No início de fevereiro, Nayib Bukele foi reeleito presidente de El Salvador por uma maioria esmagadora, apesar das diversas denúncias de irregularidades no processo eleitoral.
Só o fato de Bukele ter concorrido já foi controverso, uma vez que pelo menos seis artigos da Constituição salvadorenha proíbem a reeleição presidencial. Porém, desde que assumiu, em 2019, o mandatário conseguiu cooptar os poderes do Estado e anular a oposição interna.
O novo mandato de Bukele já preocupa ambientalistas em El Salvador. O Dialogue Earth conversou com especialistas sobre as políticas ambientais de seu primeiro governo e os desafios futuros de um país particularmente vulnerável às mudanças climáticas.
No início de seu mandato, o presidente salvadorenho defendeu o fortalecimento dos sistemas de monitoramento e mitigação de riscos ambientais, mas essa foi uma das áreas desmontadas durante sua gestão. No último ano, foi praticamente zerado o orçamento de diversas ações, incluindo a fiscalização do desmatamento e da extração ilegal de madeira em áreas protegidas.
“A política ambiental desse governo é não ter política”, resume Luis González, porta-voz da Unidade Ecológica Salvadorenha.
Apesar da repressão generalizada de ativistas no país, sua organização é uma das que seguem firmes na defesa do meio ambiente, denunciando a falta de transparência e as violações aos direitos humanos — situação denunciada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Ativistas dizem ter se sentido abandonados pelas políticas do governo, principalmente nos casos do lago Coatepeque, alvo de disputas sobre acesso à água, e dos impactos ligados à mineração no departamento de Cabañas, na região central do país.
A política ambiental desse governo é não ter políticaLuis González, da Unidade Ecológica Salvadorenha
Entre os retrocessos, ambientalistas destacam as constantes ameaças às áreas protegidas e a expulsão forçada de comunidades devido às obras do governo. Também há dificuldade no acesso à água e a flexibilização do licenciamento ambiental, simplificado já no primeiro mandato de Bukele.
De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais de El Salvador, somente entre junho de 2022 e maio de 2023, o governo concedeu 1.398 autorizações para obras e projetos, que envolveram investimentos de US$ 1,27 bilhão.
Agricultura em declínio
El Salvador é um país historicamente agrícola, com uma economia muito dependente da produção de café, embora a indústria tenha ganhado espaço nas últimas décadas. Até 2020, a agricultura empregava pelo menos 18% da população e respondia por quase um quarto das exportações do país.
Nos últimos anos, no entanto, os extremos climáticos causaram estragos na produção agrícola: em 2023, a Câmara Salvadorenha de Pequenos e Médios Produtores Agrícolas (Campo) registrou perdas de cerca de 180 mil toneladas de milho devido à seca severa, ainda agravada pelo fenômeno climático El Niño, além de lavouras afetadas por chuvas torrenciais.
Luis Treminio, presidente da Campo, disse que El Salvador não sofria perdas tão significativas há sete anos, desde a outra ocorrência do El Niño em 2015-16. Em meio às secas, ele avalia que “a política ambiental do governo não tem sido a mais adequada”, com organizações internacionais tendo que coordenar a assistência a agricultores.
Desde 2018, a Organização da ONU para Alimentação e Agricultura e o Programa Mundial de Alimentos têm fornecido orientação e recursos. O apoio tem como objetivo desenvolver um plano de contingência contra a crise hídrica no Corredor Seco da América Central, região árida que engloba 95% do território salvadorenho, se estendendo do Panamá ao sul do México — um trecho já propenso às secas e que agora está ainda mais vulnerável com a emergência das mudanças climáticas.
Porém, o programa foi implementado apenas em parte: houve entregas de sementes e treinamentos para o reflorestamento de áreas, mas Treminio diz que o governo não estabeleceu um plano de longo prazo. “Foi o último ano do presidente Sánchez Cerén [2014-2019], e ele não fez nada. Bukele entrou e também não fez nada”, conta o presidente da Campo. “Não temos um plano de contingência para o Corredor Seco”.
Como previsto, o El Niño persistiu por toda a estação seca de El Salvador, que ocorre entre novembro e abril, levando pouquíssimas chuvas e impactos com as ondas de calor à região.
Treminio lamenta que, ao contrário de seus vizinhos Guatemala e Honduras, El Salvador não tenha um programa centralizado para garantir reservas estratégicas de alimentos, com as quais poderia contar em períodos de queda na produção. Até o momento, foram criadas apenas reservas locais ou iniciativas baseadas em importações, e não na produção interna.
Áreas (des)protegidas
Apesar de seu pequeno tamanho e alta densidade populacional, El Salvador abriga uma riqueza de ecossistemas, incluindo florestas úmidas, páramos e manguezais, áreas que contêm recursos genéticos de importância global.
A preservação dessas áreas é essencial para garantir a sustentabilidade e a conservação da biodiversidade de El Salvador, mas o governo Bukele tem, em alguns casos, permitido a destruição de áreas naturais protegidas. No ano passado, ele deu sinal verde para a construção do Aeroporto do Pacífico, na cidade de La Unión, no leste do país, ignorando pareceres técnicos que desaconselhavam parte da obra em uma área de mangue. O projeto está provocando a realocação forçada de comunidades próximas.
Ativistas dizem que a destruição ambiental está se tornando cada vez mais frequente no país. Esse é o caso do lago Coatepeque, formado por uma cratera vulcânica em uma área protegida no departamento de Santa Ana, perto da fronteira com a Guatemala.
O biólogo Rubén Sorto, ativista da Fundação Coatepeque, organização voltada para a conservação da região, diz que as autoridades “estão urbanizando a margem do lago na frente de todos”. A construção de diversos conjuntos habitacionais de luxo destruiu a paisagem local, em alguns casos violando as normas ambientais.
Sorto denunciou as irregularidades ao Ministério do Meio Ambiente, mas diz que não houve qualquer ação para barrar os empreendimentos: “O que acontece é o seguinte: o ministério age contra os menos poderosos”.
O biólogo diz que a Autoridade Salvadorenha de Águas regula o uso da água pelas comunidades rurais que vivem no entorno do lago Coatepeque, mas que pouco fez contra o consumo excessivo de mansões e empresas privadas instaladas na zona.
Em fevereiro de 2023, em meio a críticas sobre os impactos e denúncias de irregularidades desses empreendimentos, o ministro salvadorenho de Meio Ambiente, Fernando López, declarou o lago Coatepeque como uma área natural protegida. Embora bem recebida por muitos, a medida também foi apontada como uma tentativa de “encobrir” a negligência de López e seu envolvimento com os projetos polêmicos.
Escalada da mineração
Em 2017, dois anos antes da eleição de Bukele, o governo proibiu a mineração de metais no país. A Associação de Desenvolvimento Econômico de El Salvador (Ades), formada por líderes ligados a movimentos sociais de esquerda, foi uma das responsáveis por aprovar a lei que barrou a atividade. Mas Vidalina Morales, presidente da Ades, teme que recentes medidas adotadas por Bukele abram caminho para o retorno da extração mineral.
Em outubro de 2021, foi criada a Direção-Geral de Energia, Hidrocarbonetos e Minas, vista por alguns analistas como um sinal de que o governo estaria se preparando para liberar novas atividades extrativistas. Além disso, ativistas contrários à mineração foram recentemente presos.
A própria Morales viu essa situação de perto: seu filho foi preso em maio de 2023, junto a outros cinco ativistas ligados à Ades, supostamente por participar de guerrilhas na década de 1980. As prisões ocorreram em meio ao estado de exceção decretado por Bukele, prorrogado a cada mês desde março de 2022, em uma suposta tentativa de reprimir a violência local. Essas ações repressivas ganharam apoio interno, mas foram repudiadas internacionalmente pelas violações aos direitos humanos que a cercaram.
Embora os ativistas estejam hoje em prisão domiciliar, Morales acredita que a detenção foi uma estratégia do governo para silenciar quem denuncia o desmonte ambiental do país: “Nas questões ambientais e, especificamente, na mineração, retrocedemos enormemente. É uma clara criminalização dos ativistas dos direitos humanos”.
A presidente da Ades também destaca a rejeição de El Salvador ao Acordo de Escazú como outro problema para os ambientalistas do país. Criado em 2021, o tratado regional busca fomentar o acesso à justiça e a informações ambientais, além de proteger ativistas na América Latina e no Caribe. Ele foi assinado por 25 países e ratificado por 15, mas não por El Salvador. Bukele afirma que parte de suas cláusulas “não se aplicam à realidade” do país.
Tentamos contato com os órgãos do governo salvadorenho, mas não recebemos resposta até a publicação da matéria.
Morales está preocupada ainda com a possível autorização de exploração de hidrocarbonetos, em um país onde não há registro dessas reservas. A única explicação para isso, diz ela, seria uma estratégia para o retorno gradual da mineração.
Ao olhar para o futuro, Morales enxerga uma perspectiva sombria para El Salvador: “A luta para defender nossos territórios e o meio ambiente parece passar pelo seu momento mais difícil”.