A Venezuela tenta renovar sua indústria petrolífera sem excluir nenhum interessado. De empresas europeias buscando alternativas em meio à guerra da Ucrânia a aliados como China e Índia — todos foram bem-vindos.
“A Venezuela está pronta e disposta a cumprir com seu papel e fornecer, de forma estável e segura, o petróleo e gás que a economia mundial precisa”, disse o presidente Nicolás Maduro durante a recente visita do secretário da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) a Caracas.
55.314 km2
Área do Cinturão de Orinoco, que se estende por cinco estados venezuelanos.
No ano passado, ele tinha apelado a petrolíferas da China, Rússia, Índia, Turquia, Europa e até mesmo dos Estados Unidos a aderirem a uma “parceria benéfica para todos” em um plano para extrair mais de três milhões de barris por dia.
O Cinturão de Orinoco, uma faixa rica em petróleo que cruza a região central e oriental da Venezuela, é o local mais visado. Mas enquanto o governo busca investimentos estrangeiros para impulsionar o setor, nenhum plano foi formulado para a compensação e preservação ambiental da região que abriga uma enorme biodiversidade.
O que é o Cinturão de Orinoco?
O Cinturão de Orinoco abrange 55.314 quilômetros quadrados na região central da Venezuela, a norte do gigantesco rio Orinoco, e que se estende por cinco estados.
Sob esta faixa de terra, encontram-se 271 milhões de barris de petróleo bruto, o equivalente a 20% das reservas comprovadas do mundo, ou um quarto das reservas de todas as nações da Opep, o conglomerado com os maiores produtores de petróleo no mundo.
Cerca de três milhões de barris de petróleo bruto poderiam ser extraídos por dia desse depósito nos próximos 300 anos, pelas estimativas da estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA). De acordo com a PDVSA, o gigantesco campo de petróleo poderia acomodar quase 11 mil poços e exigiria 2.470 quilômetros de oleodutos para suas operações.
O potencial do Cinturão de Orinoco foi explorado pela primeira vez em 1936, mas apenas no governo de Hugo Chávez (1999-2013) que a certificação das reservas de petróleo começou de fato. Esse processo culminou com sua nacionalização, em 2007, e com as concessões a petrolíferas estrangeiras, como Chevron (Estados Unidos), Rosneft (Rússia), Total Energies (França), Eni (Itália) e Repsol (Espanha). Junto delas, a Venezuela construiu duas unidades para processar o petróleo do cinturão.
Porém, alcançar a produção de três milhões de barris por dia tornou- se um enorme desafio depois que as petrolíferas estrangeiras deixaram o país abatido pela crise econômica, e os Estados Unidos abandonaram investimentos e impuseram sanções à Venezuela de Nicolás Maduro.
Fontes secundárias para a Opep — que incluem órgãos como S&P Global, Argus Media, Energy Intelligence Group, IHS-Markit e a Agência Internacional de Energia — registraram, em agosto, uma produção de 723 mil barris por dia pela PDVSA, dos quais mais da metade veio de poços ativos no Cinturão de Orinoco.
Embora a busca de investidores priorize a expansão da produção de petróleo, isso também reavivou o debate sobre a conservação desta área da Venezuela.
Um reservatório de biodiversidade
A vasta área que o Cinturão de Orinoco cobre é comparável aos 60 mil quilômetros quadrados adicionados à Área Marinha Protegida de Galápagos este ano, para proteger as espécies do Pacífico tropical.
Mas, comparativamente, quase não se fala da situação do cinturão, que é uma das maiores áreas úmidas do continente sul-americano, disse ao Diálogo Chino Antonio Machado Allison, biólogo da Academia de Ciências Naturais, Físicas e Matemáticas de Caracas. Ele destaca que ela é comparável aos pântanos mais famosos do Pantanal.
O Cinturão de Orinoco está localizado em uma área que surgiu do acúmulo de sedimentos dos Andes, em um processo em que o protagonista foi a água. O Orinoco não é apenas o terceiro maior rio do mundo, mas também a chave para entender uma dinâmica biológica fundamental para o planeta.
O papa-capim-americano (Spiza americana), por exemplo, é uma ave que migra anualmente para o Cinturão de Orinoco e se reproduz no centro dos Estados Unidos.
Outras espécies que vivem nesse pântano incluem o guará (Eudocimus ruber) e a arara-canindé (Ara ararauna).
Os répteis da região incluem o crocodilo-do-orinoco (Crocodylus intermedius), espécie criticamente ameaçada de extinção, cuja população foi esgotada pela caça indiscriminada, e a tartaruga-da-amazônia (Podocnemis expansa), que vive na bacia do Orinoco, assim como nos rios Amazonas e Essequibo (Guiana).
“Um bem fundamental são os peixes migratórios que transitam do Delta do Orinoco para a Cordilheira dos Andes. Mais de 65% da bacia do Orinoco está na Venezuela, e essa área ainda está conservada. Os rios da área e os peixes ali encontrados demonstram a saúde da bacia”, disse Douglas Rodríguez Olarte, biólogo e professor de ecologia da Universidade Centroccidental Lisandro Alvarado, na cidade de Barquisimeto.
Os mamíferos que vivem na área incluem um boto do rio Orinoco (Inia geoffrensis humboldtiana ) e o peixe-boi (Trichechus manatus), que está listado como espécie ameaçada de extinção na Venezuela, devido à drenagem de áreas úmidas e ao desmatamento de manguezais.
“As várzeas do Orinoco, que estão na parte sul do cinturão de petróleo, são consideradas as áreas de maior interesse para a biodiversidade. É onde se tem a melhor condição ecológica e também onde há o menor impacto humano”, explicou o geógrafo Carlos González Rojas, coordenador da Orinoco Sostenible, uma organização que promove a conservação da biodiversidade na área. “Por ficar inundada quase seis meses ao ano, os humanos têm dificuldade de plantar ou se estabelecer ali”.
Desafio venezuelano
A Orinoco Sostenible foi fundada em 2013 como um projeto de pesquisa para mapear a biodiversidade da Bacia do Orinoco, patrocinada conjuntamente pela ONU e a fundação ambiental americana The Nature Conservancy. O financiamento da organização também vem da petrolífera francesa Total Energies, aplicado em estudos de impacto ambiental para a exploração de petróleo na Venezuela.
A maioria desses financiadores abandonou seus projetos em meio à crise econômica na Venezuela, que levou a sete anos de recessão, entre 2014 e 2020. O projeto Orinoco Sostenible foi reduzido, mas seu objetivo permanece o mesmo. Seu desafio é elaborar um plano que permita à Venezuela aproveitar o grande volume de reservas de petróleo no Cinturão de Orinoco, sem sacrificar a rica biodiversidade da região.
“A proposta envolve a conservação das florestas no Cinturão de Orinoco, o que garantiria uma produção de até 1.029.765 barris de petróleo por dia com emissões líquidas zero”, afirma González Rojas, que trabalha em uma tese sobre a compensação ambiental da indústria petrolífera para a biodiversidade. “Se o petróleo venezuelano consegue ter esse selo verde, então ele teria um valor agregado, e isso é importante”.
De acordo com Rojas, este “zero líquido” seria alcançado através do sequestro de carbono pelas florestas do Cinturão de Orinoco — embora esta afirmação seja contestada, já que, somente as emissões da produção são contabilizadas. O óleo pesado de hidrocarbonetos é queimado em uso, seja na Venezuela ou no exterior, e é provável que ocorram altas emissões, a um nível que não pode ser facilmente compensado.
Outra sugestão proposta pela Orinoco Sostenible é a criação de um fundo internacional para a conservação, para o qual a estatal PDVSA e empresas petrolíferas estrangeiras ativas no Cinturão de Orinoco poderiam contribuir. O dinheiro seria utilizado para garantir a conservação de espécies ameaçadas de extinção, como o crocodilo-do-orinoco.
Para outros pesquisadores na bacia do Orinoco, a questão é muito mais complexa do que apenas levantar fundos para a conservação das espécies.
Na Venezuela, não é obrigatório que os estudos de impacto ambiental sejam publicados. O patrimônio biológico da Venezuela é extremamente importante e deve ser administrado adequadamente; não pode haver mais opacidade
“Na Venezuela, não é obrigatório que os estudos de impacto ambiental sejam publicados (como no Brasil e outros países). O patrimônio biológico da Venezuela é extremamente importante e deve ser administrado adequadamente; não pode haver mais opacidade”, alertou o professor Rodríguez Olarte. “Há várias áreas no estado de Anzoátegui onde já ocorreram derramamentos de petróleo, e o petróleo chegou até os morichales“.
O professor destaca que os morichales — habitats de zonas úmidas semelhantes a igarapés — são “ecossistemas extremamente sensíveis”.
Com o aprofundamento da crise climática global, vale a pena perguntar quantas empresas petrolíferas estariam interessadas em se associar à opaca PDVSA — uma empresa que não publica nenhum relatório oficial sobre suas demonstrações financeiras, nem sobre seu impacto ambiental desde 2016. Desde que a crise econômica afastou as principais empresas petrolíferas estrangeiras da Venezuela, as condições para investimentos em combustíveis fósseis mudaram.