Justiça

Mais de 1.700 ativistas ambientais são mortos em uma década

Quase 70% das mortes ocorreram na América Latina, impulsionadas por disputas pela terra, corrupção corporativa e governamental e conflitos armados
<p>Manifestante indígena protesta em frente ao Ministério da Justiça em junho, após o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira na Amazônia. Seus assassinatos chamaram a atenção mundial para os perigos que ativistas ambientais enfrentam na região (Imagem: Antonio Molina / Foto Arena / Alamy)</p>

Manifestante indígena protesta em frente ao Ministério da Justiça em junho, após o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira na Amazônia. Seus assassinatos chamaram a atenção mundial para os perigos que ativistas ambientais enfrentam na região (Imagem: Antonio Molina / Foto Arena / Alamy)

“Desde novembro de 2020, as ameaças, intimidações e pressões que tenho sofrido por causa do meu trabalho em defesa dos direitos humanos e da natureza são semelhantes às sofridas por dezenas de líderes que vivem na região. Experienciei o assassinato de três amigos e líderes ambientais”.

Essa declaração é de Oscar Sampayo, que se opôs ativamente aos avanços petrolíferos e minerários na região de Magdalena Medio, na Colômbia, documentando seus impactos em comunidades e no meio ambiente. Ele foi ameaçado em várias ocasiões por grupos paramilitares envolvidos com o tráfico de drogas, como as Águilas Negras — ou Águias Negras. 

68%


das 1.733 mortes de ativistas ambientais desde 2012 ocorreram na América Latina. A região foi a mais violenta também em 2021, com mais de três quartos dos assassinatos

A Colômbia é o país com o segundo maior número de assassinatos de líderes ambientais na última década, atrás apenas do Brasil, segundo o mais recente relatório da organização britânica de direitos humanos Global Witness. Desde 2012, um total de 1.733 ativistas foram mortos em todo o mundo, dos quais 68% na América Latina. 

Os números subestimam a verdadeira escala de violência, acrescentam os autores do relatório. Muitos casos não são registrados, pois ocorrem em zonas de conflito ou em lugares onde há restrições à liberdade de imprensa e da sociedade ou onde o monitoramento independente dos ataques é falho.

Além disso, poucos criminosos são levados à Justiça por gargalos na investigação dos crimes. As autoridades, diz o relatório, ou ignoram ou obstruem ativamente essas investigações, frequentemente “devido ao conluio entre os interesses corporativos e estatais”.

“Em todo o mundo, os povos indígenas e ativistas ambientais arriscam suas vidas pela luta contra as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade”, disse Mike Davis, CEO da Global Witness. “Ativistas e comunidades desempenham um papel crucial, como a primeira linha de defesa contra o colapso ecológico”.

Uma década de assassinatos

Desde que a Global Witness começou a registrar a situação dos ativistas ambientais, há dez anos, o Brasil teve o maior número de assassinatos. Cerca de um terço das 342 mortes no país desde 2012 foram de indígenas ou afrodescendentes, e mais de 85% aconteceram na Amazônia brasileira.

A Amazônia tornou-se o principal palco da violência e da impunidade contra os ativistas, dizem os autores do relatório. Desde que o presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder em 2018, o desmatamento e a mineração ilegal foram incentivados, enquanto os orçamentos das agências de fiscalização ambiental foram cortados. 

No início deste ano, os assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira chamaram a atenção global para as condições em partes da Amazônia. Phillips e Pereira haviam viajado para o Vale do Javari, uma área conhecida por ser um polo de atividades ilegais. 

“Por protestar contra esses crimes ambientais e seus danos à nossa saúde, fomos submetidos a ameaças de morte, criminalização e campanhas de difamação”, disse Eliete Paraguassu, uma quilombola do estado da Bahia. “Continuaremos a combater o racismo ambiental sistemático decretado contra os quilombolas e as comunidades indígenas do Brasil”.

Pessoas em uma caminhonete e militares na estrada
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Na Colômbia, a assinatura do acordo de paz com grupos armados tem agora mais de cinco anos, mas sua implementação não tem sido adequada, diz a Global Witness. Com isso, continuam a ocorrer disputas de terra e violência contra os grupos mais vulneráveis, como os pequenos e médios agricultores e os povos indígenas. 

Foi o caso de Sandra Liliana Peña, líder de uma comunidade indígena no departamento de Cauca, uma das áreas mais sangrentas da Colômbia. Ela sofreu ameaças depois de protestar contra o avanço de cultivos ilegais em sua região. Em 2021, Peña foi morta a tiros por quatro homens armados.

O México também se tornou um dos países mais perigosos para os ativistas ambientais, com 154 assassinatos registrados na última década, a maioria entre 2017 e 2021. Os desaparecimentos são agora comuns, realizados por grupos criminosos organizados e funcionários corruptos do governo, diz o relatório.

Toda e qualquer morte de um ativista é um sinal de que nosso sistema econômico está quebrado. Há uma guerra pela natureza, e os alvos são as regiões biodiversas remanescentes da Terra

Diz-se que os territórios indígenas no México são particularmente vulneráveis a projetos extrativistas de grande escala, liderados por empresas nacionais e estrangeiras, e apoiados pelo governo. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem alertado para a falta de consulta às comunidades e os ataques contra quem se opõe aos projetos. 

A Global Witness destaca um caso de setembro de 2021, quando as autoridades descobriram restos humanos próximos às terras do povo Yaqui, no sul do estado de Sonora. Após vários desaparecimentos, a comunidade descobriu empresas interessadas em suas terras. Embora as autoridades culpassem os cartéis de drogas, membros da comunidade suspeitavam de envolvimento governamental e empresarial.

O caminho a seguir

A Global Witness declara que a situação dos ativistas ambientais em todo o mundo piorou nos últimos anos. As crescentes crises climáticas e da biodiversidade, bem como a expansão de governos autoritários, deram origem a um aumento das mortes desde 2018. 

Em 2021, o ano analisado pelo recente relatório, 200 defensores ambientais foram mortos — ou quatro por semana. O México foi o país com o maior número de assassinatos (54), seguido da Colômbia (33) e do Brasil (26). Quase 80% dos assassinatos no Brasil, Peru e Venezuela ocorreram na Amazônia. 

Apesar das estatísticas sombrias, os pesquisadores destacam alguns avanços. Em Honduras, um ex-executivo de energia foi condenado em junho a 22 anos de prisão por ordenar e planejar o assassinato da ativista Berta Cáceres em 2016.

vista dos andes na colômbia
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Também destacado é o Acordo Escazú, que entrou em vigor em 2021. É o primeiro tratado sobre meio ambiente e direitos humanos para a América Latina e tem entre seus objetivos a prevenção e a investigação de ataques contra os ativistas. Doze países latino-americanos já ratificaram o acordo, incluindo o México, embora outros como a Colômbia e o Brasil ainda não o tenham feito. 

A Global Witness cobra que os governos garantam a segurança dos ativistas, criando novas leis onde elas não existem e aplicando as existentes. Ao mesmo tempo, as empresas devem identificar e mitigar qualquer dano de suas operações e garantir a responsabilidade corporativa em todos os níveis.

“Toda e qualquer morte de um ativista é um sinal de que nosso sistema econômico está quebrado”, afirma a Global Witness. “Alimentado pela busca do lucro e do poder, há uma guerra pela natureza, e os alvos são as regiões biodiversas remanescentes da Terra”.

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