Poluição

Máfia da mineração de ouro ameaça vida às margens de rio no Equador

Área do rio Napo é uma das mais biodiversas da Amazônia equatoriana, mas está à mercê da extração mineral desenfreada, enquanto a fiscalização tem dificuldade de fazer frente à atividade
<p>Águas contaminadas e destruição em local de mineração ilegal em Ahuano, na província de Napo, no Equador. A atividade continua apesar de uma proibição temporária introduzida no início de 2022 (Imagem: cortesia de Napo Resiste)</p>

Águas contaminadas e destruição em local de mineração ilegal em Ahuano, na província de Napo, no Equador. A atividade continua apesar de uma proibição temporária introduzida no início de 2022 (Imagem: cortesia de Napo Resiste)

Nos últimos meses, grupos indígenas do Equador vêm exigindo que a administração de Guillermo Lasso articule com petrolíferas e mineradoras medidas para proteger a floresta e os povos da Amazônia. Mas enquanto as negociações se arrastam, a destruição segue avançando em áreas biodiversas como no rio Napo, ameaçado pela mineração.

O Napo é afluente do Amazonas e, com cerca de 1.100 quilômetros de extensão, é o rio mais longo da Amazônia equatoriana, fluindo pela densa floresta do país até seu vizinho, o Peru. Devido à falta de estradas nesta remota região, o rio é o principal eixo de transporte e comércio com as áreas mais populosas do Equador. 

A província de Napo, à qual o rio empresta seu nome, abriga as comunidades indígenas Kichwa e 70% das áreas protegidas do Equador.

Mapa do Napo e suas áreas protegidas
Cerca de 70% das áreas protegidas do Equador estão localizadas na província de Napo (Mapa: Diálogo Chino)

“As áreas protegidas são o lar e refúgio de grande parte da flora e fauna desta parte do país, uma das mais biodiversas”, diz um relatório da Fundação Equatoriana de Estudos Ecológicos. “A localização da província de Napo permite que ela englobe páramos [áreas alagadas nas altas altitudes] no lado ocidental e florestas tropicais na planície oriental”.

Um relatório do Monitoramento do Projeto Amazônia Andina mostra que a mineração na província de Napo se expandiu mais de 200 vezes em duas décadas, passando de 2,6 hectares em 1996 para 556,8 hectares em 2020. A principal atividade é a extração de ouro. Estima-se que haja cerca de 300 concessões de mineração na província. 

Na maioria, são atividades artesanais e semi-mecanizadas, diz José Moreno, ativista e presidente da organização ambiental Napo Vive. “Elas têm alto impacto ambiental, não contemplam medidas de controle e não cumprem as normas”, disse ao Diálogo Chino.

Metais pesados poluem rios

A análise de amostras de água do rio Napo confirmou que a presença de metais pesados como cobre, ferro, chumbo, alumínio e manganês excedem os limites para a preservação da vida aquática e selvagem. 

Um relatório da Universidade Regional Amazônica de Ikiam, na capital provincial de Napo, Tena, constatou a ausência de macroinvertebrados aquáticos em 35% dos locais analisados, um sinal de poluição. Essas espécies de insetos são vitais para os ecossistemas de água doce e sua presença serve como indicador da saúde do riacho.

Outra conclusão do estudo é que cerca de 90% das amostras analisadas tinham alta toxicidade, indicando “contaminação crônica” nos locais avaliados.

vista aérea de um grupo de pessoas e dois carros perto de um rio
Uma inspeção de contaminação e destruição da mineração ilegal em Ahuano, no rio Napo, no Equador, em setembro de 2022. Um estudo recente encontrou evidências de “contaminação crônica” das águas do rio (Imagem: cortesia de Napo Resiste)

“Um rio é como uma artéria, e o que está acontecendo é como se estivéssemos cortando uma artéria que irriga uma área imensa”, disse Jorge Celi, professor de ecologia em Ikiam. “O rio inteiro está sendo afetado, não apenas a área onde há mineração”. 

O testemunho de Celi sobre a devastação causada pela mineração do Napo e seus afluentes é revelador. Os danos, diz ele, começam na margem do rio Yutzupino, onde está um pequeno assentamento perto da cidade de Puerto Napo, ao sul de Tena. 

manifestantes indígenas no Equador
Leia mais: Grupos indígenas do Equador aceitam congelamento de petróleo e mineração, mas aguardam nova lei

“O Yutzupino já está bastante degradado porque extraíram muito material sem técnica e com produtos altamente poluentes que vão para a água”, explica Celi. “Esse riacho, que tinha piscinas, agora é completamente plano e cheio de sedimentos. A água está avermelhada devido à suspensão desses sedimentos”.

Metais pesados, como o mercúrio, são usados em operações de mineração em Napo. A Organização Mundial da Saúde adverte que a exposição humana ao material pode causar danos aos sistemas nervoso, imunológico e digestivo, além dos pulmões e rins.

Mineração segue crescendo

A mineração se intensificou à medida que o preço do ouro subiu. “Há compradores que vêm ao rio. Antes custava US$ 35 a grama, e agora pagam US$ 43”, diz com Celi. 

A evidência de poluição é tão alarmante que, no início do ano, o governo nacional anunciou uma proibição temporária de toda a mineração na província de Napo. Desde então, os mineradores têm tomado medidas legais na tentativa de recuperar suas máquinas pesadas e retomar as operações na área. 

Em 14 de fevereiro, o então ministro de Energia e Recursos Naturais Não-Renováveis, Juan Carlos Bermeo, anunciou que a mineração na área de Yutzupino, perto de Tena, seria suspensa a fim de proteger o meio ambiente e as comunidades da área. 

“O governo nacional está comprometido com a mineração legal e responsável que gere recursos e oportunidades para os equatorianos, em absoluta conformidade com as leis e regulamentos atuais”, disse o ministro na ocasião.

Mas nos meses que se seguiram, o anúncio do governo não foi cumprido. Organizações ambientais e líderes consultados pelo Diálogo Chino confirmaram que o garimpo não só continuou, mas aumentou. 

“Viajamos pelo rio e seus afluentes recentemente, e a mineração persiste”, disse Kambac Alvarado, líder Kichwa e ativista ambiental, ao Diálogo Chino. “Eles estão devorando nossa floresta. As máfias não têm compaixão, e o governo não tem controle”. 

Desde fevereiro, no início das operações contra a mineração ilegal em Yutzupino, foram apreenedidos 124 escavadeiras, três caminhões, quase 13 mil litros de combustível, entre vários outros itens.

Manifestantes contra a mineração ilegal em Napo, Equador, com um cartaz dizendo "Sem ouro você vive, sem água você morre, nós queremos vida".
Um manifestante em protesto contra a mineração ilegal em Tena, província de Napo, no Equador, em outubro de 2022. “Sem ouro, vivemos. Sem água, morremos. Queremos viver”, lê-se no cartaz (Imagem: cortesia de Napo Resiste)

 Mas para alguns, isto é apenas um começo. “O que está acontecendo aqui é uma zombaria para os mais de 160 mil habitantes da província de Napo, os mais afetados pela poluição”, diz Moreno, do grupo Napo Vive. “Juízes corruptos estão permitindo que eles voltem a sangrar a natureza com medidas judiciais que não fazem sentido”.

A situação forçou o governo a reconsiderar a urgência de proteger a água, e o próprio presidente Lasso apontou para a necessidade de mais salvaguardas sobre o recurso. 

A gestão da água será uma das oito perguntas de um referendo a ser realizado no início de 2023, no qual a população votará sobre questões polêmicas, incluindo o tamanho da assembleia nacional e os poderes militares no combate ao tráfico de drogas.

O acesso à água e a restrição da extração também foi um tópico nas negociações entre o governo e os movimentos indígenas entre julho e setembro, que levaram a semanas de grandes protestos. Mas o governo enfrenta apelos para uma maior urgência e ação.

O que está acontecendo aqui é uma zombaria para os mais de 160 mil habitantes da província de Napo, os mais afetados pela poluição

Em 6 de outubro, centenas de pessoas marcharam pelas ruas de Tena para exigir ações concretas do governo para acabar com a mineração ilegal. A marcha foi organizada por várias organizações, incluindo a Napo Vive, cujo porta-voz, Leonardo Cerda, um Kichwa amazônico, listou exigências dos povos ao governo e suas agências. 

Eles pedem o reconhecimento da “emergência ambiental” vivida pela província de Napo; a fiscalização da norma que bloqueia temporariamente a mineração; e uma intervenção abrangente nas comunidades afetadas pelas atividades minerárias.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, até sete mil hectares foram destruídos pela mineração ilegal na província de Napo, com a destruição sentida na área de Yutzupino.

Fauna impactada pela mineração

Além das comunidades, espécies da fauna e flora local também estão sentindo os efeitos da atividade em expansão. “O desmatamento está altamente relacionado à mineração”, diz o estudo da Universidade de Ikiam, “e pode levar à remoção de espécies raras, incomuns ou ainda não conhecidas pela ciência na bacia amazônica. Esse processo é uma das principais causas da extinção de espécies”.

Diante de tais riscos, a unidade de proteção ambiental da polícia equatoriana também tem atuado em investigações sobre a mineração e realiza operações na área, incluindo o resgate da vida selvagem afetada pelas obras. 

quatro adolescentes em uma canoa em um rio
Leia mais: Ponto de virada: povos indígenas pedem medidas urgentes na Amazônia

“Os danos no Yutzupino fizeram com que as espécies da vida selvagem se deslocassem de seu habitat natural para procurar alimentos cada vez mais perto de áreas povoadas”, explica o subtenente Jorge Andrade, diretor da corporação. “Por exemplo, a jiboia pode estar comendo galinhas ou animais domesticados”.

Diante desses problemas, Celi pede que sejam encontradas soluções abrangentes que incentivem os habitantes a respeitar a natureza e que haja investimentos no acesso a empregos, de forma que lhes permitam escapar da pobreza — e, juntos, diminuam o interesse da população pela mineração ilegal.

“Você vê muitas pessoas fazendo o que parece ser a última coisa que elas farão em suas vidas. Eles o fazem de forma voraz e desesperada. Milhares trabalhando às escondidas no escuro da noite”, diz Celi. “Isto tem que parar, e o governo deve manter seus olhos na floresta sagrada”.