Alimentos

Sojicultores argentinos defendem rastreabilidade contra desmatamento

Empresas e associações intensificam esforços para aumentar transparência e práticas sustentáveis na cadeia da soja em meio a mercados cada vez mais exigentes
<p>Trabalhador observa grãos de soja em uma fazenda em Firmat, na província de Santa Fé, Argentina (Imagem: Patricio Murphy / Alamy)</p>

Trabalhador observa grãos de soja em uma fazenda em Firmat, na província de Santa Fé, Argentina (Imagem: Patricio Murphy / Alamy)

Produtores e traders de soja na Argentina estão desenvolvendo sistemas de rastreabilidade para garantir que seus produtos provenham exclusivamente de áreas livres de desmatamento. Os esforços crescem em meio a regulamentações cada vez mais exigentes nos mercados de exportação, como ocorre na União Europeia (UE). Aumenta também a pressão social para a produção sustentável de alimentos.

A soja é uma das maiores fontes de proteína do mundo, com seus grãos e subprodutos utilizados principalmente como ração animal. É também uma cultura-chave e uma grande fonte de divisas para a Argentina, terceiro maior produtor mundial, atrás apenas dos Estados Unidos e do Brasil.

Embora o cultivo de soja na Argentina remonte ao início do século 20, sua expansão ocorreu nas últimas décadas. Enquanto a safra de 1971-1972 teve 80 mil hectares de soja plantados, dez anos mais tarde foram dois milhões de hectares. Já em 2007-2008, a produção chegou a 16 milhões de hectares de soja, na época com recordes de preços.

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A tendência foi acompanhada por um intenso processo de mudança no uso da terra que incluiu a perda de florestas, especialmente no bioma Gran Chaco, que se estende pelo norte da Argentina e outros países. Esse ecossistema, segunda maior floresta da América do Sul depois da Amazônia, é uma das 24 maiores “fronteiras de desmatamento” do mundo, segundo a WWF. 

Só o norte da Argentina perdeu mais de 110 mil hectares de floresta em 2021, segundo um relatório do Greenpeace. Hernán Giardini, coordenador da campanha florestal da organização na Argentina, disse ao Dialogue Earth que cerca da metade de todo o desmatamento no país é ilegal — realizado em áreas proibidas ou com “licenças frouxas”.

Avançar com sistemas de rastreabilidade para garantir que a soja não esteja ligada ao desmatamento seria, portanto, fundamental, defende Giardini. Mas ele alerta que longas e complexas cadeias de produção — bem como a mistura de soja de diferentes fontes nos portos exportadores — tornam os produtos ilegais difíceis de rastrear.

Resposta a mercados mais exigentes

A Argentina e outras grandes produtoras agrícolas na América do Sul enfrentam a urgência de avançar com a rastreabilidade, em resposta às novas demandas da Europa, um de seus principais mercados compradores. Em dezembro, legisladores da UE chegaram a um acordo visando assegurar que todos os produtos vendidos para a região sejam livres de desmatamento.

“A Europa está avançando rapidamente com restrições às importações de produtos que são hoje os grandes motores do desmatamento global: soja, carne, cacau e outros”, observa Giardini, que espera que os Estados Unidos e a China sigam o exemplo. “Se os países sul-americanos querem manter seu modelo agroexportador, o desmatamento é a principal questão a ser resolvida a curto prazo”.

Se a Europa começar, os Estados Unidos e o Reino Unido vão acompanhar, e depois a China, a Índia e quase todos os compradores

Gustavo Idigoras, presidente da Câmara Argentina da Indústria de Óleo Vegetal (Ciara, em espanhol), faz o mesmo diagnóstico, lamentando a falta de ação prévia dos produtores: “Os mercados nos deram a oportunidade de desenvolver programas de rastreabilidade como parte de um nicho comercial, mas agora isso está virando uma condição de produção e acesso a esses mercados; é uma mudança transformadora”.

“Até agora, podíamos decidir se faríamos algo a respeito ou não, mas isso não será mais assim. Se a Europa começar, os Estados Unidos e o Reino Unido vão acompanhar, e depois a China, a Índia e quase todos os compradores”, acrescenta.

Várias iniciativas de rastreabilidade agrícola já estão em andamento na Argentina, tanto por parte de empresas individuais quanto por entidades setoriais.

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Um projeto em pequena escala é a cooperação entre a plataforma Ucrop.it, que tem um app de rastreio de colheitas, e a trader Viterra Argentina, que oferece aos produtores melhores preços se eles publicarem seus dados de produção no app desde a semeadura até a colheita.

Em outro caso, a multinacional e processadora de soja Louis Dreyfus Company assumiu compromissos para aumentar sua produção de soja sustentável na Argentina. Na safra de 2020-2021, ela conseguiu certificar que 77% da soja do complexo industrial em General Lagos, em Rosário – um dos maiores do mundo – é “sustentável”. Ou seja, foi produzida em terras que não foram desmatadas desde 2008.

Também há iniciativas de agricultura sustentável no Gran Chaco financiadas pela Land Innovation Foundation (LIF), um fundo criado pela multinacional Cargill para buscar soluções contra o desmatamento. “Nosso objetivo é promover e apoiar soluções inovadoras para alcançar uma cadeia de produção de soja livre de desmatamento e neutra em carbono”, diz Carlos Quintela, diretor do fundo. Porém, nos últimos anos, a Cargill tem enfrentado várias acusações de manter ligações com o desmatamento e incêndios florestais, inclusive na região do Gran Chaco.

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Um projeto com financiamento da LIF é desenvolvido por associações sojicultoras e trabalha com cem pequenos e médios agricultores em 250 mil hectares no Chaco, monitorando e promovendo práticas sustentáveis para impulsionar a produção em suas terras, assim como restaurar solos degradados.

Federico Fritz, especialista em desenvolvimento sustentável da Associação Argentina de Consórcios Regionais de Experimentação Agrícola (Aacrea), uma das entidades envolvidas no projeto, acredita que devem ter uma avaliação mais precisa da iniciativa até 2024, quando já terão identificado as práticas de produção sustentável mais bem-sucedidas no Chaco.

Outro projeto financiado pela LIF é desenvolvido pela fundação argentina ProYungas, junto a outra associação do setor. Com duração de três anos, o trabalho em três fazendas do Gran Chaco visa fortalecer a cooperação entre agricultores e organizações para apoiar as melhores práticas, a conservação e restauração da vegetação nativa em áreas de cultivo de soja. “Estamos buscando uma gestão da terra em grande escala e trabalhando para medir a pegada de carbono de toda a cadeia da soja”, diz Sebastián Malizia, diretor-executivo da ProYungas.

Plataforma de monitoramento

A LIF também financia um projeto da Ciara chamado Visec, uma plataforma de monitoramento da cadeia da soja na Argentina. A ferramenta combina dados de sistemas públicos e privados para rastrear o plantio em áreas prioritárias de conservação no Gran Chaco – e, em última instância, conter o desmatamento.

Lançado em maio de 2022, o Visec vai reunir dados de toda a soja comercializada na Argentina em uma plataforma unificada, com base em vários parâmetros e exigências relevantes de sustentabilidade socioambiental. A iniciativa exigirá a participação de toda a cadeia de fornecimento, desde agricultores e traders até comunidades vizinhas, criando um banco de dados transparente e acessível ao público.

A rastreabilidade deve ser uma ação coletiva conduzida em consenso

Para Idigoras, presidente da Ciara, o programa vai além das iniciativas individuais de algumas empresas e avança rumo a uma certificação de desmatamento zero para toda a cadeia da soja argentina. “Trabalhamos três anos nesta plataforma, falamos com as organizações que representam 80 mil produtores, traders, distribuidores e cooperativas de soja da Argentina. Estamos convencidos de que essa deve ser uma ação coletiva conduzida em consenso”, acrescenta.

O desafio está em implementar um sistema para atender às demandas do mercado e oferecer “garantias reais e eficazes” de rastreabilidade e transparência, diz Idigoras, que almeja deixar as exportações de óleo de soja, farelo e grãos 100% livres de desmatamento: “A porcentagem de soja proveniente do desmatamento ilegal é inferior a 5% da produção anual, o que é baixo em comparação com outros países. Queremos chegar a zero – é para isso que vamos trabalhar”.