Água

Documentário expõe impactos socioambientais de comércio no rio Paraná

Cineastas percorrem trecho argentino do rio Paraná para entender impactos a ribeirinhos de tráfego de commodities destinadas à exportação
<p>Rio Paraná na Tríplice Fronteira entre Presidente Franco, no Paraguai, Foz do Iguaçu, no Brasil, e Puerto Iguazú, na Argentina. O rio forma uma hidrovia fundamental para o comércio exterior desses três países (Imagem: Jan Schneckenhaus / Alamy)</p>

Rio Paraná na Tríplice Fronteira entre Presidente Franco, no Paraguai, Foz do Iguaçu, no Brasil, e Puerto Iguazú, na Argentina. O rio forma uma hidrovia fundamental para o comércio exterior desses três países (Imagem: Jan Schneckenhaus / Alamy)

No documentário Pelo Paraná: a disputa por um rio, o cineasta argentino Alejo Di Risio, especializado em temas ambientais, e seu colega Franco González retrataram o lado mais humano de uma das maiores rotas comerciais da América do Sul: o impacto da hidrovia Paraná-Paraguai em ribeirinhos locais. 

“Hidrovia não é o termo usado por quem mora perto do rio”, explica Di Risio. “São as pessoas em cima dos navios, sem notar o que há embaixo delas, que o chamam assim”.

Com mais de 3,4 mil quilômetros de extensão nos rios Paraguai, Paraná e La Plata, a hidrovia atravessa regiões importantes para a agricultura de Bolívia, Brasil, Paraguai e Argentina, facilitando o comércio entre esses países e abrindo uma rota de exportação para o resto do mundo.

Quando se fala nessa gigantesca hidrovia, é comum ouvir que, a cada ano, passam por ela cerca de cem milhões de toneladas de mercadorias para exportação. Mas os impactos socioambientais desse fluxo comercial têm sido negligenciados, dizem Di Risio e González.

Em 2021, os dois diretores percorreram o rio Paraná para entender como a população ribeirinha da região teve sua vida modificada pela hidrovia. O resultado desse trabalho é o documentário que estreou na semana passada na Argentina.

A industrialização da hidrovia Paraná-Paraguai começou em meados dos anos 1990, com a chegada de concessionárias privadas e das alterações nos leitos do rio para aumentar sua largura e profundidade. O objetivo era maximizar o fluxo de cargas e permitir a passagem de navios de grande porte.

Por quase 20 anos, o controle da hidrovia no lado argentino esteve nas mãos de duas empresas: a argentina Emepa e a belga Jan de Nul. Em nome dos lucros e do progresso econômico, atividades tradicionais como a pesca artesanal foram ignoradas. Impactos ambientais também foram vistos nas áreas pantanosas do rio — situação há muito tempo negligenciada por empresas e governos, diz Di Risio.

O custo do progresso

Um dos protagonistas do documentário é Julio Cardozo, de 48 anos, pescador desde os 11 em Ramallo, município às margens do rio Paraná, na divisa entre as províncias argentinas de Buenos Aires e Santa Fé. Em conversa com o Dialogue Earth, ele conta como o rio e as ilhas próximas têm sido transformados desde sua infância.

Cardozo diz que, na década de 1990, centenas de portos privados começaram a surgir nas margens do rio, impedindo que pescadores como ele pudesse atracar: “Desde aquela época, estão nos expulsando. Nunca conversaram com o setor de pesca artesanal. E agora não podemos chegar nem a 200 metros dos portos”.

Conforme o pescador, a dragagem do rio destruiu vários locais de desova de peixes. Além disso, o contínuo fluxo de grandes navios gera ondas que aceleram a erosão das encostas: “Passa um desses por aqui a cada hora ou a cada meia hora — às vezes três ou quatro juntos”.

O economista Sergio Arelovich, outro protagonista do documentário, também fala sobre as mudanças provocadas pela hidrovia no formato do rio e de suas ilhas. Durante o processo de privatização, diz ele, a frota estatal de dragagem foi abandonada. Isso abriu a porta para empresas que, segundo ele, não seguiram as normas adequadamente. “Elas causaram danos irreparáveis à área costeira e alteraram o equilíbrio das espécies vegetais e animais”, acrescenta. 

Para agravar ainda mais a situação, a Argentina foi atingida por uma grave seca provocada pelo fenômeno climático La Niña entre 2020 e 2023. “Isso afetou a colheita e reduziu os fluxos do rio Paraná, diminuindo o volume transportado”, diz Arelovich.  

Mas, para Di Risio, os impactos mais severos da seca foram sentidos pelos pescadores e moradores das ilhas: “Durante a filmagem, o rio atingiu os níveis de água mais baixos dos últimos 70 anos”. 

O diretor viu de perto as dificuldades impostas pela seca e pelas modificações na hidrovia para o deslocamento de pescadores.

Embarcação viaja pela hidrovia Tietê-Paraná, em São Paulo
Embarcação viaja pela hidrovia Tietê-Paraná, em São Paulo. Assim como o Paraguai e a Argentina, alguns estados do Brasil também usam o rio Paraná para escoar sua produção (Imagem: Jose Renato Slompo / Alamy)

O futuro da hidrovia

Em 2021, a concessão para a gestão da hidrovia Paraná-Paraguai chegou ao fim, e o governo do então presidente Alberto Fernández anunciou que abriria uma nova licitação. Mas isso não aconteceu, e a administração ficou provisoriamente nas mãos do Estado argentino. 

O novo presidente, Javier Milei, prometeu avançar com a nova concessão. Em 30 de abril, Mariano Mirotti, secretário de Concessões no Departamento Nacional de Infraestrutura, confirmou que uma licitação internacional será lançada em breve. 

O objetivo da nova concessão é, em parte, aumentar a profundidade dos canais do rio Paraná para permitir que embarcações ainda maiores cheguem aos portos de Santa Fé.

Nos últimos anos, cinco empresas manifestaram interesse na concessão: as belgas Dredging International e, mais uma vez, a Jan de Nul; as holandesas Boskalis e Van Oord; e a chinesa Shanghai Dredging — subsidiária da China Communications Construction Company (CCCC), à frente de mais de 50 megaprojetos de infraestrutura na América Latina. 

Nos últimos anos, a China virou o principal comprador de soja e carne argentinas. Em 2022, 92% da soja e 57% da carne exportadas pela Argentina foram enviadas ao país asiático.

Para o economista Sergio Arelovich, o futuro da hidrovia é, na verdade, uma volta ao passado de privatização da hidrovia, como se viu na década de 1990. “Não industrializaram nada, apenas exportaram 100% do que extraíram”, diz. “No governo de Javier Milei, não vejo nenhum plano de regulamentação dessas atividades, exceto para garantir a reprodução desse mesmo modelo de negócios”.

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