Guarantã do Norte é um município rural ao norte de Mato Grosso que tem 36 mil habitantes e 245 mil cabeças de gado, segundo o IBGE. Com seis bois para cada morador, as pastagens já tomaram quase metade da cidade fundada há 40 anos por imigrantes que atenderam ao chamado do governo militar para ocupar a Amazônia.
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Este artigo é um resumo do segundo episódio de Amazônia Ocupada, uma nova série de podcast do Diálogo Chino.
Vista do alto, Guarantã seria como um mosaico bem dividido entre verde e marrom: floresta nativa e campos desmatados. Com o tempo, a tendência é que ele siga o caminho de municípios rurais mais ao sul do estado, onde a ocupação e a exploração começaram alguns anos antes — como em Sinop, o epicentro da soja brasileira, que tem pouco mais de um terço de sua cobertura florestal original.
Ambas as cidades surgiram às margens da BR-163, uma rodovia que corta o país de norte a sul. A estrada, construída pelos militares para incentivar a colonização da região, se tornou um eixo viário fundamental na distribuição de commodities agrícolas para o Brasil e o mercado externo. Ela funciona como a bússola da fronteira agrícola que foi abrindo caminhos rumo ao norte pela floresta tropical.
Essas terras são aquelas sem status de proteção legal, como um território indígena, ou que não foram destinadas a um assentamento rural, por exemplo. Assim, elas se tornam os principais alvos do desmatamento ilegal da Amazônia, especialmente onde a fronteira agrícola avança.
“A área é desmatada, os resquícios dessa floresta são queimados, e aí tem todo um tratamento daquele solo para poder dar vazão à cultura do capim para o gado. E aí o gado entra”, explica Jefferson Almeida, advogado e pesquisador-assistente do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). “O gado entra, e a tendência é cada vez mais avançar para áreas que tem floresta ainda. E com isso esse ciclo é contínuo, né? A gente vê num looping de desmatamento para colocar boi”.
A pecuária, e seu desenvolvimento até se tornar o principal motor do desmatamento do bioma, é explicado no segundo episódio, lançado nesta segunda-feira (19), do podcast Amazônia Ocupada, uma produção do Diálogo Chino com a Trovão Mídia. Em cinco episódios, mostramos como a maior e mais famosa floresta do mundo foi colonizada visando à exploração agropecuária.
A segunda parada do podcast, portanto, é Guarantã do Norte, onde a atividade-chefe é a pecuária de corte e leiteira. Lá, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) dividiu o território em pequenos lotes no início dos anos 1980, com a ideia de acomodar pequenos agricultores e suas famílias para impulsionar a agricultura familiar.
Se por um lado, a falta de títulos provoca insegurança jurídica e conflitos locais, por outro, ela também é um fator que explica a expansão profícua da pecuária pela Amazônia: as terras são mais baratas e acessíveis, ainda que ilegais. O risco, para muitos, vale a pena.
Isso porque a cadeia produtiva da pecuária é ampla e diversificada, e os abatedouros não conseguem controlar todos seus fornecedores. Em regiões não muito longe de Guarantã, grileiros invadem áreas de conservação, desmatam a terra e, para driblar a fiscalização, transferem cabeças de gado para uma terra legalizada. Essa estratégia ganhou o nome de lavagem ou esquentamento de gado.
“O pequeno vende o seu gado para um atravessador, que vai comprando de todo mundo para vender para um frigorífico”, explica Valter Neves de Moura, vereador de Guarantã do Norte e militante do movimento sindical de agricultores familiares.
Assim, mesmo que o gado tenha sido criado em áreas com uma situação fundiária irregular ou até com desmatamento ilegal, ele chega ao abatedouro com um verniz de legalidade, diz Moura: “[A carne] sai de maneira legal e vai embora [para os mercados]”.
“É bem mais prático eu ter gado do que mexer com lavoura”, resume Lucas Pinheiro, um pequeno pecuarista de Guarantã. “Para começar no mercado da lavoura, você tem que ter disponibilizado uns R$ 4 ou 5 milhões. Precisa de trator, de colheitadeira… É um investimento bem alto… Mas com esse dinheiro, você compra mais um pedaço bom de terra e põe mais cabeça de gado em cima”.
Pinheiro diz ainda que o retorno da pecuária é mais garantido, seja com a venda do leite ou do gado para o frigorífico.
Essa situação favorável, no entanto, pode ter prazo de validade. Assim como outros municípios da fronteira agrícola da Amazônia, a terra começa a ser disputada, os preços aumentam, e a especulação empurra os pequenos produtores rumo ao norte. “O agronegócio chega e nos expulsa. Ele vai comprando, comprando, comprando, não tem como alguém ficar sozinho lá junto com ele”, diz Moura.
Essa expansão atinge não só os pequenos agricultores e pecuaristas como também aqueles que têm seus territórios protegidos por lei: os indígenas que vivem na Terra Indígena Panará, no limite do município. “Hoje a gente está enfrentando dificuldade com fazendeiro encostando na terra indígena”, conta Krekreansã Panará.
Ouça aqui o segundo episódio de Amazônia Ocupada, ou ouça na Apple, Amazon ou Deezer. O terceiro episódio e o artigo que o acompanha serão lançados na quinta-feira (22).