Dois anos após o lançamento da primeira Parceria para a Transição Energética Justa (JETP, na sigla em inglês), o grupo de nações do G7, que reúne sete das maiores economias do mundo, já destinou US$ 45 bilhões para a transição energética de quatro países: África do Sul, Indonésia, Vietnã e Senegal.
Lançadas em meio às negociações climáticas da ONU em Glasgow em 2021, as JETPs surgiram como grandes pacotes de financiamento para acelerar a descarbonização do setor energético em países altamente dependentes de combustíveis fósseis, principalmente o carvão.
As JETPs fornecem apoio, ferramentas e acesso a financiamento internacional para acelerar a transição energética. O programa também estimula os países parceiros a ampliarem o escopo de suas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, na sigla em inglês) — metas locais estipuladas até 2030 conforme previsto pelo Acordo de Paris — e reafirmarem seus compromissos de atingir a neutralidade de carbono até 2050.
Os quatro acordos assinados até agora têm suas particularidades e desafios. Para a Indonésia, por exemplo, alcançar a neutralidade de carbono até 2050 significa atingir a meta uma década antes do previsto em sua NDC. Além disso, o país deverá aposentar sua incipiente exploração de carvão e avançar no uso de energias renováveis. A África do Sul, por outro lado, tem usinas de carvão antigas concentradas principalmente na província de Mpumalanga. Por isso, para os sul-africanos, o desafio será manter a população empregada em uma zona que depende economicamente das usinas carvoeiras.
Na América Latina, as JETPs poderiam ser opções viáveis? Essa é a pergunta que muitos começam a se fazer — e cuja resposta pode estar nas experiências na Ásia e na África.
Transição responsável
As JETPs foram lançadas em um momento crucial. Atualmente, os países pobres e em desenvolvimento recebem apenas um quinto do investimento global em energias limpas e, muitas vezes, sofrem para expandir o acesso a essas fontes no mercado interno, ainda mais quando não há verbas para arcar com os custos da transição.
O processo de transformação da matriz energética não envolve somente a substituição das fontes de geração por alternativas menos poluentes: os países precisam equilibrar transições eficazes, rápidas e abrangentes com a perspectiva de justiça social, como indica um estudo do Centro para o Desenvolvimento Global. E é isso que buscam as Parcerias para a Transição Energética Justa.
“O que me preocupa é que as parcerias se concentram demais no lado da oferta e analisam apenas o setor de energia, sendo que as soluções deveriam ser realmente integradas”, diz Annika Seiler, autora principal da pesquisa. “Pelo menos na África do Sul, na Indonésia e no Vietnã, com suas JETPs, o objetivo central é eliminar o carvão”.
Para Seiler, também consultora do Banco Asiático de Desenvolvimento, os países não podem negligenciar as medidas de adaptação necessárias em suas políticas energéticas — como a criação de taxas, a precificação do carbono e a governança setorial eficaz. Conforme a pesquisadora, é isso que traduz, em última instância, o significado da transição energética: uma transformação econômica de longo prazo.
Fonte inovadora de recursos
Em termos de financiamento, as JETPs são uma fonte inovadora de mobilização de recursos, combinando verbas públicas e privadas, além de bancos multilaterais. Segundo a análise do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, esse tipo de mecanismo pode, eventualmente, acelerar as decisões tomadas nas negociações climáticas da ONU, onde os países dependentes de combustíveis fósseis podem vetar qualquer acordo.
Dos quatro países que se beneficiam das JETPs, a África do Sul foi a primeira a apresentar o plano de investimento necessário para sua implementação. Mas, conforme o documento, a nação africana está em uma situação mais crítica do que o esperado: serão necessários US$ 98 bilhões para financiar sua transição energética — dez vezes mais do que o anunciado inicialmente.
Essa discrepância também reflete a natureza das parcerias: lançadas como um apoio político dos países doadores, elas devem ser traduzidas em planos realistas e concretos pelos beneficiários. Isso já causa atritos na Indonésia, onde houve dificuldades para se atingir consensos básicos sobre o plano de investimentos, diz uma reportagem da Bloomberg. Apesar disso, o documento foi publicado no fim de novembro, pouco antes da COP28 em Dubai, detalhando como seria usado o financiamento de US$ 20 bilhões.
Mesmo sendo a quinta maior emissora de gases de efeito estufa do mundo, a Indonésia ainda planeja adicionar 13 gigawatts gerados por carvão. Conforme sua JETP, o país só deixará de construir novas usinas do tipo em 2030 — algo que, segundo a Agência Internacional de Energia, o país deveria concluir até 2024 para cumprir a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.
Já uma análise independente mostra que, se a Indonésia usar os fundos da JETP para fechar antecipadamente cerca de metade das usinas de carvão, ela não só economizaria e reduziria suas emissões, como também poderia manter uma geração elétrica estável.
O Vietnã também lançou recentemente seu plano de investimentos, com US$ 15,8 bilhões de recursos previstos; já o Senegal deve entregar o plano até meados de 2024.
O lado B das parcerias
Um dos pontos mais críticos dessas parcerias tem a ver com a forma como esses bilhões de dólares chegariam aos países. No caso da África do Sul, por exemplo, apenas 3% são repasses diretos — o restante é basicamente dívida. Os Estados Unidos, que também lideram o acordo com a Indonésia, são os principais credores dos sul-africanos.
Para a Índia, as possíveis dívidas geradas pela JETP, junto à sua posição de não querer abdicar do carvão, foram alguns dos motivos pelos quais o país rejeitou a proposta de parceria. “A transição para o abandono do carvão não ocorrerá em um futuro próximo”, disse recentemente Santosh Agarwal, representante do Ministério do Carvão da Índia.
O Senegal foi o último país a aderir à JETP. A parceria foi firmada em meados deste ano, embora com diferenças marcantes em relação aos demais. O país não é tão dependente do carvão e nem é um grande emissor de gases de efeito estufa, como os outros três países. Sua pegada de carbono também é relativamente baixa e sua população tem grandes necessidades de acesso à energia.
Por outro lado, o governo senegalês não esconde suas intenções de usar a parceria para expandir o uso de gás. Embora seja mais limpo do que o carvão, o gás também é um combustível fóssil que ajuda a agravar a crise climática.
A parceria com o Senegal — que tem a França e a União Europeia como credores — surgiu em meio ao interesse da Europa de diversificar suas fontes de gás após a invasão da Rússia na Ucrânia.
Como a América Latina entra na jogada?
Em maio, o G7 anunciou seu plano de ação para uma economia de baixo carbono, estabelecendo prioridades e compromissos para apoiar financeiramente os países em desenvolvimento em suas metas para zerar emissões.
O grupo já havia manifestado a intenção de trabalhar nesse sentido junto aos países do G20, que inclui Argentina, México e Brasil. Em um comunicado publicado no ano passado, o G7 colocou entre suas prioridades as JETPs com Indonésia, Índia, Senegal e Vietnã, mas também enfatizou “o compromisso de trabalhar com a Argentina para alcançar a neutralidade de carbono até 2050”.
Para Leonardo Beltrán, ex-subsecretário de Planejamento e Transição Energética do México, esse tipo de mecanismo pode ser útil para os países da América Latina. “O México é a segunda maior economia da região; tem acordos comerciais com todas as regiões, sua economia é complexa e tem acesso aos mercados de capitais”, avalia.
“Porém, o país tem uma pegada de carbono significativa”, acrescenta Beltrán. “Se, com todas essas vantagens, não houver avanço para atingir as metas do Acordo de Paris, esse tipo de mecanismo poderá alcançá-las”.
Mas o país não deve aceitar quaisquer condições que sejam impostas, alerta Beltrán. Em vez disso, explica ele, deve haver um consenso entre as nações latino-americanas e o G7. O especialista ainda observa o grande alcance das energias limpas na região — onde representam 60% da geração de eletricidade. “Se quiser mostrar progresso de forma rápida e a baixo custo, [o México] poderia ser exemplo de liderança a partir de um mecanismo como esse”, diz.
Para o consultor de políticas climáticas Enrique Maurtua Konstantinidis, as JETPs “precisam ser executáveis e não apenas promessas”. Ele acrescenta que elas devem ter “o devido apoio político e institucional interno, bem como um diálogo com sindicatos, sociedade civil, comunidades e outros atores envolvidos”.
“Os países latino-americanos poderiam se beneficiar disso, porque têm as condições ideais. Infelizmente, ainda nenhum deles se aventurou”, diz Konstantinidis, citando o caso da Colômbia, país que recentemente aderiu a um tratado de não-proliferação de combustíveis fósseis. “Mas é preciso ter cuidado com as condições da dívida. Essa é a parte mais difícil”, alerta.
A pesquisadora Annika Seiler enfatiza que um ponto positivo das JETPs é promover a capacitação da força de trabalho: “Não se trata apenas de financiamento, mas também de parceria em termos de conhecimento e prática. Os estudos na África do Sul e na Indonésia destacaram esse tipo de problemas na transição energética, e acho que outros países poderiam contar com esse tipo de ajuda”.
Gabriel Blanco, pesquisador da Escola de Engenharia da Universidade Nacional do Centro da Província de Buenos Aires e coautor dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), coordenou um estudo que estimou os custos da transição energética na Argentina até 2050. A pesquisa comparou o cenário padrão e um com zero emissões líquidas de carbono. Considerando os custos de energia e infraestrutura, os resultados mostram que a segunda alternativa tem um custo total menor e poderia ser alcançada por meio do redirecionamento de recursos próprios, como os atuais subsídios aos combustíveis fósseis, sem a necessidade de aumentar o orçamento.
“O custo para um cenário baseado na eletrificação da demanda e de uma oferta com energias renováveis é 21% menor do que o custo do cenário padrão”, observa o estudo, destacando que a transição ainda criaria 120 mil empregos a mais do que o modelo atual até 2050. Em resumo, a pesquisa descreve como a transição para a energia limpa ajudaria a Argentina não só a honrar seus compromissos climáticos, mas também a economizar dinheiro e criar empregos.
“Vimos que há um custo inicial para transformar o sistema, mas depois os gastos se estabilizam e permanecem abaixo do cenário padrão”, conclui Blanco.
Esta reportagem foi publicada como parte do programa Comunidad Planeta, projeto liderado por Periodistas por el Planeta (PxP), do qual o Diálogo Chino é parceiro.