Em dezembro, o Congresso peruano aprovou emendas à Lei de Florestas e Vida Selvagem, descriminalizando a extração ilegal de madeira na Amazônia. A legislação revisada agora permite o desmatamento de florestas nativas para fins agrícolas ou outras atividades econômicas, mas carece de salvaguardas ambientais para garantir que essas atividades sejam conduzidas de forma responsável e preservando os ecossistemas existentes.
Essas mudanças legislativas abrem as portas para um desmatamento generalizado e a destruição das florestas do país. Isso representa não apenas o início de uma crise ambiental, mas um ataque direto aos direitos humanos, pilares de nosso buen vivir — nosso “bem viver” em harmonia com a natureza.
Os direitos humanos são liberdades elementares que incluem o direito à vida, à participação política, à cultura e à liberdade de expressão. Além desses, o direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável foi também recentemente reconhecido a nível internacional. Todos eles são reconhecidos pelo Peru.
A proteção e o manejo responsável das florestas, incluindo da Amazônia peruana, são indispensáveis para o nosso buen vivir. As florestas fornecem água, alimentos e medicamentos, regulam o clima global e abrigam milhões de seres vivos, tanto humanos quanto não humanos. Sem florestas saudáveis e protegidas, não podemos desfrutar de nossos direitos humanos.
Infelizmente, a luta pela preservação das florestas no Peru tem se tornado mais conturbada nos últimos anos. Em junho de 2023, por exemplo, o atual Congresso tentou aprovar um conjunto de normas que incentivava mais extração de petróleo e mineração de ouro na Amazônia. Essas leis acabaram não sendo aprovadas graças à oposição da sociedade civil, mas os interesses econômicos por trás delas permanecem. Há evidências da forte influência de lobbies da agricultura e mineração que conquistaram aliados no Congresso peruano.
Com isso, não nos surpreende que em 14 de dezembro o Congresso tenha aprovado uma modificação irregular na Lei de Florestas e Vida Selvagem, promulgada pelo presidente da Câmara em 10 de janeiro. A emenda inclui várias alterações, inclusive o uso do desmatamento para solicitar títulos de terra e a validação de títulos de terra concedidos de forma irregular para fins agropecuários. Essas mudanças têm consequências catastróficas para as florestas e podem agravar as disputas que já ocorrem no país em áreas como tráfico de drogas, óleo de palma, hidrocarbonetos e mineração de ouro.
Os mais afetados por essa mudança regulatória são as comunidades tradicionais e os povos indígenas que vivem nas florestas. No Peru, são os povos indígenas que frequentemente lideram a luta pela proteção da Amazônia, mas esses esforços de resistência os colocam em risco, pois são eles que ativamente denunciam as atividades ilegais ou insustentáveis.
Entre 2013 e 2023, 32 ativistas ambientais foram mortos no Peru por seus esforços para proteger suas terras, informa a organização de direitos indígenas Aidesep. No final do ano passado, foram assassinados Benjamín Flores, na região de Ucayali, e Quinto Inuma, em San Martín.
Atividades como tráfico de drogas, extração ilegal de madeira, mineração de ouro e extração de petróleo são as principais causas dos conflitos por trás dos assassinatos de ativistas ambientais. Por serem atividades altamente lucrativas, atores política e economicamente poderosos tendem a ser os mentores de assassinatos, mas raramente são processados por seus crimes. Pior ainda, a instabilidade política, a corrupção e o aumento do crime organizado no Peru tornarão esses casos ainda mais frequentes.
Sem as florestas, milhões de pessoas no Peru que dependem direta e indiretamente delas não poderão desfrutar de seus direitos humanos fundamentais. Além disso, sem um contexto político que proteja e respeite nossos ativistas ambientais, nossos guardiões das florestas, nenhum peruano poderá desfrutar de seus direitos humanos. Portanto, as emendas à lei florestal não são apenas um ataque ao patrimônio natural do país, mas também uma violação dos direitos humanos de toda a nação.
Todos os direitos vêm acompanhados de responsabilidades e obrigações: as pessoas têm o dever de seguir as leis de nossos países, de contribuir para a construção de uma sociedade próspera e garantir o respeito aos direitos dos outros. Infelizmente, parece que parlamentares peruanos se esqueceram desses conceitos jurídicos elementares e perderam de vista seus deveres de construir uma nação segura, saudável e próspera.