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Erva-mate: bebida nacional da Argentina busca novos horizontes na China

Cooperativa argentina quer aumentar popularidade — e exportações — da erva-mate, promovendo a infusão como um estimulante natural
<p>A erva-mate cresce em uma plantação associada à Colonia Liebig, uma cooperativa argentina que produz Playadito, uma das variedades mais vendidas do país. O grupo tem feito progressos nos últimos anos na exportação de seus produtos para a China (Imagem: Cooperativa Liebig)</p>

A erva-mate cresce em uma plantação associada à Colonia Liebig, uma cooperativa argentina que produz Playadito, uma das variedades mais vendidas do país. O grupo tem feito progressos nos últimos anos na exportação de seus produtos para a China (Imagem: Cooperativa Liebig)

“Estive na China há 20 anos e fiquei impressionado com sua cultura e desenvolvimento. Fomos com a intenção de entrar no mercado de erva-mate lá, e hoje já somos o número um em vendas”, diz Gustavo Quatrin, gerente da cooperativa Colonia Liebig, responsável pelas vendas da Playadito, marca mais vendida na Argentina e China, seu principal destino.

Estimulante natural por ter cafeína em sua composição, a erva-mate é uma das bebidas mais populares e culturalmente importantes em Argentina, Uruguai e Paraguai, onde é consumida o ano inteiro, à frente do café ou chá. Seu consumo também pode ser benéfico à saúde por conter vitamina B e antioxidantes.

100 mil quilos


É a quantidade de erva-mate que a China importou em 2021, dos quais quase 90% vieram da Argentina

A origem da erva-mate remonta aos povos indígenas guaranis, que a cultivavam muito antes da colonização europeia. Eles usavam suas folhas como bebida, objeto de culto e moeda. Hoje, a Argentina é a principal produtora mundial da erva-mate, com mais de 317 mil toneladas produzidas em 2021, segundo dados do Instituto Nacional da Erva-mate (Inym). Dessas, 85% foram para o mercado interno.

Os países árabes são, historicamente, os principais mercados de exportação de erva-mate argentina, com destaque para a Síria. Assim como na América do Sul, lá a erva é consumida via infusão, com uma bomba ou bombilla – um canudo de metal com filtro. Mas este não é o método preferido na China, um mercado ainda pequeno, mas em crescimento.

De olho no Oriente

O chá tradicional é a bebida de infusão mais importante da China. Lá, a erva-mate é comercializada para ser bebida de forma semelhante: sem bomba e preparada com uma moagem mais fina. A maioria das ervas disponíveis no país asiático não tem caule, que comumente está presente nas infusões argentinas e é o que dá o sabor mais forte à bebida. Em 2021, a China importou quase cem mil quilos de erva-mate, dos quais 89 mil vieram do país sul-americano, de acordo com dados da Administração Geral de Alfândega da China.

Um homem despeja água quente em uma cuia coberta com erva-mate
Um homem despeja água quente em uma cuia coberta com erva-mate — o método tradicional para a infusão na América do Sul. Na China, a bebida tem sido comercializada até agora para ser consumida usando sachês ou folhas soltas, semelhante aos chás chineses (Imagem: Fermin Rodriguez Penelas / Unsplash)

Agora, a indústria de erva-mate vê um potencial de crescimento. “Estamos em fase inicial, e isto é compreensível devido ao [domínio do] consumo de chá na China. Temos que estar cientes desse contexto”, diz Quatrin. “Entretanto, é um mercado que pode continuar a crescer. Fazemos muito marketing, o que explica a participação no mercado que já temos”.

A jornada do mate da Liebig

A Colonia Liebig é uma cooperativa de erva-mate da província de Corrientes, no nordeste da Argentina. Fundada por descendentes de alemães em 1924, ela tem 126 produtores associados e também compra a erva de outros sete mil produtores não-associados.

Playadito, sua principal marca, está disponível na Argentina, países vizinhos como o Chile, e também em países distantes como Austrália, Alemanha, Espanha, Reino Unido, França e Estados Unidos, assim como a China.

Embora a Playadito exista desde 1979, foi somente em 2015 que ela começou a exportar erva-mate para o país asiático. Em 1990, o país sofreu a escassez do produto, e novas plantações foram permitidas, o que acabou gerando um excesso de oferta. Foi então que o setor começou a procurar novos mercados, incluindo a China.

Embora as exportações tenham começado apenas há sete anos, a Playadito trabalha com uma importadora chinesa, a Benben Trading, há mais de uma década — quando ainda se preparava para entrar no mercado chinês. Quatrin explica que a importadora escolheu representar a Playadito na China após ver seu crescimento no mercado argentino.

Hoje, diz o gerente da cooperativa, a Playadito é a empresa número um em vendas online na China, com 75 mil quilos de erva-mate exportados para o país em 2021. “A China é o destino mais importante para nós, pois não exportamos para o Oriente Médio”, explica.

vista aérea de uma plantação de erva-mate e de uma fábrica de processamento
Uma plantação de erva-mate Colonia Liebig na província de Corrientes, Argentina. A cooperativa trabalha com 126 produtores associados e também adquire erva de fora da cooperativa, de um total de mais de 7.000 produtores (Imagem: Cooperativa Liebig)

No popular site de e-commerce chinês JD.com, uma embalagem de meio quilo de Playadito é vendida por cerca de 108 yuan (R$ 81). A embalagem do mesmo tamanho da Liebig,  marca premium da cooperativa, é vendida por 157 yuan (R$ 118), mais ou menos o mesmo que uma lata de café preto do Starbucks no mesmo site.

Pesquisando o termo “erva mate” (马黛茶, madai cha) no buscador chinês Baidu, o “Google da China”, metade dos resultados faz referência a duas celebridades que amam a bebida: Lionel Messi, provavelmente o principal representante na China, seguido pelo atacante uruguaio Luis Suárez. Os demais resultados são conteúdos promocionais de importadores, descrevendo a cultura e a ampla gama de costumes que envolvem a erva-mate.

Erva-mate e sua produção

Além das preferências em torno de infusões com ou sem caule — algo que também gera discussões entre consumidores sul-americanos — não há diferença entre a erva-mate exportada para a China e a destinada ao consumo na Argentina. O processo de produção é o mesmo: começa com as mudas, que são depois transplantadas para um solo rico em ferro e nutrientes, como é o caso do solo vermelho nas províncias de Misiones e Corrientes, onde se concentra a produção.

A colheita é feita manualmente quatro anos após ser transferida para a terra, entre os meses de abril e setembro. Uma vez colhidas, as folhas e caules são imediatamente secos a temperaturas de 100°C por cerca de quatro horas. Em seguida, são armazenados por entre seis e 18 meses, antes do início da moagem.

fábrica de embalagens de erva-mate
A erva-mate é processada e embalada em uma instalação da Colonia Liebig. A variedade empacotada nas embalagens vermelhas possui uma moagem mais fina — sem os caules da planta — que até agora provou ser mais popular na China (Imagem: Cooperativa Liebig)

A planta erva-mate pode crescer até 15 metros e prospera em climas tropicais de temperaturas quentes, alta umidade e chuvas frequentes. O controverso agrotóxico glifosato — de classificação “provavelmente cancerígeno” pela Organização Mundial da Saúde — é regularmente utilizado para combater ervas daninhas na plantação.

“A produção de erva-mate requer mão-de-obra intensiva, pois o trabalho com as plantas é, em sua maioria, manual”, explica Quatrin. “É preciso ter certeza de que as ervas daninhas não levem vantagem, e é por isso que o glifosato é usado. Mas o herbicida não tem impacto direto na folha, e nem todos o usam porque é caro”.

Para Victor Saguier, da Câmara de Erva-Mate, existe uma crescente consciência do setor sobre cuidados ambientais, o que levou à redução do uso do glifosato, embora não existam estatísticas oficiais. “As altas temperaturas do processo de secagem não deixam vestígios de glifosato”, diz ele, acrescentando que alternativas biológicas são cada vez mais utilizadas para substituir o pesticida.

O futuro da erva-mate

O ano de 2021 registrou recordes de produção e consumo de erva-mate na Argentina, segundo a Inym. Foram colhidas e encaminhadas ao processamento mais de 882 mil toneladas de folhas — aumento de 9% em relação a 2020 —, enquanto foram consumidas pelo mercado doméstico 283 mil toneladas de erva-mate, 5,5% a mais que no ano anterior.

Saguier, que também é gerente da La Cachuera, empresa que vende a Amanda, outra marca de erva-mate, diz que os consumidores locais estão mais conscientes e que há uma demanda crescente pelo produto orgânico. “A Amanda foi uma das primeiras empresas a produzir erva-mate orgânica. A demanda aumentou há cinco anos, e ela vai se tornar ainda mais relevante”, diz.

Poderíamos avançar no mercado chinês com a erva-mate matcha, o chá verde de erva-mate e o chá preto da erva

Em relação ao consumo na China, Wang Jinjun, gerente geral da Benben Trading, importadora chinesa da Playadito, diz que a proporção de pessoas que bebem erva-mate regularmente na China ainda é relativamente pequena. Mas ele acredita que existem várias áreas potenciais para a inovação: “Poderíamos avançar no mercado chinês com a erva-mate matcha, o chá verde de erva-mate e o chá preto da erva”.

Novos produtos incluem o Viva Mate Orgânico da Red Bull, lançado na Suíça como piloto para o mercado europeu, e a linha Perrier Energize, lançada pela Perrier, marca de água engarrafada da Nestlé, que inclui extratos de erva-mate com outros sabores.

Na mesma linha, Saguier acredita que o desafio seja atrair o consumidor chinês pela variedade de produtos, sem tentar competir com o chá: “Nos últimos anos, foram lançadas bebidas com sabor de erva-mate, e essa pode ser a melhor forma de entrar no mercado”.