Clima

Relatório da ONU antes da COP28 cobra mais ambição climática

Balanço Global mostra avanço limitado de metas climáticas nacionais e lança a dúvida: os países vão cumpri-las a tempo?
<p>Em julho, a China registrou 52,2 °C na Depressão de Turpan, em Xinjiang, sua temperatura mais alta registrada (Imagem: Alamy)</p>

Em julho, a China registrou 52,2 °C na Depressão de Turpan, em Xinjiang, sua temperatura mais alta registrada (Imagem: Alamy)

Ativistas do clima se preparam para a próxima rodada internacional de negociações na conferência climática COP28, prevista para ser realizada em Dubai entre novembro e dezembro. Eventos preparatórios da ONU já foram realizados este mês, como o lançamento do primeiro Balanço Global de metas climáticas e a Cúpula de Ambição Climática, em Nova York.

O que diz o relatório?

O documento começou ser produzido na COP26, em 2021, reunindo informações de cientistas, empresários, líderes indígenas, agricultores, jovens e representantes de organizações sociais. O relatório final foi publicado em 8 de setembro, pouco antes da reunião do G20, na Índia. Ele não avalia países específicos, mas sim o resultado de ações conjuntas, e abrange questões como mitigação, adaptação e financiamento do combate às mudanças climáticas.

O texto destaca o progresso feito desde o Acordo de Paris: em 2015, as projeções de aumento da temperatura global até o final do século variavam entre 3,7 °C e 4,8 °C, enquanto hoje estão um pouco mais menos alarmantes e variam entre 2,4 °C a 2,6 °C.  Porém, o documento ressalta a necessidade de mais ambição e urgência no combate à crise climática em todas as frentes.

A janela para cumprir a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C até o fim do século está “diminuindo rapidamente”, também alerta o relatório. As emissões de gases de efeito estufa seguem aumentando quando, na verdade, deveriam ser reduzidas em 43% até 2030 e em 60% até 2035, em comparação aos níveis de 2019.

O relatório cobra transformações em todos os setores para que reduzam as emissões, com a expansão da energia renovável e o corte progressivo dos combustíveis fósseis. O texto também reconhece planos ambiciosos em adaptação climática, mas diz que a maior parte dos esforços é “fragmentada, gradual, voltada para setores específicos e desigualmente distribuída entre as regiões”. Por fim, o relatório pede mais apoio financeiro a países em desenvolvimento, tanto para a mitigação quanto para a adaptação.

Embora suas conclusões não sejam uma novidade, a publicação tem o objetivo de estimular os governos a chegar a um consenso sobre uma estratégia global na COP28. Em Dubai, os delegados farão um resumo das principais posições políticas que devem orientar os planos climáticos nacionais (também conhecidos como contribuições nacionalmente determinadas ou NDCs).

Alguns governos já sinalizaram que o acordo final da COP28 deve incluir medidas para acelerar a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. A Declaração de Nairóbi, adotada na Cúpula do Clima, no Quênia, no início de setembro, exigiu um imposto universal sobre o comércio de combustíveis fósseis.

Cúpula do Clima, no Quênia
A Declaração de Nairóbi, na Cúpula do Clima, no Quênia, exigiu um imposto universal sobre o comércio de combustíveis fósseis (Imagem: UNFCCC / Flickr, CC BY-NC-SA)

País anfitrião da COP28, os Emirados Árabes Unidos têm apoiado um acordo com a meta de triplicar a energia renovável, para uma capacidade global de 11 mil gigawatts até 2030 — algo com o qual os membros do G20 também concordaram em sua última reunião na Índia, no início de setembro.

No lançamento do balanço global das metas climáticas, o secretário-executivo da Convenção-Quadro da ONU sobre as Mudanças Climáticas, Simon Stiell, disse que o relatório apenas confirma o que o mundo já sabe: que o progresso está “muito aquém” do que foi acordado em Paris.

“O desafio é usar o balanço como um mecanismo de redefinição global, uma ferramenta para corrigir a rota e, ao mesmo tempo, não esquecer de onde viemos”, disse Stiell.

Na COP28, o relatório da ONU deve reforçar a necessidade de “olhar para trás de maneira abrangente e honesta” para enxergar sucessos e obstáculos, a fim de restabelecer a confiança entre os governos e focar em uma ação mais ambiciosa no futuro, avalia Stiell.

Nem todas as partes ficaram satisfeitas com o tratamento dado pelo relatório a certos temas. Um representante da Aliança de Pequenos Estados Insulares disse, no lançamento, que o documento subestimava as perdas e os danos — ou seja, os prejuízos das mudanças climáticas já em andamento, como o aumento do nível do mar.

“Achamos que as perdas e os danos foram muito subestimados nesse relatório, e isso está fora de sincronia com a discussão global em relação ao tema e o estado do clima”, disse ele.

Um representante da União Africana (UA) também reclamou da negligência com certos tópicos: “As questões fundamentais levantadas pela UA não foram refletidas adequadamente, ou não ganharam sua devida importância. Por exemplo, o direito ao desenvolvimento sustentável e à transição justa, um princípio importante que destrava posturas mais ambiciosas nos países em desenvolvimento.”

O representante da União Europeia, por sua vez, elogiou amplamente as conclusões do relatório, mas observou que “há poucos números ou metas concretas”. Para que o parecer do balanço seja útil e realmente aplicável, será necessário identificar conclusões mais concretas antes e depois de 2030, e até 2050”.

Cúpula de Ambição Climática

Outro grande evento em setembro foi a Cúpula de Ambição Climática da ONU, realizada durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York. A cúpula foi convocada pelo secretário-geral, António Guterres, que disse em seu discurso de abertura que “a humanidade abriu as portas do inferno” e que, se essa rota não for alterada, a elevação de 2,8 °C na temperatura levará o mundo a um futuro “perigoso e instável”.

Organizadores da cúpula enfatizaram a questão da credibilidade nas políticas adotadas e barraram palestrantes que não tivessem metas robustas para zerar as emissões líquidas. Dos mais de cem governos que pediram a palavra, apenas 34 foram aprovados. Os líderes de Brasil, Canadá, França, Alemanha e África do Sul foram os únicos do G20 que puderam se apresentar.

António Guterres, secretário-geral da ONU
Na Cúpula de Ambição Climática, em Nova York, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que ‘a ação climática é ofuscada pela escala do desafio’ (Imagem: Alamy)

Os destaques da cúpula também incluíram o anúncio de uma reforma institucional do Fundo Verde para o Clima. Porém, ele é alvo de críticas por países pobres e especialistas, que o consideram muito burocrático, lento e de difícil acesso. Mafalda Duarte, banqueira portuguesa e nova diretora-executiva da entidade, reconheceu que a estrutura do fundo já não era adequada ao seu propósito.

“Trata-se de um mesmo modelo aprimorado ao longo do tempo, mas que, em vez de simplificar o acesso, tornou-o mais complexo, com altos custos”, disse Duarte na cúpula.

Sua meta é que o fundo tenha uma capitalização de US$ 50 bilhões até 2030, em comparação com os US$ 17 bilhões atuais, disse ela. Essa visão, chamada de “50 por 30”, pretende ainda reformular a avaliação dos projetos e maximizar o investimento do setor privado, explicou.

O novo presidente da COP28, Sultan Al Jaber, executivo do setor petrolífero emiradense, ressaltou seu desejo de que a COP contribua para a redução gradual dos combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, apoie a introdução de alternativas de carbono neutro, triplicando a capacidade de energia renovável até 2030. O fomento da transição energética, diz Al Jaber, também passa por reduzir os prazos de autorização de projetos verdes e por “recarregar” os investimentos para a produção de baterias e a eficiência energética.

Guterres encerrou a cúpula com um tom mais positivo do que no início, observando haver regiões, cidades, empresas e instituições financeiras que já estavam alinhando suas políticas, estratégias e investimentos à meta de limitar o aquecimento a 1,5 °C até o fim do século: “Se esses pioneiros podem fazer isso, todos podem”.

Tom Evans, consultor de políticas da E3G, think tank sobre mudanças climáticas, avalia que o balanço global definiu uma tarefa clara, mas com um longo caminho pela frente: “Há uma enorme distância entre as expectativas estabelecidas pelo relatório para cumprir o Acordo de Paris e o atual cenário político”.

“A ação climática luta para avançar com rapidez em um contexto de fragmentação geopolítica e ação insuficiente, principalmente em relação ao financiamento de países pobres”, diz Evans.

Já a Cúpula de Ambição Climática, diz o consultor, foi um evento incomum para os padrões da ONU, ao deixar alguns países de fora: “Quando temos todos em volta da mesa, isso abre muita margem para palavras elogiosas, mas não para ações concretas. O secretário-geral deixou bem claro que deseja ter esse espaço para lideranças, e acho que isso foi bem-sucedido”.

“É uma tentativa de colocar países na vanguarda como inspiração para os demais — mas vamos ver se isso funciona”, finalizou.