Justiça

‘Escazú é um começo para a proteção dos direitos humanos’

Carlos de Miguel, do Secretariado do Acordo de Escazú, fala do progresso e dos desafios para a implementação do tratado socioambiental
<p>#QuitoSemMineração, lê-se em muro durante protesto de indígenas em Quito, no Equador. O Acordo de Escazú busca proteger ativistas ambientais, garantindo direitos de acesso à informação, participação pública e justiça (Imagem: Juan Diego Montenegro / Alamy)</p>

#QuitoSemMineração, lê-se em muro durante protesto de indígenas em Quito, no Equador. O Acordo de Escazú busca proteger ativistas ambientais, garantindo direitos de acesso à informação, participação pública e justiça (Imagem: Juan Diego Montenegro / Alamy)

Faz um bom tempo que a América Latina é a região mais perigosa para ativistas do meio ambiente, com vários registros de violência, ameaças e assassinatos.

O Acordo Escazú foi lançado em 2018 diante da lentidão dos países da região em avançar com a proteção de ambientalistas e o acesso à informação ambiental e à participação pública. Aberto a todas as 33 nações da América Latina e do Caribe, o tratado entrou em vigor em 2021 e até agora foi ratificado por 15 países. O Brasil está entre os que ainda não ratificou o acordo.

Com a proximidade da COP do Acordo de Escazú em Buenos Aires, na Argentina, entre 19 e 21 de abril, o Diálogo Chino conversou com Carlos de Miguel, diretor de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável do Secretariado de Escazú.

Carlos de Miguel (Image: CEPAL)
Carlos de Miguel (Imagem: Cepal)

Economista de formação, Miguel lidera pesquisas sobre mudanças climáticas, políticas públicas e gestão ambiental. Também integra o órgão que coordena o acordo no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), da ONU.

Diálogo Chino: Quais foram os principais avanços para o Escazú?

Carlos de Miguel: Além da aprovação de um regulamento interno [na COP do ano passado], houve um avanço muito importante na criação de um grupo de trabalho para promover a proteção dos ativistas dos direitos humanos em questões ambientais, além de um fórum anual [para esses ativistas].

Houve também a eleição de seis novos representantes públicos para o acordo, uma forma de canalizar as preocupações da população e na implementação do acordo em Chile, Argentina, Uruguai, México, Equador e Santa Lúcia. Tem sido um ano intenso de ações relacionadas ao Escazú.

Como tem sido a participação pública?

O acordo é um processo aberto: qualquer pessoa pode participar, desde que tenha representantes em sua região. Os representantes eleitos permitem que as preocupações ou recomendações da população sejam canalizadas dessa forma. Eles também levam questões a serem resolvidas [junto ao Secretariado do Escazú].

Inclusive, a criação do grupo de trabalho e do fórum de ativistas foi uma iniciativa de cidadãos e dos representantes eleitos. Embora, na última COP, o objetivo principal tenha sido aprovar o regulamento interno, ainda houve avanço nessas áreas graças à participação das partes interessadas.

O primeiro fórum regional para ativistas socioambientais, realizado em Quito em novembro de 2022, reuniu o grupo de trabalho, especialistas e cidadãos — incluindo ativistas dos direitos humanos, dos povos indígenas e de comunidades locais. Quais foram suas propostas?

O encontro foi organizado em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU, com oapoio do Banco Mundial. O fórum ajudou a levantar problemas e soluções em escala regional e nacional, contribuições importantes para que o grupo de trabalho possa avançar. Foi proposto o desenvolvimento de um plano de ação, atualmente em construção e que deve ser discutido e aprovado na próxima COP em 2024.

Por que esperar até 2024, dada a urgência de enfrentar contínuas ameaças e assassinatos de ativista do meio ambiente?

A questão é que [o Escazú] avança em nível regional e, em paralelo, os Estados signatários também avançam com seus planos nacionais de implementação. Além disso, há vários países que trabalham em protocolos e regulamentos para resolver os problemas relacionados aos ativistas. Isso inclui países que ainda não são membros — como o Peru, que implementou um Mecanismo Multissetorial [para a proteção de ativistas dos direitos humanos]. O país assinou o acordo [em 2018] e, embora não o tenha ratificado, começou a trabalhar nas questões cobertas por ele.

Dado que o Peru não ratificou o Acordo de Escazú, iniciativas como o Mecanismo Multissetorial poderiam ser uma alternativa na proteção dos direitos humanos e dos ativistas do meio ambiente?

Acho que é necessário dissociar os dois. A não ratificação do acordo pode ter diversos motivos e também ser resultado da desinformação. Mas alguns atores do governo já têm avançado, na medida do possível, em várias áreas contempladas pelo Acordo de Escazú.

O fortalecimento do Estado de direito em qualquer país ajuda na proteção dos ativistas ambientais — qualquer Estado deve avançar na proteção dos ativistas, independentemente desse ou outros tratados.

O que o acordo faz é colocar um foco no problema [como de ameaças e assassinatos de ambientalistas], e os países que o consideram importante estão atentos para garantir que isso não aconteça. Isso contribui na definição de prioridades dos países e no apoio transnacional a essa questão.

O que você pensa sobre as declarações de opositores do acordo de que alguns países já possuem regulamentações e instrumentos ambientais suficientes — e que, portanto, o Escazú representaria uma “perda de soberania” ou inibiria investimentos?

Se estivéssemos indo tão bem com o que temos, as coisas que acontecem não estariam acontecendo. O que significa dizer que algo é “suficiente”? Alguns países não têm tudo o que o Acordo de Escazú abrange. Há países que melhoraram seus marcos regulatórios [desde a assinatura], porque o Escazú é o início, não o fim. Nada será suficiente até que resolvamos o problema. É como dizer “eu já tenho uma lei de mudanças climáticas, não preciso fazer mais nada”.

Sobre a questão da soberania, lendo o acordo, você percebe que isso não faz sentido. O sujeito com obrigações [nos termos do acordo] é o Estado: outros atores como cidadãos, empresas, sindicatos e academia são beneficiários. Eles podem solicitar informações, têm o direito de participar, de solicitar acesso à justiça.

Além disso, há uma conexão com o setor privado, porque o acordo orienta como conduzir os processos de participação em avaliações de impacto ambiental, a fim de evitar conflitos. É o conflito que atrasa os investimentos.

O acordo pode ser efetivo sem a participação da maioria dos países da região?

Esta é uma discussão no Peru. As pessoas dizem que “poucos países ratificaram o acordo, basicamente apenas nações caribenhas”, como se dissessem que a realidade deles é diferente. Depois disso, o México e a Argentina o ratificaram, e não puderam usar esse argumento. Em seguida, disseram que “nossos vizinhos não o ratificaram”, e depois Equador, Bolívia e Chile o ratificaram. Não eram só alguns países. Belize e Granada também o fizeram. Todos esses argumentos desmoronaram.

Novos países estão ratificando o acordo, mas o mais importante é o compromisso desses países com o desenvolvimento sustentável, de proteger suas comunidades e usar os recursos de forma sustentável. Se os países já fizessem isso, obviamente o acordo seria uma ferramenta secundária. Seria melhor se todos os países da região estivessem envolvidos — e quanto mais, melhor, pois podem ajudar uns aos outros.

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