas e corpulentas escondiam o interior da floresta de olhares curiosos.
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No percurso, cortei os 210 quilômetros quadrados da fazenda Agropecuária Rica até sua fronteira com o território Wawi. Em 2014, os donos do empreendimento chegaram a tentar expandir sua propriedade sobre a área indígena, mas a Justiça Federal negou o pedido. Hoje, os Kisêdjê dizem não haver invasão, mas denunciam que um avião monomotor pulveriza agrotóxico sobre a lavoura da Rica, em média três vezes por safra — e ele passa por cima do território. As informações de contato da fazenda no registro da Receita Federal são inválidas, e seus donos não foram encontrados para comentar o caso.
Com um mapa escrito à mão e sem conexão de internet, deixei a lavoura de soja da Rica e tomei uma estrada contornada pela mata. Depois de quase cinco quilômetros, uma construção de tijolos abandonada revelou minha localização. Aquela era a escola da antiga aldeia Khikatxi. Mais adentro, havia ruínas de ocas, mas ninguém à vista.
Dei meia volta e com a ajuda de empregados da fazenda Rica, encontrei finalmente a aldeia nova em construção.
No amplo e circular pátio de entrada, homens cobriam com fibra de buriti o teto da oca que servirá ao posto de saúde. Toras de madeira fincadas no chão de terra demarcavam onde ficará a nova escola, próxima a uma loja para a troca e venda de alimentos e bijuterias.
Uma construção de tijolos já abriga salas administrativas, cozinha comunitária e varanda com cadeiras escolares e quadro de giz. Além de escola improvisada, o centro recebe reuniões e é onde, intermitentemente, funciona a rede wifi. Por isso, vive movimentado.
No segundo pátio da aldeia, ocas que já abrigam famílias indígenas foram erguidas formando um amplo círculo. De resto, há pequenas roças, a floresta amazônica e o rio Pacas.
História de disputas territoriais
Uma antiga estrada aberta por pecuaristas antes de o território Wawi ser homologado, em 1998, foi o ponto de partida para a nova aldeia. “A gente começou a abrir a área a partir da estrada, com o apoio de máquinas da prefeitura. Os primeiros a chegar, em 2018, foram o cacique e alguns líderes. Depois, fizemos a marcação das casas”, contou Winti Suyá Kisêdjê, líder local.
Os indígenas ocupam ocas imponentes, erguidas à tradição Kisêdjê. Mas a construção da infraestrutura comunitária avança ao ritmo da disponibilidade de pessoal e recursos — próprios, do poder público e de organizações não-governamentais.
No passado, parte da floresta foi cortada para dar lugar a pastagens. Mas sem novos desmatamentos desde 1998, a mata secundária cresceu e se sobrepôs ao capim. Assim como a vegetação, os Kisêdjê preservam algumas de suas tradições seculares.
Após o amanhecer, a comunidade segue como em romaria para o rio Pacas. Os homens pescam matrinxãs e pacus e, com sorte, capturam jacarés para a refeição do dia. As mulheres usam troncos de árvores como bancadas para lavar utensílios e roupas, enquanto as crianças nadam ao seu redor.
Um silêncio tranquilo — interrompido apenas por pássaros, insetos e o curso d’água — dá a sensação de que eles sempre estiveram ali. Mas a recente mudança não foi nem a primeira.
Em meados do século 20, disputas por terras se intensificaram no Brasil central. Em 1961, o governo federal instituiu o Parque Nacional do Xingu, iniciativa sem precedentes que demandou uma década de esforços dos indígenas xinguanos e irmãos Villas Bôas — sertanistas que, nos anos 1940, lideraram uma expedição oficial para mapear o país, mas que deixaram a missão para se estabelecer no Mato Grosso.
Com a fundação do parque nacional, vários povos que viviam fora do território precisaram se mudar para a área recém-protegida, entre eles os Kisêdjê. Havia crescentes pressões de exploradores e governantes para abrir pistas de pouso, pastagens e vilas no Mato Grosso, que depois se tornaram cidades populosas e grandes lavouras.
Mas os Kisêdjê, assim como vários grupos indígenas, têm forte conexão com seus territórios. A antropóloga Marcela Stockler, escreveu que aldeias, roças, trilhas, cursos d’água são “nomeados segundo os eventos e encontros que ali tiveram lugar — onde nasceu tal ancestral, onde inimigos capturaram fulano, onde uma certa presa foi capturada”. A história kisêdjê se constrói a partir do espaço ocupado por seu povo.
Winti conta que seus antepassados não esqueceram a terra deixada para trás. “Eles vinham todo ano até a aldeia velha. Remavam dois dias de canoa para chegar”, ele narrou. “Mas, numa vez, quando chegaram, estava tudo derrubado. Já tinha até pista de pouso”.
Após anos de conflitos e pressões junto ao governo, os Kisêdjê retornaram à antiga aldeia em 1973. E ali ficaram até recentemente quando novas tensões começaram a inquietá-los.
‘O problema hoje é outro’
Era antes de meio dia, mas um sol enceguecedor e um calor escaldante já incomodavam os homens Kisêdjê em trajes típicos que se reuniam sob uma choupana. “Teve briga [com fazendeiros] na retomada da nossa terra no passado, mas quero contar de hoje. O problema hoje é outro”, disse Yaiku Suyá.
Em vez de disputas territoriais, são os impactos de longo prazo da ocupação desenfreada que atualmente ameaçam o modo de vida do povo. Khikatxi é a maior das sete aldeias do território ocupado por 608 pessoas, que se mantêm da pesca e caça legalizadas, de pequenas lavouras de mandioca, batata e cana-de-açúcar e da coleta de frutas nativas.
“A chuva às vezes atrasa, e a planta morre de calor”, contou o técnico agrícola Yaiku, acrescentando que as tempestades e ventos estão mais fortes e chegam a derrubar lavouras. “Em volta do território, repare, está tudo desmatado. Não tem mata para segurar o vento e a água. A gente reza ao espírito para desviar a chuva forte”.
A intensificação de eventos climáticos extremos está descrita no mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Segundo o texto produzido por cientistas do clima de todo o mundo, a Amazônia é altamente vulnerável.
O uso de pesticidas também tem sérias implicações tanto para o meio ambiente quanto para a saúde humana. “Eu via a comida não crescer mais como crescia na terra, eu via o corpo mudando, tinha coceira e diarreia nas pessoas”, disse o cacique Kuiussi.
Yaiku lembra que, na antiga aldeia, havia preocupação com a alimentação: “Conheço o manejo da roça e reparei que surgiram novas pragas”. Lagartas, formigas graúdas e porcos do mato se multiplicaram. “Com o avanço da soja, a roça começou a enfraquecer. Tem menos variedade de sementes, e o veneno mata as plantas”, disse.
Em volta do território, repare, está tudo desmatado. Não tem mata para segurar o vento e a água. A gente reza ao espírito para desviar a chuva forte
As nascentes ficaram turvas e poluídas, disse Yaiku. A água para consumo precisa vir de poços artesianos, e às vezes falta. A oferta de peixes diminuiu, e os animais de caça, como a anta e o tamanduá, têm cheiro de agrotóxico, ele acrescentou. “A carne até mudou de cor e não tem mais gosto. Os animais estão todos consumindo a soja”.
Estudos comprovam a contaminação das águas da bacia do Xingu, incluindo o rio Pacas, cujas nascentes ficam fora da reserva. Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo detectou resíduos de agrotóxicos provenientes da agricultura. Outro trabalho da Universidade de Brasília percebeu o assoreamento do rio Pacas onde matas ciliares haviam sido desmatadas e encontrou contaminantes em áreas adjacentes a lavouras. A Universidade de São Paulo apontou o desequilíbrio em populações de peixes da bacia do alto Xingu.
Também já existem evidências mostrando efeitos agudos da exposição a agrotóxicos, como irritações de pele, vômito e diarreia. Gestantes, crianças e adolescentes são do grupo de risco. E animais também acabam envenenados.
Mas a mudança de aldeia renovou as esperanças. “Fizemos a primeira roça e ficamos animados. A terra é boa, não precisamos combater pragas. Está mais seguro”, disse Yaiku.
Desafios da economia da floresta
Manter a terra saudável é importante para o extrativismo de espécies nativas, uma prática que conecta os indígenas com seu ambiente — e com potenciais mercados de produtos sustentáveis fora do território.
Os Kisêdjê coletam entre 600 e 800 quilos de mel por ano, que se somam à produção de outras etnias e integram o Mel dos Índios do Xingu. Foi a primeira marca indígena a ter aprovação de venda no país, em 2001.
O processamento do óleo de pequi orgânico, que os próprios Kisêdjê criaram, rendeu-lhes o Prêmio Equatorial, da ONU, em 2019. A distinção é oferecida a soluções comunitárias inovadoras de desenvolvimento sustentável.
A coleta do pequi é um ritual que envolve toda a comunidade, principalmente as mulheres. As árvores maiores estão próximas à aldeia antiga, plantadas há décadas para recuperar pastagens degradadas. Mas sementes já estão sendo dispersas nos arredores da nova aldeia.
“A gente mudou para longe para ter tranquilidade. Ficando aqui, temos que pensar no futuro das crianças”, disse a matriarca Wekoí Suyá, com ajuda de tradução. “Mas acreditamos que vai ter muito pequi, que vai ser suficiente para comercializá-lo”.
A produção do óleo de pequi enfrenta vários desafios. O processamento atingiu 400 litros ao ano, mas foi interrompido pela pandemia. Estabelecimentos do Brasil e exterior têm dificuldades de vendê-los.
A americana Culinary Culture Connections importa produtos sustentáveis da América Latina, incluindo o óleo de pequi. Seu cofundador, o antropólogo Gregory Prang, trabalhou com etnias do Brasil e quer estimular a economia da floresta. Prang diz que o óleo “é muito gostoso” em moquecas, mas tem poucos adeptos em solo americano.
“O pequi é pouco conhecido aqui e me falta orçamento de marketing para promover o produto”, diz o antropólogo. “A cada ano, tenho que jogar metade fora. É caro comprar e demorado importar”.
Na última remessa, a empresa encomendou cem potes de 180ml, que levaram seis meses para chegar ao destino. O produto tem prazo de validade de um ano. Inicialmente vendido a US$ 20, o pote agora custa US$ 7,50 no site.
Prang questiona se a bioeconomia — um tema de crescente debate sobre como os povos amazônicos podem gerar renda mantendo a floresta de pé — pode de fato prosperar. Após realizar uma pesquisa com mais de mil famílias latino-americanas sobre decisões de compra, ele entendeu que pouca gente está interessada em pagar mais pela sustentabilidade.
“É igual em outras partes do mundo. Há uma tendência de se evangelizar sobre o comércio justo, mas a maioria das pessoas, na realidade, não pensa nisso”, acrescentou.
Acordos com a cadeia de supermercados Pão de Açúcar e o chef Alex Atala para a compra do óleo de pequi foram interrompidos, informaram suas assessorias de imprensa, sem dar detalhes.
Um estudo do projeto Amazônia 2030 mostra que a soja é o principal produto de exportação da região e gerou US$ 9,8 bilhões em receitas entre 2017 e 2019. Enquanto isso, no mesmo período, a exportação dos produtos da bioeconomia amazônica gerou US$ 298 milhões — 2% do da soja. O volume de óleo de pequi exportado é tão pequeno que não consta dos dados.
O apoio estatal para produtos sustentáveis também é desproporcionalmente baixo. Entre 2019 e 2020, o governo executou R$ 2 bilhões em crédito para pequenos e médios produtores da Amazônia. Desses, R$ 55 milhões foram para atividades sustentáveis. O restante foi para a agroindústria, principalmente para a produção de grãos e carne bovina, segundo relatório da organização Conexsus.
Ainda assim, os Kisêdjê têm no extrativismo sua principal atividade. Wekoí Suyá disse que as mulheres encamparam o plantio das frutas urucum e muruci. E este ano, a aldeia construirá uma instalação para o processamento do óleo de pequi. “Estamos sempre pensando em quem vem depois de nós”, comentou Suyá.
Ciclo de desmatamento recomeça
Na última manhã em que estive na aldeia Khikatxi, Winti me levou mais ao norte às margens do rio Pacas, que marca o limite do território Wawi. Da outra margem, havia uma imensidão de floresta nativa, ao contrário da porção sul do território, que está repleta de fazendas. Mesmo ali, no entanto, havia desmatamento ao longe.
Aquela é uma área de impacto do território indígena, onde agricultura, pecuária e extração madeireira são proibidos. Autoridades ambientais confirmaram que havia desmatamento ilegal e multaram os responsáveis no ano passado. A atividade, desde então, arrefeceu, diz Winti.
De um lado do território, as fazendas de soja colaram tanto em suas bordas que levaram os indígenas a se deslocar. A coexistência se tornou incompatível. Do outro, o processo de ocupação da floresta amazônica recomeça. “A que velocidade? Vamos ficar encurralados? Teremos que nos mudar de novo? Para onde? Essa terra tem limites”, disse Winti.
Lívia Machado Costa contribuiu com a reportagem.