Energia

Por que setor energético será decisivo nas eleições mexicanas

Principais candidatas prometem impulsionar energias renováveis, mas também apostam em estatal petrolífera e incentivos à produção de óleo
<p>Claudia Sheinbaum comemora vitória nas primárias do partido Morena, em setembro passado. A ex-governadora da Cidade do México lidera as pesquisas na corrida presidencial mexicana (Imagem: Alamy)</p>

Claudia Sheinbaum comemora vitória nas primárias do partido Morena, em setembro passado. A ex-governadora da Cidade do México lidera as pesquisas na corrida presidencial mexicana (Imagem: Alamy)

O futuro da transição energética do México será decidido nas urnas. Na eleição presidencial do próximo domingo, 2 de junho, as duas principais candidatas — a governista de esquerda Claudia Sheinbaum e a opositora de centro-direita Xóchitl Gálvez — defendem reduzir o consumo interno de combustíveis fósseis, mas propõem soluções bem distintas para tal. 

A energia tem sido uma questão central do governo de Andrés Manuel López Obrador, ou AMLO, e também tem aparecido nos debates eleitorais deste ano. O Dialogue Earth analisa as perspectivas para o setor a partir das propostas apresentadas pelas favoritas na disputa.

Claudia Sheinbaum: contradição energética

Claudia Sheinbaum, ex-governadora da Cidade do México e representante do partido Morena, principal legenda governista, é a líder indiscutível em todas as pesquisas de opinião desde que sua candidatura foi confirmada, em setembro passado. As sondagens mais recentes mostram Sheinbaum com quase 50% das intenções de voto — suficiente para vencer a corrida presidencial, realizada em turno único. 

Em linhas gerais, ela representa a continuidade das políticas energéticas promovidas por AMLO, que priorizou os combustíveis fósseis e fortaleceu as estatais Comissão Federal de Eletricidade (CFE) e Petróleos Mexicanos (Pemex) em nome da soberania energética.

AMLO, presidente mexicano, e Claudia Sheinbaum, candidata à sucessão, em pronunciamento
AMLO, presidente mexicano, e Claudia Sheinbaum, candidata à sucessão, em pronunciamento. Embora tenha trajetória como cientista climática, Sheinbaum quer manter políticas favoráveis a combustíveis fósseis no México (Imagem: Raj Valley / Alamy)

Ao mesmo tempo, a candidata de esquerda, uma cientista que colaborou com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, reforça a necessidade de impulsionar fontes limpas de energia, como eólica e solar. 

Em seu plano de governo, ela menciona incentivos à geração distribuída, produção renovável em pequena escala e tecnologia limpa em residências e comunidades. Sua proposta de 308 páginas cita a “transição energética” 18 vezes.

Outro ponto central em seu programa é melhorar a eficiência energética, com mais investimentos nas redes de transmissão e distribuição. Durante seu mandato na Cidade do México (2018-2023), Sheinbaum foi elogiada por suas iniciativas verdes, incluindo a crescente eletrificação dos ônibus da cidade, a instalação de painéis solares nos mercados municipais e a tentativa de reduzir o uso de plástico.

Ônibus elétrico da chinesa Yutong circula na Cidade do México. Gestão de Sheinbaum impulsionou a eletrificação do transporte público no município (Imagem: Alamy)
Ônibus elétrico da chinesa Yutong circula na Cidade do México. Gestão de Sheinbaum impulsionou a eletrificação do transporte público no município (Imagem: Alamy)

“Nossa meta é avançar com a transição energética em um ritmo mais acelerado”, disse Sheinbaum em uma reunião de conselheiros regionais do banco espanhol BBVA, em 6 de maio. 

Ela se comprometeu a investir US$ 13,6 bilhões em geração de energia renovável até 2030 para ampliar em mais 13 gigawatts (GW) a capacidade instalada do país. Mas isso pode ser insuficiente para atender à crescente demanda mexicana: estimativas do setor calculam a necessidade de US$ 3 bilhões anuais de investimento estrangeiro direto para suprir o consumo no país. 

A reforma elétrica de 2013 ajudou a ampliar em 8 GW a capacidade instalada até 2019 e, desde então, o país anunciou a intenção de adicionar mais 40 GW à capacidade de geração renovável até 2030, para cumprir as metas de redução de emissões. 

Mas são evidentes as contradições da candidata governista. Em 15 de maio, durante sua passagem pelo estado de Nayarit, ela mencionou suas propostas para a Pemex, que incluem tanto investir em exploração, refino e processamento, quanto incluir renováveis no portfólio da estatal. 

Sheinbaum tinha uma visão bem mais crítica aos combustíveis fósseis quando era pesquisadora da Universidade Autônoma do México (Unam). Em um artigo de 2008 sobre alternativas energéticas, a então cientista questionou o aumento da exploração de petróleo como um sinal de “uso irracional do recurso” com “grandes impactos ambientais”.

No jogo político, analistas consideram que Sheinbaum tem moldado seu discurso ao de seu mentor, AMLO, que defende fortalecer a Pemex e a CFE, favorecendo o consumo de combustíveis fósseis. Por outro lado, ela demonstrou mais disposição do que López Obrador de abrir o setor energético para empresas privadas — e já se reuniu com grupos empresariais estrangeiros.

Xochitl Gálvez: privatização de energia

Com menos de 30% das intenções de voto, a adversária mais próxima de Sheinbaum nas pesquisas é Xóchitl Gálvez, ex-senadora, engenheira da computação e empresária. Ela representa a coalizão Força e Coração para o México, frente ampla que reúne os conservadores da Ação Nacional, a centro-esquerda da Revolução Democrática e a centro-direita do Partido Revolucionário Institucional, que dominou a política mexicana no século 20. O foco de suas propostas tem sido a reabertura do setor ao investimento privado e a retomada da reforma energética de 2013, rejeitada por AMLO.

Gálvez propôs novos leilões para construir usinas de energia renovável e concessões para explorar petróleo. Paralelamente, ela defende o fechamento de seis refinarias deficitárias da Pemex e quer que a estatal faça parcerias com entidades privadas para gerar hidrogênio e outras fontes de energia.

O plano da oposição contempla ainda cumprir a meta de neutralidade de carbono até 2050, promover a eletrificação do transporte público e instalar painéis solares em residências. Ele contém 14 menções à transição energética.

Além disso, há projetos para criar usinas a gás no sudeste do país, região que enfrenta desafios para atender à demanda elétrica residencial e industrial, além de problemas de transmissão.

Xochitl Gálvez comemora indicação como candidata presidencial
Xochitl Gálvez comemora indicação como candidata presidencial pelo Partido de Ação Nacional em janeiro (Imagem: Imago / Alamy)

“O mundo não vai ficar esperando para ver se o México quer ou não entrar na transição energética”, disse Gálvez em sua passagem pelo estado de Yucatán em março. “É melhor entrarmos nesse trem”.

“Não há melhor soberania do que não depender de combustíveis fósseis, e sim em energia eólica e solar. Mas também precisamos fazer uma transição justa”, afirmou na ocasião. “Não podemos dizer de uma hora para outra que os combustíveis fósseis não serão mais usados. Isso é mentira, porque o petróleo é algo muito valioso”, acrescentou.

AMLO foca em soberania energética

Uma análise das políticas energéticas de AMLO desde 2018 ajuda a entender as propostas desta eleição. A atual gestão fez da soberania energética uma de suas principais bandeiras, focando na produção nacional para suprir a demanda interna. O efeito colateral disso tem sido o fortalecimento dos combustíveis fósseis e a paralisação do processo de transição energética no México.

78%

Em 2023, 78% da eletricidade gerada no México dependia de combustíveis fósseis, seguida pelas fontes eólica (5,9%), hidrelétrica (5,9%), solar (5,2%) e nuclear (3,4%).

O apoio do governo AMLO, porém, não foi suficiente para alavancar a Pemex como se esperava: os aportes de US$ 90 bilhões por meio de subsídios e incentivos fiscais não tiraram a empresa do vermelho.

Enquanto isso, o México ainda depende dos Estados Unidos para a geração de eletricidade e importação de gás. E o país tampouco atingirá sua meta interna, proposta em 2014, de que as fontes limpas tivessem participação de 35% na geração até 2024; sua meta para 2035 é de 40%.

O governo mexicano também atrasou a construção da refinaria de Olmeca, conhecida como Dos Bocas, no estado de Tabasco, 760 quilômetros a sudeste da Cidade do México. Com início em 2019, a estrutura deveria estar operando desde 2022. Além disso, o custo passou de US$ 8 bilhões iniciais para pelo menos US$ 17 bilhões. 

A refinaria Dos Bocas foi apresentada pelo governo AMLO como pilar da soberania energética mexicana, com capacidade de produzir cerca de 340 mil barris anuais de petróleo bruto, 170 mil barris de gasolina e 120 mil barris de diesel. A candidata Gálvez descreveu a refinaria como um “monumento à corrupção” e prometeu concluir o projeto.

México, grande emissor da América Latina

Outro resultado das políticas do governo AMLO foi a disparada nas emissões de carbono da Pemex, que subiram 25% entre 2019 e 2023, conforme relatórios da empresa enviados à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos.

O setor de energia é a terceira maior fonte de emissões de metano no país. Em 2023, liberou 1,34 milhão de toneladas na atmosfera, sendo a Pemex a maior responsável. No entanto, estudos destacam que a escala da poluição poderia ser maior, devido a deficiências na medição.

A transição precisa de força de vontade. As metas existem, são ambiciosas, mas não são cumpridas
Anaid Velasco, da rede México Resiliente

Na conferência climática COP26, realizada em 2021, o México firmou o compromisso de reduzir suas emissões de metano até 2030. Mas as políticas atuais colocam o país em uma rota pouco ambiciosa para atingir essa meta — segundo a Agência Internacional de Energia, o país tem um progresso descrito como “moderado”.

O México é o segundo maior emissor de carbono da América Latina, atrás do Brasil, e está entre os 12 maiores emissores globais de CO₂. A Pemex também figura entre as 15 empresas mais poluidoras do planeta.

Ramón Torres, pesquisador de energia e desenvolvimento na Unam, propõe que a Pemex e a CFE apostem no desenvolvimento de energia eólica offshore, no armazenamento de energia em baterias, na geração de hidrogênio e na geração distribuída e eletrificação em massa.

“Temos de entrar no novo mundo da energia“, disse Torres. “A CFE precisa se voltar para a nova fronteira tecnológica e ser uma ferramenta para o abastecimento de energia do futuro”.

Para Anaid Velasco, da rede México Resiliente, o próximo governo deve estabelecer regras transparentes para a transição energética do país.

“A transição precisa de força de vontade”, diz Velasco. “As metas foram estabelecidas, são ambiciosas, mas não são cumpridas. Em um sistema presidencialista, as coisas acontecem se o mandatário quiser que elas aconteçam. Se houver um sistema jurídico que permita a participação de vários setores, é possível criar incentivos”.