Alimentos

Pecuária ‘zero líquida’: como reduzir emissões na América Latina

Mudanças na produção e nas dietas podem ajudar o setor rumo à neutralidade de carbono
<p>Gado em uma fazenda da Estância Caldenes, na Argentina, onde a produção seria &#8220;positiva em carbono&#8221;. Um novo estudo diz que mudanças na produção e na dieta podem reduzir as emissões da pecuária na América Latina (Imagem: Divulgação / Estancia Caldenes)</p>

Gado em uma fazenda da Estância Caldenes, na Argentina, onde a produção seria “positiva em carbono”. Um novo estudo diz que mudanças na produção e na dieta podem reduzir as emissões da pecuária na América Latina (Imagem: Divulgação / Estancia Caldenes)

“Criamos gado no ambiente que temos disponível, alguns em lagoas e outros em florestas nativas, enquanto as vacas são alimentadas com capim natural, com uma rotação para manter sua produtividade. Isto, juntamente com 180 hectares de árvores plantadas há vários anos, nos permite ser ‘positivos em carbono’, ou seja, capturar mais emissões do que emitimos”. 

Essa fala é de Marina Born, diretora da Estância Caldenes, empresa argentina de agricultura e pecuária. Com pastos em várias partes do país, a empresa vende mais de sete mil cabeças de gado por ano, que depois são exportadas para a China, a Europa e os Estados Unidos. Eles também produzem soja e milho em cerca de 11 mil hectares.

57%


É a participação carne bovina nas emissões agrícolas na América Latina, de acordo com um relatório do BID.

Caldenes ganhou a certificação ISO de “carbono positivo” por um de seus pastos e está prestes a fazer o mesmo em outras propriedades. Isto significa que seus cuidados com o solo, a pecuária e as práticas agrícolas lhe permitem captar mais dióxido de carbono do que gera, o que abre as portas para a venda de créditos de carbono por emissões evitadas, um caminho que a empresa começa a explorar.

O cumprimento das metas do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas, de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5  ͦC, exige não apenas a redução das emissões, mas também o equilíbrio entre o que é emitido e o que é retirado da atmosfera. A agricultura e a pecuária buscam contribuir para esse objetivo, mas para isso serão necessárias mudanças significativas no setor.

A produção de carne bovina é responsável por quase 60% das emissões da agricultura e das mudanças no uso da terra na América Latina, de acordo com um estudo recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Entretanto, argumentam seus pesquisadores, é possível reduzir as emissões através de novos modelos de produção — na linha do que Caldenes tem feito — e mudanças nas dietas dos animais.

As vacas emitem metano, gás do efeito estufa, durante a digestão e a partir do esterco. Além disso, o óxido nitroso, outro gás do efeito estufa, é emitido a partir de seus resíduos e de fertilizantes químicos usados nas culturas plantadas para alimentá-las.

“A América Latina pode ser um produtor e exportador de carne bovina sustentável, mas ainda estamos muito longe disso”, disse Patrice Dumas, uma das autoras do relatório e pesquisadora do centro de desenvolvimento agrícola Cirad, na França. “Não se está fazendo o suficiente para melhorar a eficiência e cuidar dos recursos naturais”.

Mudanças na produção pecuária

Junto a pesquisadores do BID, Dumas analisou soluções para o uso da terra e do setor agrícola na América Latina para alcançar emissões líquidas zero até 2050, considerando cenários de emissões com diferentes graus de ambição. 

Os pesquisadores destacam que alcançar o “zero líquido” no setor será impossível sem a redução da pegada de emissões da carne bovina. Isto exigirá “ações transformadoras” tanto do lado da oferta quanto da demanda, pois, mesmo nos cenários mais ambiciosos, as emissões da produção estão longe de ser zero.

vaca em uma colina
Saiba mais: O que é agricultura regenerativa?

Embora reconhecendo que a criação intensiva de gado traga seus próprios problemas, os autores dizem que a prática pode levar a menos emissões por unidade de produto e a um menor uso do solo. Para isso, eles identificaram uma série de práticas que podem reduzir as emissões na pecuária, com base em estudos de caso de toda a região.

As práticas incluem dar ao gado uma alimentação de mais fácil digestão — seja de capim ou ração concentrada — movendo o gado pelas pastagens para garantir o crescimento do capim, removendo plantas que o gado não pode comer, evitando a degradação do pasto e adicionando leguminosas fixadoras de nitrogênio às pastagens, entre outras medidas. 

O estudo também destaca o sistema silvipastoril, uma prática que combina florestas, plantas forrageiras e pecuária e garante solos mais saudáveis e menos emissões. Ele também propõe mudanças no manejo do esterco, a redução no uso de fertilizantes sintéticos e também a cultura de leguminosas como formas de reduzir as emissões.

“Temos que aumentar a eficiência e não desperdiçar espaço”, resume Dumas. “Há iniciativas indo na direção certa em toda a América Latina, mas ainda não é suficiente. As emissões ainda são elevadas e devem aumentar se os países continuarem com os mesmos padrões de produção”.

Há iniciativas indo na direção certa em toda a América Latina, mas ainda não é suficiente

A pecuária já faz parte dos planos de redução ou mitigação de emissões em andamento nos países da América Latina. Ao mesmo tempo, os governos da região assumiram novos compromissos nos últimos anos, como o objetivo de reduzir as emissões de metano em 30% até 2030, acordado na conferência climática COP26 do ano passado. 

Desde então, o Uruguai anunciou que reduziu as emissões de gases do efeito estufa de seu setor pecuário em 16% por quilo de carne produzida, melhorando suas práticas sem aumentar os custos, de acordo com um estudo apresentado pelo governo em junho. Enquanto isso, no Brasil, o “Plano ABC” para a agricultura de baixo carbono incentivou a adoção de novas práticas pecuárias e forneceu assistência a agricultores.

Mudanças na dieta na América Latina

Levando em conta as preferências alimentares na América Latina, os pesquisadores concordam que, embora uma mudança total dos consumidores para dietas veganas ou vegetarianas nos próximos anos não seja provável, nem necessária, a redução das emissões exigirá mudanças nos padrões de compras, bem como na produção de carne, especialmente nos países de maior consumo da região.

No Brasil, são consumidos 13 gramas (g) de carne bovina por dia por pessoa. A média é de 18g para países do Cone Sul e de 9g, para a América Latina. No mundo, essa média é de 4g. Portanto, há espaço para reduzir esse consumo e ao mesmo tempo melhorar os resultados nutricionais na América Latina, sugerem os autores.

Um hambúrguer vegetariano
Saiba mais: Carnes vegetais e artificiais ganham novos adeptos na Argentina

Para os pesquisadores, uma opção é trocar parte da proteína da carne bovina por outras fontes de aminoácidos, como a soja ou o feijão. Eles também sugerem substituir parte do consumo da carne bovina por outros produtos animais, como porco e frango, que geram menos emissões do que os bois.

De qualquer forma, o consumo da carne bovina nos principais países consumidores, como a Argentina, já está diminuindo devido ao aumento dos preços e às mudanças na dieta. Ao mesmo tempo, o mercado de alternativas à carne está cada vez mais competitivo em termos de sabor, preço e conveniência.Entre as muitas organizações que chamam a atenção para essa abordagem na redução de emissões está o World Resources Institute. “Tanto os produtores quanto os consumidores têm um papel a desempenhar na redução das emissões de carne à medida que a população mundial cresce”, escreveram os pesquisadores em um artigo publicado no início deste ano.