Os presidentes e ministros do meio ambiente da América Latina utilizaram a conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas COP27 para pedir um maior alinhamento da região sobre política ambiental, como uma declaração conjunta que estabelece posições unificadas para o bloco.
Na maioria dos cenários da ONU, como comércio ou direitos humanos, por exemplo, as 33 nações da região coordenam as negociações – ou pelo menos tentam fazê-lo – como um bloco único: o Grupo Latino-Americano e Caribenho (GRULAC). Mas a região está há muito tempo fragmentada em relação às mudanças climáticas, o que a enfraqueceu como maioria. Nos dias de abertura da cúpula da COP27 no Egito, no entanto, houve sinais de mudança.
Na quarta-feira, a Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe (CELAC), um bloco que reúne todos os países da região, exceto o Brasil, apresentou uma declaração conjunta detalhando objetivos compartilhados para a cúpula e a ação climática em geral. O documento enfatiza a necessidade de financiamento e de reforço do papel do GRULAC nas negociações climáticas.
Os países, diz a declaração, “reafirmam a importância de reforçar a coordenação nos diversos fóruns multilaterais, com vistas a fortalecer as sinergias e a articulação nas negociações climáticas”. Um GRULAC reforçado, dizem eles, pode ajudar a “promover a articulação de prioridades”.
Fazendo eco a um dos pontos chave da COP27, o documento também destaca “a necessidade de maior provisão de recursos públicos pelos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento”. E também faz apelos para encorajar o desenvolvimento de instrumentos inovadores de financiamento climático, tais como títulos soberanos, fundos de garantia e swaps de dívida para a ação climática.
A secretária de mudanças climáticas da Argentina, Cecilia Nicolini, lamentou a falta de “maior geminação” na América Latina sobre as negociações climáticas, dizendo que era “uma pena” que a América Latina antes não tivesse sido capaz de negociar em conjunto – algo que o documento começa a abordar.
Susana Muhamad, ministra do meio ambiente da Colômbia, saudou a liberação da declaração, acrescentando que a América Latina quer se tornar um bloco negociador em princípio, com base em certas questões comuns, como financiamento e troca de dívida. “Temos que estar unidos, mesmo que tenhamos discordâncias. O documento é um primeiro passo poderoso”, disse ela.
América Latina não quer passar despercebida
A conferência da ONU sobre mudança climática deste ano verá mais de 30 mil participantes chegarem à cidade egípcia de Sharm el-Sheikh, incluindo delegações de países, representantes da sociedade civil e jornalistas. Denominada por muitos como “a COP africana”, a reunião trouxe grande visibilidade para os países africanos e seus apelos climáticos, mas até agora um pouco menos para a América Latina, com presença limitada de líderes da região.
A Colômbia tem seu próprio pavilhão na cúpula, assim como Venezuela, Panamá, El Salvador, República Dominicana e Chile, onde diferentes atividades e eventos estão sendo realizados. O Brasil tem um pavilhão oficial do governo federal e mais dois pavilhões paralelos – um para a sociedade civil e outro para os governadores de estados amazônicos.
Entre os presidentes e primeiros-ministros da região presentes durante os primeiros dias da conferência estavam Gustavo Petro (Colômbia), Nicolás Maduro (Venezuela), Mia Mottley (Barbados), Gaston Browne (Antígua e Barbuda) e Chan Santokhi (Suriname). Embora não assuma o posto até janeiro, o presidente brasileiro recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva também deve ir ao Egito, sendo calorosamente recebido por ambientalistas.
Por sua vez, Maduro, da Venezuela, descreveu a crise climática como uma “profecia auto-realizada” que deve ser confrontada com ações “concretas, urgentes e imediatas”. Ele também criticou o “modelo capitalista destrutivo” que gera desequilíbrios entre as economias globais e pediu ajuda financeira para os países mais afetados pela mudança climática.
A simples vontade política de não apenas fazer promessas, mas cumpri-las e fazer a diferença parece impossível de ser encontrada
O discurso da primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, foi um dos mais elogiados da Cúpula, recebendo aplausos estrondosos: “Nós temos a capacidade coletiva de transformar. Sabemos o que é retirar a escravidão de nossa civilização… poder encontrar uma vacina dentro de dois anos quando uma pandemia nos atinge… e colocar um homem na lua”, disse ela. “Mas a simples vontade política de não apenas fazer promessas, mas cumpri-las e fazer a diferença parece impossível de ser encontrada”.
Para Adrián Martínez, diretor da Ruta al Clima, uma organização que promove a participação cidadã na governança climática, a América Latina chegou à COP27 e tentou ao máximo não ser “invisível” na Cúpula. “Esta é uma discussão muito dominada pela África, que ofusca [nossa] região”, disse ele, acrescentando que os países latino-americanos podem ter dificuldades para “aparecer nesta obscuridade”, mesmo Brasil e Colômbia, os maiores atores regionais.
Aumento de financiamento é prioridade
Apesar da fragmentação em diferentes blocos, os discursos dos líderes latino-americanos na COP27 enfatizaram várias questões prioritárias para a região, principalmente o aumento do financiamento para enfrentar os efeitos da crise climática, para apoiar a redução de emissões e para a proteção das florestas – notadamente da Amazônia.
Um próximo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), cuja previsão foi apresentada na COP27, revelou que a região tem atualmente acesso a US$ 22 bilhões em financiamento climático para mitigação e adaptação. Mas até 2030, a comissão informa que serão necessários entre US$154 bilhões e US$198 bilhões.
“A América Latina não tem estado no centro da conversa e isto é preocupante para certas questões como o financiamento. É por isso que tem que se posicionar”, disse Sandra Guzman, coordenadora do Climate Finance Group for Latin America and the Caribbean (GFLAC). “É uma região que tem muito a dar, mas que não o faz de forma abrangente”.
Em um evento paralelo à COP27, os presidentes Petro e Maduro apelaram para uma maior proteção da floresta amazônica. Para isso, propuseram o relançamento da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, um acordo assinado em 1978 com Brasil, Bolívia, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela que reconhece a natureza transfronteiriça do bioma.
“Estamos determinados a revitalizar a floresta amazônica para dar à humanidade uma importante vitória na luta contra a mudança climática”, disse Petro, que lembrou seu compromisso anterior de alocar US$ 200 milhões para proteger o bioma na Colômbia. Maduro, por sua vez, apelou para “parar a destruição e iniciar um processo de recuperação”. Houve também um convite de participação estendido ao próximo presidente brasileiro Lula, com Petro descrevendo o envolvimento do Brasil como “absolutamente estratégico”.
A América Latina não tem estado no centro da conversa e isto é preocupante para certas questões como o financiamento
Juntamente com outros 22 países, Costa Rica, Equador, Guiana e Colômbia lançaram The Forest & Climate Leaders’ Partnership, uma aliança para deter a perda e a degradação da floresta até 2030, promovendo o desenvolvimento sustentável. A parceria vem com financiamento da Alemanha e do Reino Unido para implementação nos próximos anos, e segue os compromissos sobre florestas assumidos na cúpula COP26 em Glasgow, na Escócia.
A COP27 continuará até 18 de novembro, com a segunda semana centrada nas negociações, buscando finalizar detalhes pendentes da implementação do Acordo de Paris, como os mercados de carbono, bem como um novo mecanismo de financiamento para perdas e danos pelos efeitos já visíveis das mudanças climáticas.