Clima

Diplomacia climática da China resiste apesar de turbulências com os EUA

Participação crescente da China em discussões climáticas pode impulsionar agenda global sobre o tema com regiões como União Europeia e América Latina
<p>Presidentes Xi Jinping e Lula em Beijing, em 23 de abril de 2023. China e Brasil assinaram declaração conjunta sobre mudanças climáticas (Imagem: Ding Haitao / Alamy)</p>

Presidentes Xi Jinping e Lula em Beijing, em 23 de abril de 2023. China e Brasil assinaram declaração conjunta sobre mudanças climáticas (Imagem: Ding Haitao / Alamy)

A pandemia da Covid-19 e as disputas ligadas à guerra na Ucrânia têm impulsionado um processo de desglobalização, ou seja, um maior isolamento dos países. Além disso, as relações diplomáticas entre a China e os Estados Unidos estão em seu pior momento em mais de quatro décadas.

Porém, mesmo com essas tensões e retrocessos nas parceiras globais, ambos os países enxergam as negociações climáticas como uma zona neutra.

Desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2015, a China tenta promover a diplomacia climática com regiões como a Europa e a América Latina. O tema apareceu em duas declarações conjuntas em abril, respectivamente com a França e o Brasil, além de ter sido discutido com líderes da Comissão Europeia e dos Emirados Árabes Unidos. Nesse último, o porta-voz foi Sultan Al Jaber, presidente da conferência climática COP28 deste ano.

Cooperação entre grandes potências

Dados de emissões de carbono mostram que a cooperação entre as nações mais poluentes é fundamental para atingir as metas do Acordo de Paris. Em 2021, os seis maiores emissores — China, EUA, União Europeia (UE), Índia, Rússia e Japão — responderam juntos por quase 68% das emissões globais.

A China é responsável por quase 33% das emissões de CO2 no planeta, enquanto que os EUA, por mais de 12%. Com os 7% da UE, os três detêm a maior parcela das emissões de carbono no mundo.

Por isso, iniciativas desses grandes emissores podem ter um impacto significativo. Em março de 2020, por exemplo, o Parlamento Europeu aprovou uma lei ratificando sua meta de neutralidade de carbono, o que provocou um efeito positivo em diversos países do bloco. Já a cooperação entre a China e os EUA impulsionou a elaboração de políticas climáticas globais que resultou, inclusive, no Acordo de Paris.

Xi Jinping e Emmanuel Macron sentados em ambos os lados de uma pequena mesa
Os presidentes da França, Emmanuel Macron, e da China, Xi Jinping, tomam chá em Guangzhou, em 7 de abril. A visita de Macron à China resultou em uma declaração sobre ação climática (Imagem: Huang Jingwen / Alamy)

Mas a governança climática sofre um momento de descrédito, resultado das constantes disputas sobre o escopo de responsabilidades entre o Norte e Sul Global e mesmo dentro dessas regiões. Um dos exemplos disso é o Fundo Verde para o Clima. Em 2010, a COP16 decidiu que, para auxiliar os países em desenvolvimento a enfrentar as mudanças climáticas, as nações desenvolvidas deveriam contribuir com US$ 30 bilhões em financiamento até 2012 e mais US$ 100 bilhões anuais de 2013 a 2020. No entanto, as definições sobre o que configura o financiamento climático, as estatísticas usadas e os processos de verificação desses compromissos continuam nebulosos e controversos.

De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em 2020, os países desenvolvidos destinaram US$ 83,3 bilhões para as ações climáticas das nações em desenvolvimento. Já a meta dos US$ 100 bilhões anuais só deve ser atingida este ano.

A falta de liderança é outra grande barreira à ação climática. A UE costuma liderar pelo exemplo, tanto na governança quanto nas ações climáticas. Mas a região enfrenta agora um baixo crescimento econômico e a falta de coesão interna, o que a impedem de atingir todo o seu potencial.

Enquanto isso, a política polarizada dos EUA significa que suas ações em relação ao clima vão de um extremo ao outro. O governo do republicano Donald Trump promoveu um unilateralismo do tipo America-first (EUA em primeiro lugar), rompendo com o Acordo de Paris e destruindo a posição de liderança americana no desenvolvimento da governança climática global. Quando o democrata Joe Biden o substituiu no cargo em 2021, ele introduziu uma legislação ambiciosa e um orçamento para ações climáticas. E, agora, Trump pode ser novamente eleito — mesmo que vá para a prisão.

Nesse contexto de constante conflito e crise, o aquecimento global segue aumentando e vai se fechando a janela de oportunidade para reverter seus efeitos.

Linha do tempo: relações China-EUA e cooperação climática

1979

China e EUA iniciam relações diplomáticas, com vários reveses ao longo dos anos.

1997
O presidente chinês Jiang Zemin visita os EUA e assina um acordo bilateral de cooperação em energia e meio ambiente.

1998
O presidente americano Bill Clinton faz uma visita à China e assina uma carta de intenções para cooperar no monitoramento da qualidade do ar urbano.

1999
Os dois países assinam outra carta de intenções, dessa vez para cooperar em tecnologia de purificação do ar e energias limpas.

2003
Formação de um Grupo de Trabalho China-EUA sobre Mudanças Climáticas.

2006
Criação do Diálogo Econômico Estratégico (SED, na sigla em inglês), mecanismo para que os líderes de ambas nações se reúnam duas vezes por ano. Ele foi apelidado de “espécie de G2” pelos EUA.

2008
Na quarta rodada do SED, é assinado um acordo com duração de uma década para a cooperação em energia e meio ambiente.

2014
Os dois países assinam uma declaração conjunta sobre mudanças climáticas.

2015
Xi Jinping e Barack Obama anunciam outra declaração para trabalhar lado a lado na preparação da conferência climática que resultou no Acordo de Paris. 2021
Na COP26, em Glasgow, os dois países anunciam mais uma declaração conjunta para aprimorar a ação climática ao longo da década de 2020.

Apesar dos obstáculos, a governança climática tem sido guiada pelo Acordo de Paris desde 2015. E 2021 foi um ano crucial para as interações entre China e EUA, mesmo que em vários momentos permeadas por tensões. Os líderes de ambos os países conversaram em diversas ocasiões, como no Ano Novo Chinês, no encontro do Alasca — quando surgiram acusações mútuas — e na ocasião da declaração conjunta de Glasgow.

John Kerry e Xie Zhenhua
Enviados climáticos dos EUA, John Kerry, e da China, Xie Zhenhua, conversam nas negociações climáticas da COP26 em Glasgow, Escócia, em 2021 (Imagem: Alamy)

As relações bilaterais pioraram com a crise sanitária de Covid-19 em 2020, quando Trump estava no poder. Porém, Wang Jisi, diretor do Instituto de Estudos Internacionais e Estratégicos da Universidade de Beijing, acredita que o quadro não melhorou muito com a chegada de Biden.

“Biden manteve a maioria das políticas da era Trump em relação à China, escreveu Wang Jisi. “Já passou metade do mandato de Biden, e as relações seguem piorando por conta da guerra na Ucrânia, das tensões sobre Taiwan e das disputas tecnológicas promovidas pelos EUA”.

Conversas sobre emissões de metano, energia limpa, economia circular e ação climática urbana estavam planejadas para setembro de 2022. Porém, tudo foi por água abaixo em agosto, quando Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, visitou Taiwan, alvo de disputas do governo chinês. Agora, espera-se que o enviado climático dos EUA, John Kerry, visite a China na tentativa de reiniciar a diplomacia climática entre os dois países.

Diplomacia climática multilateral

Apesar dos vaivéns com os EUA, a China tem avançado em outras frentes bilaterais e multilaterais desde a assinatura do Acordo de Paris.

Conforme dados do Ministério de Meio Ambiente sobre cooperação internacional, a China vem expandindo o escopo de atuação, mantendo laços com a UE, a Associação de Nações do Sudeste Asiático, nações africanas e o grupo dos Brics — formado por Brasil, Rússia, China e África do Sul. A China também manteve a diplomacia climática com seus vizinhos, participando do 2º Fórum sobre as Metas de Neutralidade de Carbono da China, do Japão e da República da Coreia.

A declaração conjunta China-França de abril tinha 51 artigos, oito deles sobre questões climáticas. A declaração fez das mudanças climáticas parte da resposta conjunta dos dois países aos desafios da globalização. Isso criou as bases para uma futura diplomacia climática bilateral e potenciais medidas mais concretas. O artigo 36 da declaração diz o seguinte:

“França e China pretendem cooperar para resolver as dificuldades de acesso a financiamentos em economias em desenvolvimento e emergentes, e incentivá-las a acelerar sua transição energética e climática, ao mesmo tempo em que apoiam o desenvolvimento sustentável. A China participará da cúpula para um Novo Pacto Global de Financiamento em Paris, em junho de 2023. Já a França participará do terceiro Fórum ‘Cinturão e Rota’ para a Cooperação Internacional”.

O mês de abril também foi marcado pela declaração conjunta Brasil-China sobre o combate às mudanças climáticas. No documento, o artigo 5 trata justamente das relações multilaterais:

“Estamos determinados a fortalecer ainda mais o multilateralismo, inclusive com todos os nossos parceiros dentro do Grupo dos 77 e da China (G77+China), com vistas a um modelo de solidariedade climática que seja coletivo, que rejeite o unilateralismo e as barreiras comerciais verdes, e que esteja firmemente fundamentado em valores de solidariedade e cooperação em nossa comunidade internacional”.

Enquanto isso, o Artigo 7 trata do financiamento climático para países em desenvolvimento: “Exortamos os países desenvolvidos a honrarem suas obrigações não cumpridas de financiamento climático e a se comprometerem com sua nova meta quantificada coletiva que vá muito além do limite de US$ 100 bilhões por ano e forneça um roteiro claro de duplicação do financiamento para adaptação”.

Medidas climáticas da China, no país e no exterior

Avaliar o estado atual e os rumos da diplomacia climática da China não é importante apenas para o país, mas também para o processo de governança climática global.

A China ainda é uma nação em desenvolvimento, com altos níveis de desigualdade socioeconômica, uma matriz energética dependente de carvão e uma base científica e tecnológica considerada fraca em relação a outros países. Porém, entre 2012 e 2021, o crescimento econômico chegou a uma média de 6,5%, enquanto o consumo de energia aumentou apenas 3%. Os enormes esforços que a China fez para sua transição de baixo carbono devem ser reconhecidos.

Uma análise de sua ação interna em relação às mudanças climáticas e sua diplomacia climática mostra que houve diversas críticas e dúvidas, principalmente em relação aos acordos institucionais, à alocação de pessoal e financiamento e no foco das políticas públicas. Apesar disso, a China seguiu implementando medidas responsáveis e sustentáveis, tanto no país quanto no exterior.

Em 2022, a instalação de capacidade eólica, solar e hidrelétrica excedeu em muito a do carvão. A geração de energia eólica e solar atingiu 1,19 trilhão de quilowatts-hora — o que representa um crescimento de 21% em relação ao ano anterior e 13,8% do consumo total de eletricidade. Enquanto isto, a proporção de energia gerada por carvão caiu de 65-70% para 58,4%.

Ainda assim, enquanto fenômeno global, as mudanças climáticas demandam ações conjuntas. Nenhum país consegue lidar com elas sozinho.