O presidente Alberto Fernández anunciou, durante sua viagem à China, em fevereiro, a adesão da Argentina à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, em inglês), além de assegurar investimentos que podem impulsionar a transição energética do país sul-americano. Por outro lado, os aportes podem acabar incentivando a indústria de combustíveis fósseis.
Há anos, a Argentina tem tido nenhum ou limitado acesso a mercados financeiros internacionais — uma situação que deve se manter devido à alta dívida pública do país. A nação, no entanto, recentemente fechou um acordo para a reestruturação da dívida com seu principal credor, o Fundo Monetário Internacional. Enquanto isso, o interesse da China como investidor na Argentina só faz crescer, com uma menção específica da transição energética no documento de adesão da BRI.
13%
da matriz energética da Argentina é composta por energias renováveis. O país quer que esse número suba para 20% até 2025.
Em todo o mundo, quase 40% dos investimentos estrangeiros da China no escopo da BRI foram destinados ao setor de energia, segundo um levantamento da Universidade Fudan, uma das principais instituições de ensino do país.
Apesar de a China ser responsável por mais de um quarto das emissões globais de dióxido de carbono, ela tem planos ambiciosos de descarbonização. Com mais investimentos em energias renováveis no exterior, o país pode acelerar o novo paradigma energético no mundo.
“A China não financiou nenhum projeto envolvendo carvão dentro do escopo da BRI”, comenta Néstor Restivo, historiador especializado nas relações sino-argentinas. Xi também se comprometeu em buscar mais apoio para as energias renováveis em todo o mundo.
O governo de Alberto Fernández estima que, para cumprir suas metas climáticas de reduzir em 26% os gases de efeito estufa até 2030, será preciso incorporar entre 8,7 e 11,8 gigawatts (GW) de energia renovável na matriz energética do país até lá.
Isto exigirá investimentos entre US$ 422 milhões e US$751 milhões anuais. A Argentina também deseja que 20% de sua matriz energética seja composta por energias renováveis até 2025. Atualmente, esse valor é 13%.
“A China é um grande fornecedor de equipamentos de energia renovável. Com um financiamento atraente por trás, o setor continuará a crescer fortemente no mercado [argentino]. Ela já tem feito isso no Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Chile”, disse Gustavo Ca
China investe em energia na Argentina
A China já é um dos principais atores do setor de energia renovável na Argentina — com presença desde no fornecimento de tecnologia até na construção e operação de parques eólicos e solares e na venda de equipamentos. O país produz cerca de um terço das turbinas eólicas, 80% dos painéis solares e dois terços das baterias de lítio do mundo.
A empresa chinesa Goldwind, segunda maior fabricante mundial de turbinas eólicas, é proprietária do parque Loma Blanca, de 250 megawatts (MW), no sul da Argentina, e da usina de 96 MW em Miramar, na província de Buenos Aires. A PowerChina, empresa estatal de engenharia, construiu essas usinas.
Com um financiamento atraente da China, o setor de energia continuará a crescer fortemente na Argentina
A PowerChina também construiu e é responsável pela operação do parque solar de Cauchari, o maior do país, com uma capacidade instalada de 315 MW. O projeto foi contratado pela JEMSE, estatal de energia da província de Jujuy. A empresa chinesa também construiu o Parque Solar Cafayate (101 MW), da Canadian Solar, e os parques solares Diaguitas (2,4 MW) e Tamberías (3,6 MW), na província de San Juan. A PowerChina também está trabalhando em projetos solares em Córdoba.
No setor eólico, a empresa chinesa Envision Energy ganhou contratos para desenvolver os parques García del Río (10 MW), no sul da província de Buenos Aires, e Vientos del Secano (50 MW), em Villarino, Buenos Aires. A Envision também está envolvida na construção do parque Los Meandros (125 MW) na província de Neuquén, sudoeste do país, embora haja dúvidas sobre a viabilidade do projeto devido a dificuldades em seu financiamento.
Segundo a pesquisadora Juliana González Jáuregui em um relatório para o Fundo Carnegie para a Paz Internacional, as empresas chinesas ganharam 29% dos projetos pelo programa RenovAR, marco regulatório argentino que tem impulsionado investimentos em renováveis. Elas adquiriram 19% dos megawatts licitados para energia eólica e 45% para energia solar.
Novos projetos de energias renováveis
O estreitamento das relações diplomáticas entre China e Argentina, com a chegada de Fernández ao poder em 2019, lançou as bases para novos investimentos chineses. A relação política entre os países orienta as decisões de empresas chinesas e estimula mecanismos bilaterais de financiamento.
Os dois países identificaram dez obras de infraestrutura a serem financiadas pela China no Diálogo Estratégico para a Cooperação e Coordenação Econômica — plano de ação da Argentina para a cooperação bilateral. Ele inclui uma série de projetos em energia, sendo o mais avançado a construção de hidrelétricas ao longo do rio Santa Cruz, na Patagônia, que adicionam 1.300 MW ao sistema elétrico nacional.
Novos projetos de infraestrutura também incluem: a quarta usina nuclear do país, um projeto de US$ 8 bilhões que usará um reator chinês e adicionará 1.200 MW ao sistema; a expansão, em 200 MW, do parque solar de Cauchari por US$ 200 milhões; e o parque solar de Cerro Arauco, com mais 200 MW.
Mas isso não é tudo. Empresas chinesas também estão interessadas no parque eólico El Escorial em Chubut e na infraestrutura de transmissão de eletricidade de Buenos Aires. Há também o projeto hidrelétrico Potrero del Clavillo-El Naranjal na província de Catamarca, para o qual o governo já assinou um memorando de entendimento com a PowerChina.
A empresa chinesa Ganfeng Lithium, que está desenvolvendo o projeto de produção de lítio de Mariana em Salar de Llullaillaco, província de Salta, contratou a PowerChina para construir uma usina solar de 30 MW, visando garantir sua autossuficiência energética.
A Ganfeng Lithium detém 51% do projeto Caucharí-Olaroz, que deve começar a produzir lítio em 2022. Além disso, a PowerChina tem gasodutos para fornecer 24 MW à usina de lítio da francesa Eramet e 6 MW à australiana Orocobre em Catamarca (6 MW).
“Temos projetos importantes em operação e também a serem desenvolvidos no curto prazo na Argentina”, disse Tu Shuiping, presidente da PowerChina na Argentina. “A incorporação do país na BRI é uma condição favorável para isso”.
Investimentos em combustíveis fósseis
A China, por outro lado, é importante no setor de combustíveis fósseis da Argentina e, apesar de seu compromisso de cortar os investimentos de carvão no exterior, tem novos projetos de não-renováveis em andamento.
Desde 2010, a China National Offshore Oil Corporation é acionista do Pan American Energy Group (PAE), maior petrolífera privada do país. A PAE é a segunda maior operadora de petróleo e gás não convencional de Vaca Muerta, em termos de área concedida. No mesmo ano, a chinesa Sinopec adquiriu ativos da Occidental Petroleum, sediada nos EUA.
A China também pode financiar um novo gasoduto que o governo argentino planeja construir para transportar mais gás xisto de Vaca Muerta para as províncias de Buenos Aires e Santa Fé, além de uma conexão para o sul do Brasil.
Empresas chinesas também estão interessadas na instalação da usina de Manuel Belgrano II, que pode adicionar 810 MW de potência ao sistema elétrico argentino.
Potencial de renováveis na Argentina
Além dos bons laços políticos com a China, das restrições financeiras da Argentina e do interesse asiático em aumentar suas vendas de equipamentos e sua presença em empresas de energia, o mercado de energias renováveis no país sul-americano enfrenta uma série de desafios pela frente, sobretudo pelo limbo legal dos projetos em andamento.
Em 2018, o país entrou em uma crise cambial que mudou o cenário financeiro e levou à suspensão de vários investimentos concedidos no governo Mauricio Macri (2015-2019).
Ao mesmo tempo, a expansão da matriz renovável do país exigiria investimentos da administração de Alberto Fernández ou de empresas privadas em linhas de transmissão mais potentes, já que as atuais estão em sua capacidade máxima. Os recursos solares e eólicos estão localizados principalmente no norte e sul do país.
A Argentina tem excelentes recursos eólicos, potencial de crescimento, leis e regulamentações que apoiam o desenvolvimento de energia limpa
Fontes do Ministério da Economia relataram ao Diálogo Chino que o interesse argentino está na capacidade financeira da China, mas lembram que existem diferenças entre o investimento estrangeiro direto — no qual a empresa privada assume o risco do projeto — e o empréstimo soberano, no qual o risco é transferido para o Estado argentino. Como tal, apenas parte da moeda estrangeira fica no país, enquanto a outra parte, na China.
Marcelo Kloster, presidente da estatal de energia argentina Impsa, enfatizou que a incorporação da indústria do país na cadeia de valor do setor energético é outra questão a ser resolvida. O governo argentino quer apoiar as indústrias nacionais para que elas possam desempenhar um papel maior. A China está “mais aberta” à ideia, disse Kloster.
Ling Peitian, gerente-geral da Goldwind Argentina, disse que investir no país acarreta mais riscos do que em outros países sul-americanos devido à instabilidade regulatória, restrições cambiais e capacidade limitada de transmissão de eletricidade no país.
No entanto, isto não diminui a “atratividade muito alta” desse mercado, disse Ling ao Diálogo Chino: “Há excelentes recursos eólicos, potencial de crescimento, leis e regulamentações que apoiam o desenvolvimento de energia limpa. Além disso, os investimentos agora se enquadram na BRI, à qual a Argentina aderiu”.
Nota do editor: esta matéria foi atualizada com uma referência ao memorando de entendimento recentemente publicado entre a Argentina e a China para a Iniciativa Cinturão e Rota.