Quando se fala em Costa Rica, as primeiras imagens que vêm à mente são de uma floresta tropical imponente, praias de areia branca e pássaros multicoloridos. Sua reputação verde não é injustificada: além de um setor de ecoturismo altamente desenvolvido, o país produz quase 100% de sua energia a partir de fontes renováveis desde 2014.
Mas a realidade para os costarriquenhos que vivem em áreas urbanas é muito diferente. O país da América Central sofre com cidades mal planejadas, transporte público ineficiente e uma parcela crescente de veículos que funcionam a base de combustíveis fósseis. Metade das emissões do país provém do setor de transportes.
Mas a situação não ia ficar por menos em um país cujas políticas ambientais estão “em seu DNA”, como coloca o presidente costarriquenho Carlos Alvarado. Ele tem um plano: descarbonizar completamente a economia até 2050, como delineado no compromisso climático apresentado à ONU em dezembro de 2019, chamado de “Contribuição Determinada Nacionalmente” (ou NDC, sigla em inglês) nos círculos climáticos — uma atualização das metas assumidas no Acordo de Paris.
Ter acesso a ônibus elétricos a um preço competitivo, por exemplo, é algo potencialmente transformador para países como a Costa Rica
Para alcançar este objetivo, entretanto, será fundamental repensar a rede de transporte da Costa Rica.
O plano de descarbonização propõe a construção e a entrada em funcionamento de um trem elétrico urbano até 2030, bem como a eletrificação de 8% dos ônibus e carros para o mesmo ano. Atingir esta meta e a de 2050 dependerá do compromisso político, assim como do crescimento do PIB e dos preços da eletricidade, disse Felipe de León, assessor da Diretoria de Mudança Climática da Costa Rica no Ministério do Meio Ambiente.
O preço dos veículos elétricos (EVs) é uma das variáveis mais importantes nos modelos climáticos, disse De León. Quando o país se recuperar da crise da Covid-19, os carros elétricos já devem estar acessíveis para os costarriquenhos de classe média.
A China — que diminuiu o custo da propriedade dos EVs por meio da produção em massa — tem um papel a desempenhar, conforme De León. Beijing ainda não estabeleceu nenhum acordo formal com a Costa Rica para cumprir as metas climáticas. No entanto, suas políticas de incentivo ao transporte elétrico e às energias renováveis terão um impacto em San José, a mais de 14 mil quilômetros de distância.
“Ter acesso a ônibus elétricos a um preço competitivo, por exemplo, é algo potencialmente transformador para países como a Costa Rica”, disse o assessor do governo.
Mesmo não havendo acordos climáticos formais entre ambos os países, a Costa Rica aderiu à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) da China em 2019, o que poderia levar a mais investimentos em projetos de transporte, disse a vice-presidente da Costa Rica, Epsy Campbell. A China até ofereceu cooperação para uma “recuperação verde” para a pandemia da Covid-19.
Ainda assim, as questões de transporte da Costa Rica são sintomas de cidades não planejadas, disse Andrea San Gil, engenheira ambiental e fundadora do Centro para a Sustentabilidade Urbana.
Além de repensar seu transporte público, a Costa Rica deve refletir sobre sua área urbana, disse San Gil. Isto andaria de mãos dadas com reformas habitacionais, por exemplo, focadas na criação de uma cidade mais conectada.
Até 2030, porém, o país só poderá emitir, em média, o equivalente a 10 milhões de toneladas de CO2 por ano, a fim de honrar seus compromissos em Paris. Para comparação, este número é um terço do que a United Airlines dos Estados Unidos emitiu em 2019.
Caso consiga cumprir com seu “orçamento” de emissões, o país poderá trazer 41 bilhões de dólares em benefícios, de acordo com um recente estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
“Para a Costa Rica é uma questão de competitividade”, concluiu De León.
Repensando as cidades da Costa Rica
Em contraste com seus muitos destinos turísticos intocados e mundialmente famosos, as cidades da Costa Rica são verdadeiras “selvas de concreto” caracterizadas pelo crescimento desordenado, de acordo com San Gil.
Desde os anos de 1980, a Grande Área Metropolitana (GAM) do país tem crescido com pouco planejamento. Embora tenha duplicado de tamanho nos últimos 30 anos, a partir de 2019, 40% de seus cantões (a unidade administrativa abaixo das províncias) ainda não tinham um plano regulatório.
Em vez de crescer em torno das redes de transporte público existentes, a capital San José expandiu-se para lugares com pouca conexão, onde os carros particulares são a única opção, disse San Gil. Isto não é compatível com a descarbonização, acrescentou ela.
“Para que novos desenvolvimentos possam ser feitos, eles devem ser orientados para o transporte. A primeira pergunta que devemos fazer é: como as pessoas vão chegar até aqui?”.
As cidades compactas são um elemento fundamental do NDC da Costa Rica. Até 2030, o país deveria incorporar “critérios de desenvolvimento orientados ao transporte” em seu Plano de Desenvolvimento Urbano.
A mudança, entretanto, será complexa, de acordo com San Gil. Ela diz que o governo falou sobre a eletrificação do transporte, mas não o suficiente sobre cidades sustentáveis. “A eletrificação é essencial, mas não é a prioridade. É atrativa porque mantém o modelo de desenvolvimento, mas é ineficiente”.
A Costa Rica também pretende que 5% de todas as viagens urbanas sejam feitas em transporte não motorizado até 2030, como o uso de bicicletas,ou simplesmente a pé, de acordo com o NDC atualizado.
Mas o país ainda tem pouca infraestrutura de transporte urbano. Além disso, as áreas urbanas estão aquecendo devido às mudanças climáticas, o que torna o transporte ativo pouco atraente.
Para San Gil, a natureza pode ser um importante aliado. O aumento da paisagem natural nas cidades serve para baixar as temperaturas e para incentivar caminhadas ao ar livre. “Se a cidade não convidar você a caminhar de forma segura e agradável, ninguém o fará”, acrescentou ela.
Transporte limpo
Para viagens que devem ser feitas sobre quatro rodas, a prioridade será o transporte público e, por último, os carros particulares.
O transporte elétrico pode ser especialmente eficaz na redução de emissões na Costa Rica, segundo Jairo Quirós, especialista em energia da Universidade da Costa Rica (UCR). Ao contrário de outros países, a eletricidade que alimenta os veículos já vem de fontes renováveis.
A rede de transporte público da Costa Rica depende de ônibus atualmente. O país começou os testes com suas três primeiras versões elétricas, fabricadas pela BYD da China, em fevereiro deste ano. Atualmente, os ônibus elétricos operam em rotas reais de transporte público em San José. Estes testes fornecerão dados para que as empresas de ônibus possam investir em tecnologia com maiores garantias.
A marca BYD tem grandes frotas em diversas cidades da América Latina. A capital chilena Santiago, por exemplo, tem 285 ônibus que já circulam em suas ruas.
Uma rede de trens elétricos serviria ainda mais a San José e à área metropolitana. Ela pode funcionar como a espinha dorsal do transporte público com conexões com rotas de ônibus.
O Banco Centro-Americano de Integração Econômica (Cabei, na sigla em inglês) aprovou um empréstimo de 1,5 bilhão de dólares para a construção do projeto. Mas após críticas da Assembleia Legislativa sobre seu alto custo, o governo deixou o projeto de lado.
“Sabemos o que precisa ser feito. A questão é quem vai receber o crédito. É lamentável, mas também lhe dá a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, isso terá que acontecer”, disse De León.
Carros elétricos na Costa Rica
A Costa Rica também deu os primeiros passos para eletrificar sua frota de automóveis. Desde 2018, os EVs estão isentos de impostos e o mercado tem crescido de acordo.
O país também lançou uma das mais extensas redes de recarga de bateria rápida da América Latina. Por lei, deve haver um centro de recarga em intervalos máximos de 80 km em rotas nacionais.
A mudança começou a tomar forma em 2020, quando o Instituto de Eletricidade da Costa Rica (ICE) instalou 28 carregadores rápidos em todo o país. Pela primeira vez, os dispositivos incluíram um conector para carros chineses (tecnologia GB / T, um tipo de conector emitido pela Administração de Normalização da China).
Era apenas uma questão de tempo, dado o domínio da China no mercado global de EVs. Em 2018, a China produziu mais carros elétricos do que o resto do mundo combinado. “A China, por meio de suas decisões sobre sustentabilidade, poderia tornar a sustentabilidade mais fácil para todos”, disse De León.
A Costa Rica, no entanto, ainda tem muitos obstáculos pela frente. Apesar de ser uma mudança necessária, implementar EVs em larga escala pode causar um rombo nos cofres públicos, disse Quirós.
As usinas solares fotovoltaicas e eólicas já são mais baratas do que investir em uma usina termoelétrica. Os investimentos até 2050 serão mais baratos se continuarem nessa linha
Cerca de 11% da receita do governo em 2018 veio dos impostos sobre combustíveis. Se o transporte for eletrificado, essa porcentagem diminuirá. Com a Costa Rica atualmente com seu maior déficit fiscal da história, este é um assunto particularmente sensível.
Para resolver isto, a Contribuição Determinada Nacionalmente da Costa Rica indica que, até 2030, o país terá implementado “pelo menos um” instrumento de reforma fiscal verde que compensaria o dinheiro perdido com os impostos sobre carros convencionais. Isto também é reconhecido no plano de descarbonização do país.
Apesar deste impacto fiscal, outros custos podem ser cortados para tornar o transporte mais eficiente. Por exemplo, a perda de produtividade e os impactos na saúde decorrentes do atual sistema de transporte custam anualmente cerca de 3,8% do PIB da Costa Rica.
O país também tem que levar em conta sua geração elétrica. À medida que o número de EVs aumenta, mais eletricidade será necessária e é vital que os novos projetos façam uso de fontes de energia renovável, explicou Quirós.
“As usinas solares fotovoltaicas e eólicas já são mais baratas do que investir em uma usina termoelétrica. Os investimentos até 2050 serão mais baratos se continuarem nessa linha”, disse ele.
Como a China pode ajudar?
Com o caminho para emissões zero traçado, a cooperação com parceiros internacionais pode ajudar a alcançar o destino final. A China se ofereceu para cooperar com o governo costarriquenho em uma “recuperação verde” para a crise econômica causada pela pandemia.
Mas a cooperação chinesa na Costa Rica nem sempre tem sido focada em projetos que mitiguem a mudança climática. Em 2008, quando os países firmaram relações diplomáticas, um dos primeiros planos para a parceria em solo costarriquenho foi uma refinaria de petróleo.
O projeto envolvia a cooperação entre os institutos petrolíferos da Costa Rica e da China, por um valor inicial de 100 milhões de dólares. Entretanto, a refinaria não avançou depois que o Escritório Nacional de Auditoria da Costa Rica questionou os estudos de viabilidade porque eles foram realizados pela China Huanqiu Contracting & Engineering, uma empresa ligada à parceira chinesa National Petroleum Corporation of China (CNPC), o que levantou preocupações sobre um possível conflito de interesses.
No momento, a Costa Rica e a China possuem um acordo de livre comércio e um acordo para proteger os investimentos de cada país, segundo a embaixada chinesa em San José. A Costa Rica também aderiu à Iniciativa Cinturão e Rota em 2019, uma plataforma que pode impulsionar projetos de financiamento, infraestrutura e comércio de longo prazo, como analisa a vice-presidente costarriquenha Epsy Campbell. Essa oportunidade pode auxiliar a Costa Rica em sua tarefa de tornar o sistema de transporte do país mais limpo.
Mais recentemente, a cooperação chinesa se concentrou na saúde e, em decorrência da pandemia de Covid-19, também em doações de suprimentos médicos para profissionais da saúde. A crise do coronavírus deixou mais evidente a necessidade de uma recuperação econômica sustentável.
A China tem demonstrado interesse em novos projetos sustentáveis. Em uma ligação, o ministro chinês das Relações Exteriores Wang Yi disse a seu homólogo costarriquenho, Rodolfo Solano, que estava “comprometido” com o fortalecimento da cooperação sobre as mudanças climáticas, de acordo com uma declaração publicada pelo governo chinês.
Para Quirós, ter os dois países alinhados na estratégia da BRI traz oportunidades. A atual conjuntura oferece uma rara chance de repensar a cooperação bilateral e de trabalhar em conjunto em prol de metas climáticas compartilhadas. O especialista em energia destaca os benefícios econômicos que o BID enxerga na economia de energia, e nas melhorias na agricultura e ecossistemas.
“Haverá barreiras? Sim, e provavelmente exigirá alguns investimentos. Mas nós temos uma reserva de lucro líquido de 41 bilhões de dólares”, disse ele.