Quando assumir em 15 de agosto, o presidente eleito do Paraguai, Santiago Peña, não terá uma vida fácil.
O ex-ministro da Fazenda assumirá o comando de um país que sofreu recessão econômica em 2022 como resultado da pior seca em quase 80 anos; que declarou estado de emergência duas vezes nos últimos cinco anos devido a incêndios florestais; um país cuja maior via fluvial, o rio Paraguai — principal rota comercial para tudo o que vende e compra — atingiu o nível mínimo histórico duas vezes nos últimos três anos; e com uma crise de saúde silenciosa, mas generalizada, já que as ondas de calor impulsionam a disseminação de doenças como a chikungunya.
Peña, economista, ex-funcionário do Fundo Monetário Internacional e candidato do Partido Colorado, governista de direita, venceu com 43% dos votos nas eleições de 30 de abril. Ele ficou bem à frente da coalizão de centro Concertación (28%) e da Cruzada Nacional (23%), partido ultranacionalista encabeçado por Paraguayo Cubas, que inclusive foi preso após incitar violentas manifestações e bloqueios de estradas contra uma suposta fraude eleitoral não comprovada.
O Partido Colorado, que governa quase ininterruptamente há 75 anos, também conseguiu garantir a maioria no Congresso do país.
De acordo com Camilo Filártiga, diretor-adjunto de processos eleitorais da organização International Idea, Peña foi bem-sucedido porque “conseguiu unificar e disciplinar o voto do partido e apresentar um discurso eficaz, tradicional e conservador”. Isso, diz ele, foi o contrário da “incerteza” oferecida pela coalizão Concertación, de Efraín Alegre.
Após a vitória por uma margem confortável, o novo presidente agora deve encarar uma série de desafios no Paraguai, incluindo as pressões crescentes sobre o meio ambiente e o clima.
Disputas no setor de energia no Paraguai
Assim como outros candidatos, Peña fez poucas referências a questões ambientais durante a campanha. Suas propostas foram resumidas em um único cartaz intitulado Paraguai Conserva. Esse programa apresenta promessas amplas e referências a políticas existentes, que vão desde a proteção dos cursos d’água (importantes para o comércio) e a geração de energia renovável.
O programa ambiental de Peña propõe o “fortalecimento” das áreas silvestres protegidas, tanto públicas como privadas. No leste do país, essas reservas são afetadas por plantações ilegais de maconha e, na região do Chaco, pela expansão da pecuária e da produção de carvão vegetal, muitas vezes invadindo terras indígenas.
O plano Paraguai Conserva também menciona a criação de um sistema de alerta precoce contra riscos climáticos, embora isso já fizesse parte do plano nacional de adaptação às mudanças climáticas de 2022 a 2030. Esse sistema será importante para a tomada de decisões na produção agropecuária, que sofreu perdas catastróficas em 2021, quando a estiagem prevaleceu por quase um ano. Isso foi agravado por incêndios florestais, ligados ao desmatamento provocado pela agricultura, e ondas de calor, cuja frequência triplicou nos últimos 40 anos no Paraguai.
Na área das energias renováveis, Peña enfrenta a missão histórica de renegociar parte do Tratado de Itaipu, firmado com o Brasil há 50 anos para construir uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo, na fronteira do rio Paraná. Em 2022, a usina de Itaipu forneceu 86,4% de toda a eletricidade consumida no Paraguai e 8,7% da demanda total do Brasil.
Uma das questões centrais dessa negociação — que guiará os rumos da transição energética de um país ainda dependente de combustíveis fósseis e biomassa — é como usar o excedente de eletricidade ao qual o Paraguai tem direito em Itaipu. Cada nação detém 50% da energia gerada na usina, mas o Paraguai atualmente vende seu excedente ao Brasil a baixo custo, conforme previsto em um dos anexos do acordo. Por isso, o Paraguai quer renegociar tanto para quem ele pode vender o excedente quanto seu preço.
Ao contrário do atual presidente Mario Abdo Benítez, que indicou o tratado como prioridade, Peña disse que “o Paraguai não precisa negociar com o Brasil para usar sua parte da energia de Itaipu”. Segundo ele, “não haveria qualquer restrição” à venda de energia a outros países — posição que contraria as cláusulas do acordo. Ele propõe “sentar-se” à mesa com o Brasil para “imaginar a relação dos próximos 50 anos”.
Guillermo Achucarro, pesquisador de políticas climáticas e energéticas da Universidade Nacional de Assunção, disse ao Diálogo Chino que a diferença de discurso entre Abdo Benítez e Peña não é tão expressiva e se diz pessimista quanto a possíveis ganhos para o Paraguai com as renegociações. “Se alguma coisa for alcançada, serão migalhas”, concluiu.
Achucarro também questionou a condução da transição energética do Paraguai. Segundo ele, a ênfase segue em grandes projetos de infraestrutura que beneficiam os mesmos setores responsáveis pela crise ambiental.
O Omega Green é um desses projetos. A fábrica de biocombustíveis, que será a maior da América do Sul quando for inaugurada em 2025, usará plantações de espécies como a pongâmia, árvore originária do Sudeste Asiático que poderia comprometer a biodiversidade do Chaco, bioma já ameaçado, mas foi declarada “nativa” por uma resolução estatal.
Talvez o caso mais controverso seja o da fábrica de hidrogênio da Atome Energy, petrolífera britânica que obteve do governo de Abdo Benítez uma redução na tarifa de eletricidade bem abaixo da média do mercado.
Para piorar, ainda não há indicação de como (ou se) o governo de Peña abordará as energias renováveis, como a eólica e a solar. Até o momento, essas fontes são praticamente inexistentes na matriz energética do país. Porém, à medida que se intensificam as secas, e a produção hidrelétrica fica sobrecarregada, cresce a urgência para diversificar as fontes energéticas.
Desmatamento e agricultura
Outras questões ambientais que o governo Peña enfrentará estão relacionadas ao desmatamento — principalmente no Chaco, bioma que o Paraguai compartilha com Argentina, Bolívia e Brasil — e ao papel do agronegócio em impulsioná-lo.
A pecuária foi o principal motor do desmatamento, tanto legal quanto ilegal, da última década e meia no Chaco paraguaio. Um relatório oficial reconheceu que foram desmatados 667 mil hectares do bioma entre 2017 e 2020, o que representa 88% do desmatamento registrado no país.
O programa Paraguai Conserva menciona planos para restaurar áreas de florestas degradadas e “fortalecer” parques nacionais e reservas naturais, mas não há nenhuma sugestão de estratégia para combater o desmatamento causado pela agropecuária. Pelo contrário: enquanto o Paraguai e seus parceiros do Mercosul negociam um novo acordo comercial com a União Europeia, o presidente eleito criticou as “duras” restrições ambientais contra produtos ligados à perda de florestas, como a nova legislação europeia contra o desmatamento.
Durante a campanha presidencial, os candidatos foram pressionados pelo agronegócio paraguaio em relação à falta de acesso ao mercado chinês — que ocorre devido à manutenção de laços diplomáticos do Paraguai com Taiwan.
O candidato da oposição Efraín Alegre questionou abertamente a continuidade dessarelação, mas Peña descartou a possibilidade de mudança. Segundo ele, “não há nenhuma restrição” de negócios com a China.
Peña também argumentou que a alta qualidade das commodities paraguaias é o suficiente para suas vendas. “A China não vai comprar carne ou soja paraguaias por interesse diplomático”, disse ele durante a campanha. “Ela vai comprar porque o Paraguai tem carne e soja de boa qualidade a preços competitivos”.
Lis Garcia, especialista em agronegócio e pesquisadora do think tank Base-Is, disse ao Diálogo Chino que a abertura do mercado dos EUA para as exportações de carne bovina também está em andamento, mas “parece que não vai prosperar”. Uma possível razão para isso são as alegações de exploração de trabalhadores nas fazendas paraguaias. Em março, os Estados Unidos anunciaram que vão bancar as investigações relativas a essas denúncias na Organização Internacional do Trabalho.
Para Guillermo Achucarro, da Universidade Nacional de Assunção, o principal desafio do Paraguai nos próximos cinco anos será “sobreviver aos próximos fenômenos climáticos extremos, como as inundações previstas para 2023. Um ano chove muito, um ano é de seca, no verão seguinte temos incêndios florestais ou uma epidemia”.
Essa reportagem foi produzida pelo Diálogo Chino em parceria com El Surtidor.