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Acordo Mercosul-União Europeia trava por exigências ambientais

Protocolo com compromissos adicionais gerou críticas de todos os lados — medidas foram consideradas restritivas por autoridades brasileiras e fracas demais por ativistas
<p>Desmatamento ilegal em uma fazenda de soja na Amazônia brasileira, em julho de 2022. Ambientalistas afirmam que o acordo entre Mercosul e União Europeia pode impulsionar desmatamento nos países sul-americanos (Imagem: Alamy)</p>

Desmatamento ilegal em uma fazenda de soja na Amazônia brasileira, em julho de 2022. Ambientalistas afirmam que o acordo entre Mercosul e União Europeia pode impulsionar desmatamento nos países sul-americanos (Imagem: Alamy)

Após mais de 20 anos de negociações, o acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul) enfrenta mais um obstáculo: novas exigências ambientais da Europa, com as quais o governo brasileiro não parece disposto a concordar — e que até ambientalistas denunciaram como greenwashing.

O tratado entre a UE e o Mercosul — formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai — progressivamente reduziria e eliminaria as taxas alfandegárias entre as duas regiões, que juntas concentram mais de 710 milhões de pessoas e respondem por pouco menos de 18% do produto interno bruto global.

O acordo entre os blocos foi concluído em 2019, mas não foi ratificado. Já no ano seguinte, vários governos europeus expressaram preocupação com relação ao tratado, criticando as políticas ambientais do então presidente Jair Bolsonaro. As tratativas foram suspensas até que o governo brasileiro se comprometesse a adotar políticas de controle ao desmatamento. Na época, a taxa de desmatamento da Amazônia brasileira era a mais alta da década.

A chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil — e suas promessas de reverter os retrocessos ambientais do governo anterior — abriu uma nova janela de oportunidade para retomar as negociações entre a UE e o Mercosul.

Mesmo assim, a Europa seguiu pressionando o bloco sul-americano a se comprometer com as exigências para combater o desmatamento. Em um protocolo adicional, ou side letter, ao acordo, a EU propôs mudanças no capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável.

Esse acréscimo — que não foi anunciado oficialmente, mas circulou entre membros do Mercosul e da UE, além de grupos de ambientalistas — reforça termos do acordo para que os países signatários “não enfraqueçam suas regras ambientais ou trabalhistas para fechar negócios ou atrair investimento estrangeiro”.

O novo documento também exige compromissos adicionais para a implementação das contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, em inglês) do Acordo de Paris — as estratégias para reduzir emissões de gases de efeito estufa até 2030 — e os tratados no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica e outros acordos internacionais.

Mas a carta paralela foi criticada por congressistas e pelo governo brasileiro. Em uma reunião recente no Congresso, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse que o texto transformou os compromissos voluntários do Acordo de Paris em obrigatórios, trazendo risco de sanções caso o Brasil não cumpra suas metas. Ele acrescentou que quer “evitar que o meio ambiente seja usado como pretexto para medidas protecionistas” e que os governos do Mercosul trabalham em uma contraproposta.

O presidente Lula, por sua vez, adotou um tom semelhante. Durante sua visita oficial à Espanha em abril, ele disse que o acordo entre a UE e o Mercosul “ainda é impossível de aceitar”, embora espere chegar a um consenso até o fim do ano.

O conteúdo da side letter, por outro lado, frustrou organizações que pressionavam por regulações socioambientais mais duras no acordo. Há tempos que ambientalistas, líderes indígenas e pequenos agricultores de ambos blocos alertam que o acordo pode impulsionar o desmatamento nos países do Mercosul, promovendo a concorrência desleal e ameaças aos direitos das comunidades tradicionais.

Em um comunicado conjunto com outras organizações, a Friends of the Earth Europe disse que a recente carta “não faz nada” para proteger o meio ambiente, o clima ou os direitos humanos, oferecendo apenas “ajustes cosméticos, ilusórios e inaplicáveis”. As organizações disseram ainda que a nova proposta não dá soluções às emissões de gases de efeito estufa de atividades como a agricultura brasileira e que o acordo ignora os povos indígenas e os pequenos agricultores.

Em março, uma delação de ambientalistas e representantes comunidades tradicionais de Brasil, Paraguai e Argentina visitou o Parlamento Europeu, em Bruxelas, para expressar suas preocupações em relação ao acordo. Ana Paula Santos Souza, representante da agricultura familiar e professora da Universidade Federal do Pará, participou da reunião. Ela descreveu a falta de envolvimento com as autoridades: “Em nenhum momento, [as negociações sobre] esses acordos escutaram as populações”.

Outros especialistas consideraram a carta fraca em termos jurídicos. “Ela não é tão vinculante assim”, disse Lia Valls Pereira, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em um webinário realizado em 18 de maio.

Não conseguimos ver na side letter nenhuma perspectiva ou risco de aplicação de sanções aos países do Mercosul
Pedro Motta Veiga, diretor do Cindes

“Não conseguimos ver na side letter nenhuma perspectiva ou risco de aplicação de sanções aos países do Mercosul”, acrescentou Pedro Motta Veiga, diretor do Cindes, think tank voltado para as políticas econômicas e o desenvolvimento sustentável do Brasil.

No evento, Maurizio Cellini, diretor da seção de comércio de uma delegação da UE que visitou Brasília na semana passada, explicou que o acréscimo no documento era “essencialmente interpretativo” e deveria ser lido como uma proposta e não como uma exigência.

A delegação, composta por um grupo de legisladores do Parlamento Europeu, veio ao Brasil visando destravar o acordo comercial. Eles falaram ao Congresso e com autoridades, incluindo Marina Silva, ministra de Meio Ambiente e Mudança do Clima.

José Manuel Fernandes, parlamentar português que lidera a delegação da UE, disse à imprensa brasileira que, no geral, considerava positivas as reações à carta, mas que o acordo enfrentava um momento crítico: “Se não for fechado este ano, dificilmente será fechado tão cedo”.