Energia

Exportação mexicana de gás dos EUA encara Trump e riscos ambientais

Planos para exportar gás natural dos EUA a partir de portos no México enfrentam tensões comerciais, impactos ambientais e oscilações na demanda global
<p>Atobá-de-pés-azuis descansa na costa do Golfo da Califórnia em Puerto Lobos, no estado de Sonora, México. O projeto Saguaro planeja construir um terminal para a exportação de gás natural nessa área rica em biodiversidade, acendendo alertas de ambientalistas e comunidades da zona (Imagem: Mike Hardiman / Alamy)</p>

Atobá-de-pés-azuis descansa na costa do Golfo da Califórnia em Puerto Lobos, no estado de Sonora, México. O projeto Saguaro planeja construir um terminal para a exportação de gás natural nessa área rica em biodiversidade, acendendo alertas de ambientalistas e comunidades da zona (Imagem: Mike Hardiman / Alamy)

Em setembro passado, o porto de Altamira, no Golfo do México, despachou a primeira carga mexicana de gás natural liquefeito (GNL). A remessa foi enviada à Europa por uma unidade da empresa norte-americana New Fortress Energy.

O novo empreendimento faz parte da recente onda de investimentos no setor de gás natural no México, que processa o combustível produzido nos Estados Unidos para depois enviá-lo a mercados da Europa e do Sudeste Asiático. O gás passa por um processo de liquefação com resfriamento a -162 °C, comprimindo seu volume para facilitar o transporte.

Desde o início da década, foram anunciados recursos expressivos para o desenvolvimento da infraestrutura de GNL ao redor do mundo, com US$ 1,1 trilhão destinado à construção de novos terminais apenas no ano passado. Esse movimento foi impulsionado pelas projeções de aumento da demanda de gás na Ásia, pelo aumento da produção dos EUA e pelos esforços da Europa para reduzir sua dependência das importações de gás russo após a invasão da Ucrânia em 2022 — cenário que levou os produtores nos Estados Unidos a buscar novos portos na costa mexicana, tentando encurtar as rotas de transporte para os mercados fora do continente.

No entanto, as expectativas em relação ao México podem ser frustradas tanto pelas tendências no mercado global de gás quanto pelas novas políticas de Estado nos dois lados da fronteira. As recentes tensões entre o presidente dos EUA, Donald Trump, e sua homóloga mexicana, Claudia Sheinbaum, aventaram possíveis mudanças em relação a temas como tarifas de importação, comércio e migração, entre outros. 

Ativistas ambientais, por sua vez, expressam preocupação com as possíveis consequências de um aumento na infraestrutura de GNL, que poderia colocar o México como o quarto maior exportador global do combustível. 

“O setor fala que o gás é um combustível de transição e que substitui o carvão na Ásia, mas não é esse o caso. Ele é mais poluente do que o carvão, devido a todas as etapas envolvidas na exportação”, observou Nichole Heil, pesquisadora sênior no Private Equity Stakeholder Project (Pesp), organização sem fins lucrativos focada em analisar os impactos dos fundos privados de investimento.

“Parte do problema também é a exportação de emissões”, acrescentou. “Os Estados Unidos as exportam para o México, que as envia para a Ásia, e elas não são incluídas no cálculo de emissões”.

Aposta transfronteiriça no gás natural

Os EUA e o México têm uma relação de longa data no setor de gás: o país latino-americano importa mais da metade de seu abastecimento de gás por meio de gasodutos com seu vizinho do norte. Essa rede de transporte de gás tem se expandido por novos polos nos estados do Texas, Arizona e Novo México.

A perspectiva de exportar e processar GNL por meio dessa rede fez com que pelo menos meia dúzia de projetos tenham sido lançados no México em poucos anos. Além do terminal de Altamira, que enviou sua primeira carga de gás em 2024, estão em andamento obras para a construção de um terminal de exportação no centro de Costa Azul, no Pacífico mexicano, com previsão de início das operações em 2026. Em outros pontos da costa oeste, foram propostos os terminais Vista Pacífico, Saguaro e Amigo.

Enquanto os investidores dos EUA aguardam o desenvolvimento desses projetos, a Comissão Federal de Eletricidade (CFE), estatal mexicana de energia, também buscou entrar na jogada. A empresa pública propôs a instalação dos terminais de exportação de Salina Cruz, no estado de Oaxaca, e Coatzacoalcos, no estado de Veracruz.

Homem pesca na costa de Coatzacoalcos, estado de Veracruz, México
Homem pesca na costa de Coatzacoalcos, estado de Veracruz, México, onde há planos para a construção de um terminal de exportação de gás natural liquefeito. Embora algumas empresas mexicanas e estadunidenses estejam otimistas com o futuro dos projetos na área, analistas estão receosos sobre os efeitos do retorno de Trump à Casa Branca para o setor (Imagem: Documentalium / Alamy)

Os projetos apresentados por empresas do México e dos EUA, como a CFE, a Mexico Pacific e a Sempra Infrastructure resultaram em acordos com financiadores e possíveis compradores de GNL, incluindo bancos e multinacionais de países como Austrália, China, França, Japão, Malásia, Cingapura e Coreia do Sul.

Apesar da corrida no setor, os projetos de gás natural no México também dependem de licenças para a reexportação do gás outorgadas Departamento de Energia dos EUA, que decide se autoriza o envio do combustível para países com os quais os Estados Unidos não têm acordos de livre comércio — lista que inclui a União Europeia e quase todas as nações asiáticas. 

A emissão de licenças de exportação de GNL estava pausada desde janeiro de 2024, quando o governo do então presidente dos EUA, Joe Biden, solicitou uma análise de seus impactos climáticos. 

A medida gerou incertezas sobre os projetos, batalhas judiciais e uma chuva de críticas no setor de petróleo e gás. Em 20 de janeiro, no primeiro dia do retorno de Donald Trump à Casa Branca, ela foi revogada, como prometido em campanha.

A revogação da medida da administração Biden foi bem recebida pelas empresas interessadas, mas analistas continuam receosos sobre os efeitos mais amplos do novo governo Trump para as exportações mexicanas de GNL, mesmo com seu firme apoio à exploração de combustíveis fósseis — sintetizado com a famosa frase “drill, baby, drill” (“perfure sem parar”, em português). Especialistas destacaram os riscos diplomáticos das novas políticas internas e externas dos EUA, principalmente em relação ao México, algo que poderia aumentar as tensões entre os dois países.

O comércio de GNL pode ser engolido pela guerra comercial — e agora tarifária — de Trump, que impôs uma tarifa adicional de 10% sobre os produtos chineses a partir de 4 de fevereiro. Nesse mesmo contexto, o México ganhou um mês para evitar uma tarifa de 25% após Sheinbaum ter concordado, em 1º de fevereiro, com as exigências dos EUA para fortalecer a fronteira norte.

Para Heil, pesquisadora do Pesp, a pressão de Trump por mais GNL tem sérias consequências. “Para além dos ganhos econômicos questionáveis para os americanos, a demanda incerta por GNL, a falta de transparência dos fundos privados e os passivos financeiros ligados aos impactos socioambientais da exploração de gás natural criam uma base instável para o setor e seu futuro”.

Preocupações ambientais

O papel do gás natural e de sua versão liquefeita nos sistemas globais de energia alimenta debates acalorados, a exemplo de sua criticada classificação como “combustível de transição” no processo de adoção de uma matriz energética baseada em energias renováveis.

Com relação à expansão da infraestrutura mexicana de GNL, ambientalistas expressam temores sobre os possíveis impactos dessas novas cadeias de abastecimento: entre eles, estão os possíveis vazamentos de metano nas etapas de liquefação, transporte e regaseificação, bem como outros problemas que contribuiriam para o aumento de emissões de carbono.

A oposição ao projeto Saguaro, na costa do Pacífico, atraiu uma coalizão de mais de 30 organizações locais, bem como o Natural Resources Defense Council (NRDC), que descreveu a proposta como o “projeto errado no lugar errado”.

“A avaliação de novos projetos deve considerar os efeitos econômicos e ambientais. Isso inclui os impactos climáticos e as características e necessidades exclusivas de zonas especiais como o Golfo da Califórnia”, observou Mima Holt, coordenadora global de clima no NRDC. “O ‘aquário do mundo’ não é uma zona de sacrifício disposta ao bel-prazer do setor petrolífero americano”. 

Pablo Ramírez, diretor de ativismo climático no Greenpeace México, questionou o desenvolvimento de projetos de GNL no país. “Eles não contemplam os passivos socioambientais, e esses custos não são refletidos nos terminais”, disse ele ao Dialogue Earth. “O que temos visto é que esses planos entre empresas privadas e o governo mexicano representam uma nova forma de empresas maquiladoras”, acrescentou, referindo-se às fábricas mexicanas da fronteira norte do país especializadas em montagem e produção para exportação. “Processamos um gás que não é nosso, gerando riqueza que não fica aqui e assumindo os riscos. A CFE está procurando um montante que pague as exportações e os gasodutos administrados por ela”.

O Golfo da Califórnia, ‘aquário do mundo’, não é uma zona de sacrifício disposta ao bel-prazer do setor petrolífero americano
Mima Holt, coordenadora global de clima no NRDC

A realocação das operações de exportação de gás dos EUA foi vendida como um método para reduzir certas emissões nas cadeias de abastecimento, principalmente aquelas provenientes do transporte marítimo. 

Em sua avaliação ambiental do projeto Vista Pacífico, publicada em 2022, o Departamento de Energia dos Estados Unidos estimou que o ciclo de vida do GNL transportado de Nova Orleans para Xangai — rota que exige a passagem pelos canais do Panamá ou de Suez, ou longas viagens ao redor dos cabos continentais do sul — emitiria 688 quilos de CO₂ equivalente por megawatt-hora. Desse total, 76 quilos — ou 11% das emissões — seriam provenientes do transporte em navios-tanque. 

Em comparação, o transporte de GNL diretamente pelo Pacífico, entre Xangai e Topolobampo, no oeste do México, onde a instalação da Vista Pacífico está sendo proposta, reduziria as emissões gerais entre 3% e 7% devido ao encurtameto da rota, observou a análise.

Boom ou bolha?

Além dos possíveis impactos ambientais da construção de uma infraestrutura global de GNL, alguns analistas também questionaram a viabilidade econômica a longo prazo dos projetos de exportação, com projeções muito variadas em relação à demanda futura. 

Em vez de um boom, organizações como o Instituto de Análise Econômica e Financeira de Energia (IEEFA) alertaram sobre uma possível bolha, já que o GNL pode exceder o teto da oferta até 2026.

Alguns anos após a corrida na Europa para encontrar novas alternativas ao abastecimento de gás russo, a demanda por GNL no continente europeu está em declínio, e muitos países buscam atingir metas ambiciosas de energia limpa até o fim da década.

Já na Ásia — região que, segundo algumas projeções, será responsável pela maior fatia da expansão da demanda de GNL — desafios ligados aos atrasos em projetos de infraestrutura e outras questões fiscais podem reduzir a demanda pelo gás natural, afirma o IEEFA. O instituto também sugere que as políticas chinesas para favorecer as indústrias nacionais provavelmente restringirão a demanda por importação de gás no país.

Nichole Heil, do Pesp, apontou para a possibilidade de que esses investimentos se tornem ativos voláteis. “À medida que a dinâmica global muda para a redução das emissões de carbono e para a adoção de energia renovável, os investimentos em gasodutos e instalações de GNL com longos períodos de retorno podem simplesmente não proporcionar os ganhos esperados”.  De acordo com ela, “isso representa riscos para os investidores, especialmente para os fundos de pensão, que dependem de retornos consistentes”.

Rachel Eunbi Shin, pesquisadora de abastecimento de energia na organização sul-coreana For Our Climate, disse que o setor incentivou o excesso de oferta para estimular a demanda artificial. “A demanda está caindo; a maioria dos participantes está comprando GNL e planejando revendê-lo, criando um mercado artificial. Mas a infraestrutura está aumentando”, disse ela ao Dialogue Earth.Quanto aos projetos do México, a presidente Sheinbaum não manifestou uma posição clara sobre o gás natural, mas elogiou os investimentos da Mexico Pacific em outubro passado, quando se encontrou com a CEO da empresa, Sarah Bairstow.

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