Justiça

América Latina freia demarcação de territórios indígenas

Menos de 1% das terras da região foram destinadas a povos originários entre 2015 e 2020, diz novo relatório
<p>Manifestação no Rio de Janeiro contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, que desmontou proteções para povos indígenas e seus territórios (Imagem: Cintia Erdens Paiva / Alamy)</p>

Manifestação no Rio de Janeiro contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, que desmontou proteções para povos indígenas e seus territórios (Imagem: Cintia Erdens Paiva / Alamy)

A América Latina está atrasada na demarcação e no reconhecimento legal dos direitos à terra de povos indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, segundo um novo relatório da Rights and Resources Initiative (RRI), coalizão de mais de 150 organizações. 

Entre 2015 e 2020, foram demarcados 102,8 milhões de hectares de terras para comunidades tradicionais no mundo. Já na América Latina, em 2020, a área total demarcada atingiu apenas 21 milhões de hectares. Isso representa menos de 1% do território dos 16 países latino-americanos incluídos no relatório — avanço lento, considerando as conquistas recentes sobre direitos territoriais na região. 

Mesmo em áreas demarcadas, as comunidades enfrentam a insegurança fundiária devido às constantes invasões a suas terras — geralmente, por conflitos com fazendeiros, grileiros, madeireiros, garimpeiros e narcotraficantes.

Nos países latino-americanos, 79% das terras são de propriedade do Estado ou privada, diz o relatório. Enquanto isso, 17,6% pertence a comunidades quilombolas ou indígenas, e 3,2% são destinadas para uso coletivo dessas populações.

As áreas de uso coletivo aumentaram em quatro milhões de hectares de 2015 a 2020, passando de 3% para 3,2% do território total. Enquanto isso, as terras que de fato pertencem a essas comunidades tiveram expansão de 17 milhões de hectares — indo de 16,7% a 17,6% do total.

“A América Latina lidera o reconhecimento legal dos direitos à terra e às florestas para as comunidades tradicionais. Mas, desde 2015, a região passa por um período de estagnação”, avalia Chloe Ginsburg, analista sênior da RRI. “Os governos locais ainda resistem à proteção dos direitos dessas comunidades”.

A maioria dos países latino-americanos analisados tem pelo menos um marco legal em vigor para reconhecer os direitos coletivos à terra. No entanto, os governos da região não estão implementando esses dispositivos corretamente, alerta o relatório. Líderes comunitários ainda enfrentam ameaças e ataques de indústrias extrativistas.

Na Costa Rica, Levi Sucre Romero, coordenador da Rede Indígena Bribri e Cabecar (Ribca), diz que o governo não está implementando a Lei Indígena sancionada há mais de 40 anos: “Temos um problema sério de conflitos e violência devido à inação do governo”.

Desafios para a América Latina

Mesmo em áreas já demarcadas, muitas comunidades tradicionais não conseguem exercer a posse da terra com segurança. As invasões de seus territórios são encorajadas até mesmo por quem está no governo. O principal exemplo disso foi o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que reduziu as proteções para as comunidades indígenas. 

Enquanto isto, os povos originários travam batalhas legais para proteger suas terras. No Peru, comunidades indígenas da Amazônia e dos Andes entraram com ações judiciais para suspender concessões de exploração petrolífera e mineração que não realizaram as devidas consultas públicas. Na Guatemala, comunidades que receberam autorização de uso de terras na década de 1990 tiveram de se mobilizar para garantir a renovação das licenças.

Precisamos que governos não priorizem interesses econômicos em detrimento de nossas vidas
Levi Sucre Romero, coordenador da coalizão indígena Ribca, na Costa Rica

A defesa das terras de uso coletivo também custou a vida de ativistas — mais na América Latina do que no resto do mundo. Entre 2012 e 2021, ao menos 1.733 ambientalistas foram mortos em todo o mundo, 1.155 deles (66%) na América Latina, conforme o último relatório da Global Witness

“Precisamos expandir os direitos das comunidades tradicionais para atingir as metas de desenvolvimento sustentável, o Acordo de Paris e o novo marco global da biodiversidade. Embora haja certo progresso a nível global, a escala e o ritmo das demarcações são insuficientes para atingir esses objetivos”, diz Ginsburg. 

Há algumas histórias bem-sucedidas na região. No Panamá, um processo na Suprema Corte reconheceu os direitos do povo indígena Naso Tjër Di a mais de 160 mil hectares de terras e, na Guiana, o governo reconheceu a proteção da área indígena Kanashen, maior e única do tipo no país, cobrindo 3% do território nacional. O local é lar do povo Wai Wai.

Em outros países da América Latina, as comunidades tradicionais também obtiveram vitórias importantes nos tribunais, mas elas ainda não se traduziram em mudanças efetivas. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo, reconheceu os direitos à terra de comunidades na Argentina, no Suriname e em Honduras, mas nenhuma dessas decisões chegou a ser implementada.

“Os governos acham que os combustíveis fósseis e as hidrelétricas vão tirar as pessoas da pobreza e, por isso, destinam terras, que geralmente são as nossas, a esses projetos”, diz Levi Sucre, da Ribca. “Temos leis suficientes na América Latina para expandir os direitos de posse das comunidades. Precisamos que elas sejam aplicadas e que os governos não priorizem os interesses econômicos em detrimento de nossas vidas”.

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