Clima

Mudanças climáticas representam ameaças a cafeicultores no Brasil

Clima mais seco e quente provoca estragos em culturas de café arábica, com agricultores apostando em agrofloresta para salvar produção
<p>Felipe Barretto Croce, proprietário da Fazenda Ambiental Fortaleza, em Mococa, São Paulo. Condições climáticas cada vez mais extremas devem afetar gravemente a produção de café no Brasil (Imagem: FAF)</p>

Felipe Barretto Croce, proprietário da Fazenda Ambiental Fortaleza, em Mococa, São Paulo. Condições climáticas cada vez mais extremas devem afetar gravemente a produção de café no Brasil (Imagem: FAF)

À medida que a temporada de incêndios atinge seu pico na região amazônica, produtores de café localizados a milhares de quilômetros de distância também vivem seu inferno particular. Fazendas como a de Felipe Barretto Croce, em Mococa, no estado de São Paulo, têm visto as queimadas aumentarem nos últimos anos, pondo em risco a produção daquele que é o maior exportador de café do mundo.

“A gente vê que agosto e setembro são meses críticos de final de época de seca, evapotranspiração, déficit de água no solo. Começa a ficar crítico e a gente vê muitos fogos, muito incêndio na região”, explica Croce. 

A Fazenda Ambiental Fortaleza (FAF), propriedade da família de Felipe, está situada interior de São Paulo, no meio de dois biomas — o Cerrado e a Mata Atlântica — onde dez hectares de café arábica orgânico estão cada vez mais vulneráveis às mudanças climáticas, em grande parte acentuadas pela perda de vegetação na Amazônia. 

“Nos últimos anos, tivemos mais dias com clima extremo: frio mais intenso e calor mais intenso. Estamos vendo um déficit de chuva no geral. Isso provavelmente por conta de muito desmatamento ao redor, no Cerrado e na Amazônia”, diz Croce.

Plantação de café arábica no estado de Minas Gerais, Brasil
Plantação de café arábica no estado de Minas Gerais, Brasil. O sabor rico e frutado faz do grão o preferido de muitos pequenos agricultores, embora seja mais suscetível às mudanças climáticas (Imagem: Alexandre Rotenberg / Alamy)

A previsão é que essas estações secas e quentes se tornem piores e mais frequentes. A modelagem climática da plataforma Gro Intelligence estima que o número de dias com temperaturas extremas acima de 34 °C no período crítico de floração dos cafezais, entre setembro e outubro, aumentará em até dez dias por mês até 2050.  Os dados sugerem que o café do Brasil provavelmente será o mais severamente afetado de todos os países produtores de café estudados (Colômbia, Peru, Quênia e Etiópia), com a previsão de que as chuvas também diminuam em 10% até meados do século.

Apesar das quedas do dólar em relação ao real e do volume do café exportado em 2022, os preços do produto no mercado internacional mantiveram altas satisfatórias, segundo o setor cafeicultor, gerando uma receita recorde de US$ 9,23 bilhões ano passado no Brasil.

Os principais compradores do café brasileiro no ano passado foram Estados Unidos, Alemanha, Itália, Bélgica e Japão — mas vale ressaltar que até mesmo a Colômbia, também famosa por seu café, tem aumentado as importações do grão brasileiro e já figura no top 10 de países compradores, conforme a ComexStat, plataforma do governo brasileiro de dados do comércio exterior. 

Embora a China não esteja entre os maiores importadores do café brasileiro, suas compras vêm escalando ano a ano, e isso já atraiu a atenção dos produtores nacionais: 2023 ainda nem acabou, mas já é o ano recorde de importações do café brasileiro pela China, com 29 toneladas compradas até agosto, segundo a ComexStat. Em uma década, as importações saltaram mais de dez vezes. 

Duas espécies de café são cultivadas no Brasil — robusta e arábica —, mas há muitas variedades nas 15 regiões produtoras. O arábica, com seu sabor rico e frutado, é o grão preferido de fazendas especializadas de pequenos produtores. No entanto, é muito mais suscetível a mudanças climáticas. Pesquisas sugerem que a exposição a temperaturas acima dos 30 °C leve a anormalidades e à degeneração do cafeeiro. Desde 2010, as temperaturas em todos os municípios brasileiros produtores de café aumentaram em média 1,2 °C no período de floração.

Com o clima extremo se tornando mais frequente, o tempo entre os estresses climáticos nos cafezais brasileiros está mais curto, o que significa que as plantas não têm a chance de se recuperar totalmente. Os efeitos de uma seca severa em 2020 e da pior geada em 27 anos em 2021 ainda são sentidos pela espécie arábica, altamente sensível.

Mais ao sul, em Bragança Paulista, também no estado de São Paulo, José Oscar Ferreira Cintra, produtor da quinta geração familiar de café, produz o que ele descreve como a “Ferrari do café”. Mas ele está horrorizado com o comportamento errático de seus cafeeiros.


Temos momentos em que era para estar seco, e está chovendo. O contrário também acontece. E a planta não sabe como reagir. Ela quebra totalmente a sua sequência lógica
José Oscar Ferreira Cintra, produtor de café

“O clima está embaralhado. Não há uma sequência lógica como havia”, diz Cintra. “Temos momentos em que era para estar seco, e está chovendo. O contrário também acontece. E a planta não sabe como reagir. Ela quebra totalmente a sua sequência lógica. A planta tem flor, chumbinho [fruto em estágio inicial], café maturado, café seco, tudo ao mesmo tempo. Isso é um horror”.

Cintra ressalta que essa sequência ilógica resulta em uma maturação desigual do café, o que, por sua vez, não apenas resulta na diminuição da qualidade e do sabor dos grãos como também torna os cafezais mais suscetíveis a doenças.

“Essas mudanças climáticas afetam a saúde da planta. Quando você tem uma planta sadia, ela dificilmente pega doença. Ou se pega, ela resiste, combate. Agora, com a mudança, é uma planta que está sem defesas”, explica Cintra.

Impacto até em regiões com muita água

Desde as montanhas escarpadas das Matas de Minas, na divisa de Minas Gerais e Espírito Santo, até as colinas onduladas da Mogiana, no estado de São Paulo, não há duas regiões produtoras de café iguais. Isso também significa que as experiências dos agricultores e os impactos climáticos são variados. 

Com mais de 1.400 metros de altitude em seu ponto mais alto, a fazenda de café de Afonso Donizete Lacerda, em Dores do Rio Preto, no Espírito Santo, escapou até agora de alguns dos problemas enfrentados pelos produtores de café em outras regiões.

“Nós temos muita água, nós estamos em uma região privilegiada. Todas as propriedades têm muitas nascentes, então água não é problema aqui. Nós temos uma chuva aqui de 1.600 milímetros por ano, isso é suficiente para os cafezais”, diz Lacerda. “A gente não precisa irrigar nada, então isso favorece também a produção”.

Afonso Donizete Lacerda, cafeicultor em Dores do Rio Preto, no Espírito Santo
Afonso Donizete Lacerda, cafeicultor em Dores do Rio Preto, no Espírito Santo, explica que, mesmo em uma região bastante chuvosa como a dele, a floração do café é afetada pelas mudanças climáticas (Imagem: Afonso Lacerda)

Mas mesmo ali, na fazenda de Lacerda, produtora de café há 200 anos, os padrões climáticos estão mudando. “Nos últimos cinco anos, a florada de março passou a produzir cada vez menos. Janeiro tem sido chuvoso, e a gente acha que é isso que está afetando a diminuição da florada tardia aqui”, explica. 

Com a projeção de que mais de 50% das terras em todo o mundo se tornarão inóspitas para o café devido às mudanças climáticas até a virada do século, conforme previu um estudo pela Universidade de Zurique no ano passado, pode parecer tentador considerar a migração da produção de café do Brasil para regiões de altitude elevada ou mais frias.

Mas o especialista em agrometeorologia Jurandir Zullo Junior, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), alerta para os riscos da migração dos cafezais para outras áreas produtoras, menos tradicionais.

“A principal preocupação é que a produção do café necessita de uma estrutura. Não é uma planta que você vai deslocando facilmente como uma cultura de grãos, que em 120 dias ou 90 dias você produz, como o caso do feijão. O agricultor normalmente é especializado, já tem uma tradição, já tem uma experiência. Por isso a adaptação de uma cultura perene é muito difícil”, explica Zullo Junior. 

Espírito Santo e Rondônia são onde cresce outro tipo de grão de café brasileiro, o Canephora conilon (semelhante ao robusta). Acredita-se que o robusta e o conilon sejam mais resistentes às alterações climáticas, mas um estudo recente realizado por acadêmicos na Itália destaca a falta de pesquisas sobre o robusta em comparação com a espécie arábica

Apesar disso, as previsões sugerem que o Brasil poderá perder até 60% das áreas adequadas de cultivo de café conilon até 2050. Embora a produção deste ano em Rondônia não tenha sido afetada por condições climáticas extremas, a história é bem diferente no Espírito Santo, onde os eventos climáticos, incluindo invernos frios e falta de chuvas, reduziram a produção total de conilon em 10,8%.

Como adaptar uma cultura delicada

Com 78% de todo o café no Brasil produzido por pequenas fazendas, a adaptação será fundamental, mas não há uma solução única que garantirá a sobrevivência dos cafeeiros nessas diversas regiões.

De acordo com Zullo Junior, que pesquisa os efeitos do clima na agricultura há quase 40 anos, o café é uma cultura particularmente vulnerável às mudanças de temperatura e ao regime de chuvas: “As perdas e a redução de produção são muito grandes, porque a planta, pela característica própria, tem um limite bem definido de adaptação. É uma planta de sub-bosque [área sombreada abaixo da copa da floresta], ela não tolera temperaturas muito altas, nem muito baixas”.

Grãos de café secam em prateleiras suspensas na Fazenda Ambiental Fortaleza, em Mococa, São Paulo
Grãos de café secam em prateleiras suspensas na Fazenda Ambiental Fortaleza, em Mococa, São Paulo. Cafeicultores observam que a instabilidade climática pode reduzir a qualidade e o sabor do café (Imagem: FAF)

A técnica de adaptação mais usada no Brasil é a irrigação, que permite aos cafeicultores regar suas lavouras durante os períodos mais secos, reduzindo o estresse das plantas. Mas cada região tem diferentes suprimentos de água e, com o aumento das secas, agricultores estão preocupados com a gestão dos recursos hídricos, exigindo melhores licenças e controle do uso de aquíferos.

Um estudo da Unicamp descobriu que outra técnica de adaptação, o sombreamento, em que árvores maiores são plantadas entre os cafezais para fornecer sombra, pode reduzir a temperatura do ar em 0,6 °C, além de reduzir outros estresses, como o vento e o aumento da umidade do ar. O sombreamento também evita a degradação do solo, atua no controle de pragas e absorve carbono da atmosfera. 

Mas, de acordo com Zullo Junior, a adaptação requer investimentos. Então, agora, as pesquisas estão se voltando para ajudar a encontrar soluções que não apenas protejam os pés de café de doenças e pragas, mas também os tornem resistentes ao clima.

“Melhoramento genético é desenvolver plantas mais adaptadas a estresses de temperaturas. Essa provavelmente é a técnica mais adequada, só que ela leva um tempo de desenvolvimento, pelo menos 15 anos”, explica Zullo Junior.

Fazendas familiares: parte da solução

A agricultura não é apenas considerada um dos setores mais vulneráveis à emergência climática, mas é também amplamente reconhecida como uma parte importante da solução, devido à sua capacidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa.

Muitos produtores familiares de café no Brasil estão cientes disso, pois há gerações vêm se esforçando para produzir café de alta qualidade em harmonia com o delicado equilíbrio de seu bioma local. Essa paixão por proteger e restaurar a biodiversidade por meio da agrofloresta está no cerne da fazenda de Felipe Barretto Croce, a FAF, e essa abordagem está produzindo resultados positivos para a produção e o planeta.

“Estou mudando completamente o manejo que vinha sido feito no passado. Hoje estou plantando com uma agrofloresta funcional no meio do café, totalmente mecanizada, para criar um habitat confortável, equilibrado e estável para o meu café”, diz Croce.

Árvores plantadas junto à lavoura de café
Plantações de café em sistema agroflorestal da Fazenda Ambiental Fortaleza. As árvores plantadas proporcionam sombra e proteção contra o vento às lavouras de café (Imagem: FAF)

A FAF, que também tem mais de 40% de floresta em sua área, utiliza uma ampla gama de técnicas, como reflorestamento e proteção contra o vento (que mantém a umidade no solo), para garantir não apenas a saúde das plantações de café como também do solo e de polinizadores.

Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Alfenas, em Minas Gerais, que incluiu a FAF, constatou aumento de 30% ou mais em produtividade devido à boa polinização natural. No entanto, a pesquisa concluiu que São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo abrigam 43% dos municípios onde as taxas de reserva legal estão abaixo do previsto pelo Código Florestal — ou seja, pelo menos 20% do bioma dentro da propriedade rural deve ser preservado, com exceção da Amazônia, onde a proteção é de 80%. 

Essa delicada rede de produção, proteção e regeneração da natureza parece estar produzindo bons resultados e tem o potencial de mitigar alguns impactos do clima. “Com as mudanças climáticas e a destruição da biodiversidade ao nosso redor, nunca foi tão importante nos preparar para um futuro complicado”, conclui Croce.

Esta reportagem é da Mongabay Brasil e foi republicada aqui com sua permissão.