Árvore nativa do sul da China, o ligustro (Ligustrum lucidum) foi levado à Argentina e a outros países das Américas no início do século 20, para ornamentar parques e jardins com suas folhas verdes que perduram o ano todo.
Nos anos 1950, jardins de mansões e castelos nas montanhas da província de Córdoba estavam repletos de ligustros e muitas outras plantas exóticas. Não demorou muito para que a espécie se espalhasse para fora dessas propriedades, onde começou a invadir o espaço da vegetação nativa.
Desde então, seu avanço descontrolado oferece risco para ecossistemas, habitats e animais locais. Nas montanhas de Sierras Chicas, no norte argentino, cerca de 20% das florestas são hoje tomadas pelo ligustro, o que reforça a urgência de soluções para proteger a flora nativa.
Não é uma situação exclusiva da Argentina: no mundo todo, da Austrália às Américas, há espécies similares de ligustros invasores. A vantagem dessas árvores pode ser explicada pela enorme capacidade de adaptação a diversos ambientes e o crescimento acelerado, características que lhe ajudam a dominar espécies nativas e a mudar a estrutura das florestas. Além disso, sua copa sempre verde e densa bloqueia a luz solar, dificultando o crescimento da vegetação debaixo dela.
Por isso, enquanto alguns pesquisadores tentam compreender o impacto ambiental do ligustro nos ecossistemas locais, outros buscam soluções criativas para usar a madeira da planta na confecção de móveis ou na construção civil, por exemplo.
Riscos do ligustro para as aves
A mudança da vegetação, seja por espécies invasoras ou outros fatores, geralmente traz consequências para as aves que habitam o lugar. O surgimento de florestas de ligustro não é exceção e, na última década, provocou um impacto direto nas populações e na diversidade de aves na Argentina.
Um estudo publicado na revista Biological Invasions descobriu que as áreas florestais dominadas pelo ligustro têm até 37% menos aves que em outras florestas nativas e mistas. Na área da pesquisa, foram encontradas também mudanças na composição das espécies: por exemplo, há uma grande população de pombos que se adaptaram às florestas de ligustro.
Os pesquisadores descobriram que os pombos estão presentes o ano todo nas áreas florestais mistas ou dominadas pelo ligustro, algo que não é comum em florestas nativas, onde a disponibilidade de alimento diminui no inverno.
“Acreditamos que essa não-diferença [no número de aves entre as estações] se deva ao fato de existirem certas espécies de aves na floresta nativa que toleram os distúrbios. Como essas florestas vêm sendo transformadas há muito tempo, as espécies mais sensíveis provavelmente já desapareceram”, disse Laura Bellis, pesquisadora do Instituto Mario Gulich, em Córdoba, e principal autora do trabalho.
Há aves que comem as sementes e depois as defecam em outras áreas, permitindo que as árvores cresçam onde elas não chegariam por conta própria ou por ação humana
As aves que habitam as florestas de ligustro estão mudando sua dieta, consumindo menos frutas de espécies nativas, como o coqueiro e a aroeira-mole, e mais as sementes das invasoras, disponíveis o ano todo. Não há informações suficientes sobre a qualidade dos nutrientes dessas frutas; e, se forem consideradas deficientes, isso pode trazer efeitos negativos a longo prazo nas populações de aves, argumentou o estudo.
“Aves predadoras quebram as sementes na hora de comer, então elas não são o problema”, observa Bellis. “Mas há aves que comem as sementes e depois as excretam em outras áreas, funcionando como um transporte para alcançar lugares onde as árvores não chegariam por conta própria ou por ação humana”, diz a cientista, que destaca que esse é um dos principais processos que favorece a germinação da espécie.
Competição pela água
A invasão do ligustro também causa problemas hídricos nos ecossistemas florestais. A própria biologia da árvore a faz competir com a floresta nativa, explica Juan Ignacio Whitworth Hulse, pesquisador em estudos ambientais do Instituto de Matemática Aplicada de San Luis. O ligustro, diz ele, consome mais água que outras espécies nativas, como a aroeira-mole: “Em relação à água da chuva armazenada sob a floresta, o ligustro é um individualista e a aroeira-mole, uma cooperativista”.
No ciclo hídrico, a chuva é redistribuída quando entra em contato com a vegetação. No caso do ligustro, a coroa em forma de funil e o tronco de casca lisa lhe permitem canalizar a água diretamente para suas raízes.
A pesquisa de Whitworth Hulse mostrou que as florestas de ligustro ajudam a conservar os solos em estações mais úmidas, pois garantem menos retenção de água na superfície. No entanto, as árvores sedentas reduzem muito a umidade nas estações secas, causando problemas sérios ao ecossistema.
“O ligustro continua avançando em direção às nascentes e áreas de pastagem, onde a maior parte da água se acumula em Sierras Chicas”, diz o pesquisador, destacando que, embora riachos naquela área fluam o ano todo, as espécies invasoras podem afetar essa disponibilidade.
Outro impacto do ligustro é nas comunidades fúngicas, como destaca um estudo de 2020 da Associação Argentina de Ecologia. Os fungos desempenham um papel fundamental na decomposição da matéria orgânica e, em muitos casos, são indicadores de saúde ambiental. A pesquisa mostra que o avanço da floresta de ligustro reduz a diversidade fúngica e afeta a bioquímica do solo.
Soluções em madeira
Alguns pesquisadores buscam formas criativas de lidar com o cada vez mais abundante ligustro chinês. Atualmente, sua madeira não tem uso comercial e sua extração gera resíduos que, na melhor das hipóteses, são descartados ou queimados.
Cientistas também estudam formas de usar a madeira do ligustro como material de construção. “Resultados preliminares indicaram que ela é adequada para servir como vigas, colunas e treliças”, aponta Federico Strzelecki, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet, na sigla em espanhol).
A equipe de pesquisadores avaliou a resistência, umidade superficial e fragilidade do material em pequenas amostras. Strzelecki diz que ainda será necessário realizar testes em maior escala, como a construção de protótipos de moradias em tamanho real.
Outra iniciativa que busca aproveitar a madeira de ligustro como material de construção e ao mesmo tempo contribuir para a restauração da floresta nativa é o projeto Siempre Monte, coordenado por Valeria Fenoglio, pesquisadora da Conicet no Centro de Pesquisa e Estudos sobre Cultura e Sociedade.
Junto a uma equipe de profissionais de bioconstrução, arquitetura, engenharia e carpintaria, os pesquisadores desenvolveram um sistema de construção leve, pré-fabricado, de montagem rápida e baixo impacto ambiental.
Até o momento, a equipe estudou as características e o comportamento da madeira de ligustro em Unquillo, cidade localizada em Sierras Chicas. O projeto também prevê a construção de uma estrutura com painéis e treliças de madeira para avaliar sua aplicação em escala real.
Fenoglio diz que o projeto trabalha junto a governos locais para manejar e controlar as espécies invasoras por meio do mapeamento e monitoramento das áreas afetadas – de onde as árvores invasoras podem ser extraídas e levadas para as serrarias locais. Ela descreve a abordagem como uma “proposta circular”, uma vez que a remoção das árvores invasoras é complementada pelo reflorestamento da floresta nativa.
Juntamente com o Proyecto Hormiga, cooperativa de Córdoba que promove a agroecologia e a reciclagem de resíduos verdes, eles criaram um viveiro e um banco de sementes de espécies nativas. Dessa forma, procuram criar um “ciclo fechado” de reutilização e restauração.
Juntamente com o Proyecto Hormiga, cooperativa de Córdoba que promove a agroecologia e a reciclagem de resíduos verdes, eles criaram um viveiro e um banco de sementes de espécies nativas. Dessa forma, procuram criar um “ciclo fechado” de reutilização e restauração.
Mais reflorestamento, mais tecnologia
A invasão do ligustro não é novidade no norte da Argentina. Em algumas áreas de Sierras Chicas, a área ocupada pela espécie já era 50 vezes maior em 2006 do que era em 1983.
A pesquisadora Laura Bellis acredita que seja difícil reverter o fenômeno provocado por espécies invasoras: “Se as florestas de ligustro podem ser mapeadas a partir de imagens de satélite, é um sinal de que o processo de invasão é severo”.
Mas, segundo Bellis, é possível conscientizar a população sobre a importância do reflorestamento com espécies nativas, protegendo a região contra espécies invasoras e incentivando o uso de plantas nativas na jardinagem e paisagismo.
Se o ligustro pode ser mapeado por imagens de satélite, é sinal de que o processo de invasão é severo
Já o uso da madeira para a construção civil traria oportunidades promissoras de desenvolvimento tecnológico e seria uma resposta à escassez de moradias nesta parte do país. Projetos como o Siempre Monte poderiam oferecer uma solução alternativa – e local – para as questões ambientais, sociais e econômicas.
Especialistas como Whitworth Hulse defendem que o uso da madeira do ligustro pode ser “a única possibilidade de controlar a população da espécie”.