Energia

China financia revolução hídrica no Equador

Aposta do Equador na hidrelétrica para limpar sua matriz energética inibe energia eólica e solar
<p>Coca Codo Sinclair, o projeto mais chamativo da onda de hidrelétricas no Equador, sofreu com atrasos e acidentes, e o seu custo impediu o investimento em renováveis (Imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/amalavidatv/30861192225/">Ministerio de Turismo Ecuador</a>)</p>

Coca Codo Sinclair, o projeto mais chamativo da onda de hidrelétricas no Equador, sofreu com atrasos e acidentes, e o seu custo impediu o investimento em renováveis (Imagem: Ministerio de Turismo Ecuador)

Nos últimos dez anos, o Equador apostou na construção de uma série de projetos hidroelétricos que buscam fornecer ao país energia suficiente para tornar apagões algo do passado, fortalecer o setor produtivo e até mesmo exportar o excedente para países vizinhos.

O ex-presidente Rafael Correa anunciou que oito novas usinas hidroelétricas começariam a funcionar em 2016 a um custo total de 6 bilhões de dólares. O responsável pelo projeto era Jorge Glas, então ministro de setores estratégicos, que em 2017 foi preso por fazer parte do escândalo de corrupção internacional envolvendo a gigante construtora brasileira Odebrecht.

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trabalhadores que morreram em construções de barragens no Equador nos últimos dez anos

Contudo, apenas a hidrelétrica Manduriacu, construída pela Odebrecht, foi inaugurada dentro do tempo previsto, em 2015. As outras sete usinas — controladas total ou parcialmente por construtoras chinesas — ultrapassaram os prazos finais devido a problemas de engenharia e relacionados ao meio ambiente. Acidentes de trabalho causaram um total de 26 fatalidades entre funcionários equatorianos e chineses.

O Equador fez uma aposta no setor hídrico para gerar não apenas sua própria energia, mas também um excedente para vender a países vizinhos. Os prejuízos, atrasos operacionais e acidentes comprometeram a habilidade do país de pagar os credores chineses que financiaram a construção desses projetos.

A construção da Coca Codo Sinclair é um obstáculo imenso no alcance de uma matriz energética verdadeiramente limpa no Equador

Hoje, apenas quatro dessas sete hidrelétricas estão em funcionamento. Elas operam praticamente na sua capacidade instalada, produzindo cerca de 2.422 megawatts (MW), segundo a Agência de Regulação e Controle de Eletricidade (ARCONEL).

Represas em funcionamento

As hidroelétricas do Equador têm o objetivo de transformar a rede elétrica do país, que até agora dependeu de usinas termoelétricas à base de carvão.
A aposta na energia hídrica, que aumentou em 35% com esses projetos, deveria permitir que o país reduzisse as emissões de gases de efeito estufa de maneira significativa, cumprindo seus compromissos assinados sob o Acordo de Paris.

Coca Codo Sinclair (CCS), a maior usina hidrelétrica do Equador, deveria ter começado a funcionar em 2012. Contudo, problemas de financiamento, greves de funcionários da construtora Sinohydro por melhores condições de trabalho, e acidentes como o colapso de um cano que matou 14 pessoas, atrasaram o início das operações.

A usina, inaugurada no começo de 2016, apresenta fissuras visíveis nos distribuidores de água, produzidas pelo uso de materiais inadequados, afirma um relatório da Controladoria nacional.

Segundo a Corporação Elétrica do Equador (Celec), que opera a usina, os trabalhos de reparo na CCS deverão durar cerca de um ano, e a construtora arcará com os custos. “O Equador não vai de maneira alguma receber a usina até que se finalizem os trabalhos e a Coca Codo Sinclair possa operar normalmente”, disse a Celec por e-mail ao Diálogo Chino.

No caso das três hidrelétricas que compõem o projeto Mazar Dudas, apenas Alazán está em operação. Em 2015, a Celec decidiu unilateralmente dar fim ao contrato de construção com a empresa China National Electric Engineering Company (CNEEC) por não cumprimento contratual.

Segundo os dados mais recentes disponíveis no site da Celec, a construção da casa de máquinas e a montagem eletromecânica da segunda central de San Antonio estavam previstas para 2018. No mesmo ano, estavam previstos também estudos de reengenharia da terceira hidrelétrica de Dudas.

Só quando entramos com as máquinas de perfuração que descobrimos a realidade da rocha

O não cumprimento de normas técnicas por parte da CNEEC também causou problemas na central hidrelétrica de Quijos, segundo documentos da Celec. O resultado foi o fim do contrato, terminado pela Celec em dezembro de 2015. No momento, há um processo de mediação em curso entre a Procuradoria Geral do Estado e a empresa chinesa. Numa declaração de emergência, a Celec conferiu os trabalhos restantes à empresa local Proyaben S.A. em 2016 e 2017.

“Eles não puderam avançar o trabalho porque havia problemas geológicos. Não importa quantos estudos você faça, é sempre superficial”, afirma Marco Valencia, subsecretário de geração e transmissão de energia elétrica do Ministério de Energia. “Análises geofísicas e geológicas podem ser feitas, mas é só quando entramos com as máquinas de perfuração que descobrimos a realidade da rocha. Nesses projetos [Mazar Dudas e Quijos], encontramos problemas geológicos como esses, e a construtora não cumpriu suas obrigações”.

A hidrelétrica Toachi Pilatón também está paralisada. A construção de suas instalações estava 85,4% completa, segundo a prestação de contas de 2018 da Celec. Nessa fase, várias empresas estrangeiras estavam envolvidas, inclusive a Odebrecht — que mais tarde foi expulsa do país pelo governo equatoriano.

Em 2010, a Celec contratou a empresa China International Water & Electric Corporation (CWEC) para a construção civil, e a empresa Russian Inter RAO UES para fornecer equipamentos eletromecânicos.

Frente aos constantes atrasos, Correa pediu a terminação do contrato com as construtoras em dezembro de 2016. Depois de um ano e meio sem avanços, em 22 de maio de 2018 a construtora russa Tyazhmash S.A. ganhou o contrato para terminar os trabalhos.

Os desafios de energia do Equador

Em 2018, o Equador produziu cerca de 23 mil gigawatts-hora (GWh). A maior parte dessa energia foi consumida no próprio país, em residências, indústrias e edifícios públicos, segundo Marco Valencia, subsecretário de Energia. Hidrelétricas geraram 85% dessa energia, acrescenta ele.

Com as novas usinas hidrelétricas em operação, o governo de Lenín Moreno assegurou que as emissões de gás carbônico (CO2) seriam reduzidas, graças à diminuição no consumo de combustíveis fósseis nas usinas termoelétricas.

“Desde que as hidrelétricas começaram a operar, a cada ano vemos uma redução de 3 milhões de toneladas de dióxido de carbono”, afirma Valencia. Segundo o subsecretário, em 2014 e 2015 — os anos com maior produção termoelétrica — o Equador emitiu cerca de 6 milhões de toneladas de CO2. Em 2016, esse número baixou para 5 milhões. Hoje, está entre 1,5 e 2 milhões de toneladas.

Ainda assim, o balanço geral pode não ser tão positivo, já que a construção de hidrelétricas também causa impactos ambientais significativos. Os dados de várias dessas usinas mostram que esses impactos também têm um alto custo econômico. As usinas também levaram a uma superprodução de energia, algo difícil de corrigir, segundo Paulina Garzón, da Iniciativa de Investimento Sustentável China-América Latina.

“Não é viável para o governo do Equador levar a cabo projetos de energia limpa, seja eólica ou solar, tanto do ponto de vista político como do econômico. Já há um excesso de produção energética e uma enorme dívida a pagar”, conta Garzón, que é equatoriana. “A construção da Coca Codo Sinclair é um obstáculo imenso no alcance de uma matriz energética verdadeiramente limpa no Equador”, acrescenta ela.

Além disso, desde 2008 o Equador não tem acesso a mercados de capital internacional. Essa situação levou ao governo de Correa a aceitar empréstimos da China, que são pagos com vendas de petróleo. À medida que os preços do petróleo cru caem, o país tem que extrair mais petróleo para cumprir suas obrigações de pagamento, o que põe em questão a sustentabilidade tanto econômica como ambiental desse modelo.

Para Arturo Villavicencio, professor de Economia Ecológica e Energia na Universidade Andina, apostar na energia hidrelétrica era a melhor alternativa para mudar a matriz energética, mas não nesse nível.
“A coisa mais razoável seria construir usinas menores, nas quais a contribuição nacional fosse maior”, afirma. “Isso teria permitido um maior desenvolvimento da indústria metal-mecânica. Perdemos uma enorme oportunidade de desenvolvimento tecnológico nacional foi perdida, e no fim das contas os projetos não seriam totalmente controlados por empresas chinesas”, acrescenta Villavicencio, referindo-se ao tipo de contrato que confere poder de decisão ao financiador.

Parte do problema, segundo Villavicencio, é que muitas empresas não estavam preparadas para lidar com os problemas técnicos encontrados, e o governo equatoriano não foi capaz de monitorar seus trabalhos.

Embora haja vários problemas de construção que precisam ser monitorados nas represas restantes, Villavicencio tem outra preocupação: o Equador pode não conseguir colher os benefícios das hidrelétricas se não melhorar sua capacidade de supervisão dos rios que alimentam o sistema.