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Gran Chaco: bioma pode fornecer alimentos e conter desmatamento?

Novo programa da Tropical Forest Alliance trabalha com agricultores da vasta região de floresta seca da América do Sul para incorporar critérios de sustentabilidade na produção de soja e carne bovina
<p>Floresta desmatada na província de Chaco, Argentina. Estima-se que 25% do Gran Chaco no território argentino tenha sido desmatado para a agricultura, a maior parte nos últimos 20 anos. (Imagem: Martin Katz / Greenpeace)</p>

Floresta desmatada na província de Chaco, Argentina. Estima-se que 25% do Gran Chaco no território argentino tenha sido desmatado para a agricultura, a maior parte nos últimos 20 anos. (Imagem: Martin Katz / Greenpeace)

A floresta do Gran Chaco, segunda maior da América do Sul depois da amazônica, guarda rica biodiversidade que se expande por mais de um milhão de quilômetros quadrados, passando por Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil — principalmente no Mato Grosso do Sul. Hoje, no entanto, o bioma disputa espaço com a expansão da soja e carne bovina.

Por isso, a Tropical Forest Alliance (TFA) — um grupo que reúne membros de governos, empresas e organizações da sociedade civil — apresentou um novo plano para aumentar a rastreabilidade das cadeias produtivas e controlar o crescente desmatamento no Chaco.

O projeto começou por Argentina e Paraguai, com a realização de mesas redondas de carnes sustentáveis para identificar os principais atores e programas envolvidos nessas cadeias de produção. Agora, o desafio é entregar novas estratégias de curto e longo prazo.

“Estamos trabalhando com o objetivo comum de melhorar as condições de sustentabilidade e reduzir ou erradicar o desmatamento associado à produção”, disse Fabiola Zerbini, diretora da TFA para a América Latina. Ela acrescenta que o plano deve ser executado de forma não onerosa, sem impactos sociais negativos e sem inibir o desenvolvimento econômico regional.

Você sabia?


Quase quatro milhões de pessoas vivem no Gran Chaco, 8% delas pertencem a comunidades indígenas que dependem da biodiversidade da região

Para Zerbini, a melhoria dos padrões na produção de soja e carne bovina não é apenas uma preocupação ambiental, mas também uma escolha comercial. Ela acrescenta que critérios ambientais cada vez mais rigorosos nos principais mercados globais de exportação são um desafio para produtores, que precisam de apoio para uma transição sustentável.

Por esta razão, a TFA busca alavancar o financiamento de que esses produtores precisam, como tem feito em outros programas na América Latina. Para Zerbini, a abordagem da sustentabilidade no setor tem que ser “progressiva e inteligente”, assim como devidamente planejada e financiada. “O custo tem que ser compartilhado, e um programa de rastreabilidade custa dinheiro”, acrescenta.

TFA desembarca no Brasil

A TFA chegou à América Latina há cinco anos e deu seus primeiros passos no Brasil antes de se expandir para a Colômbia e o Peru.

Na Colômbia, a TFA idealizou e coordenou duas parcerias público-privadas entre atores nacionais e globais das cadeias de óleo de palma e cacau. Enquanto isso, no Brasil, desenvolveu planos para conter o desmatamento nos estados do Pará, Mato Grosso e Maranhão. No Peru, uma coalizão de parceiros tem trabalhado com café e cacau.

Colômbia, Peru e Brasil, por exemplo, sediaram os chamados Diálogos do Cacau, com o objetivo de construir uma marca de cacau sustentável que remunere produtores com um valor mais alto do que o habitual.

“Estamos num momento de discussão de um novo paradigma de relações globais, em que a questão ambiental é central. Isto exige mudanças na produção”, afirma Zerbini. “Temos capital político, tecnológico e social na América Latina sobre como ter agricultura e conservação. Nós sabemos como fazer isso. O que está faltando é quem paga a conta”.

Pecuaristas precisam aprender sobre sustentabilidade. Não somos apenas criadores de gado, somos produtores de alimentos

No Paraguai e na Argentina, Zerbini se reuniu com dezenas de agricultores que, segundo ela, têm esse poder político e econômico necessário. Mas, embora uma abordagem de cima para baixo possa ter funcionado no passado, ela avalia que políticas impostas e não acordadas pelos governos não fazem mais sentido.

“Pecuaristas precisam aprender sobre sustentabilidade. Não somos apenas criadores de gado, somos produtores de alimentos. E isto tem que ser feito de forma sustentável”, disse Carlos Pedretti, dono da empresa paraguaia de carne bovina Ganadera Alborada. “Estou interessado em entender tudo isso e ajudar com meus esforços e os da minha empresa”.

Gustavo Idigoras, presidente da Câmara da Indústria do Petróleo da República Argentina, argumentou que a pandemia da Covid-19 provocou uma mudança profunda na maneira como pensamos sobre a produção de alimentos — e para melhor: “Estamos assistindo a uma transformação do setor, com base em critérios ambientais e na economia circular”.

Povo e biodiversidade do Gran Chaco

Quase quatro milhões de pessoas vivem no Gran Chaco, 8% delas pertencem a comunidades indígenas que dependem da biodiversidade da região. Segundo a WWF, mais de 3.400 espécies de plantas, 500 de aves, 150 de mamíferos e 220 de répteis e anfíbios habitam a floresta.

Estima-se que 25% do Gran Chaco no território argentino tenha sido desmatado para a agricultura, a maior parte nos últimos 20 anos. A situação é tão crítica quanto a vivida pela floresta amazônica. Organizações ambientais temem que a crescente demanda mundial por alimentos leve à expansão ainda maior da fronteira agrícola sobre biomas sensíveis.

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Cerca de 25% do Gran Chaco no território argentino foi desmatado para a agricultura, a maior parte nos últimos 20 anos

“O produtor argentino tem que ver o Chaco como uma oportunidade e não como um problema. Temos que ter números, linhas de base, e isso está muito longe [de acontecer]. Precisamos de uma visão comum e com isso precisamos criar algo novo ou apoiar o que já existe”, diz Daniel Kazimierski, assessor da TFA para o programa do Chaco na Argentina.

Como a TFA, outras organizações ambientais internacionais também se voltaram para o Gran Chaco nos últimos anos, tais como The Nature Conservancy e WWF.  Enquanto isso, o próprio setor agrícola tem promovido seus compromissos, como o programa de carbono neutro da Argentina.

A recente conferência sobre mudanças climáticas da COP26 também reconheceu a importância do Gran Chaco para a produção de alimentos respeitando-se a floresta. Um grupo de instituições financeiras e empresas agroindustriais anunciou um compromisso de US$ 3 bilhões para apoiar a produção de soja e carne bovina sem desmatamento do Chaco, do Cerrado e da Amazônia.

“Estamos otimistas em ver como os produtores e instituições da região do Chaco estão se comprometendo a inovar e criar soluções locais que contribuam para adotar a sustentabilidade em seus sistemas de produção”, disse Felipe Carazo, chefe de engajamento do setor público da TFA, acrescentando que ele espera que a organização desempenhe um papel de liderança no processo.