Florestas

Com mais discurso do que ação, Cúpula da Amazônia frustra observadores

Medidas apresentadas na Declaração de Belém são vistas como um início de diálogo, mas sem compromissos e metas concretas de combate ao desmatamento da floresta amazônica
<p>Líderes de oito países amazônicos se reuniram em Belém nesta semana para discutir a proteção da floresta. Enquanto isso, um encontro paralelo reuniu cerca de 30 mil representantes de povos indígenas, quilombolas e sociedade civil (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/2oUvMs7">Palácio do Planalto</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nd/2.0/">CC BY-ND</a>)</p>

Líderes de oito países amazônicos se reuniram em Belém nesta semana para discutir a proteção da floresta. Enquanto isso, um encontro paralelo reuniu cerca de 30 mil representantes de povos indígenas, quilombolas e sociedade civil (Imagem: Palácio do Planalto, CC BY-ND)

A semana começou com altas expectativas com o início da Cúpula da Amazônia, realizada em Belém do Pará, uma iniciativa inédita de reunião de líderes sul-americanos que abrigam a floresta amazônica. Mas foi encerrada com um ar de frustração com a ausência de líderes, a falta de metas concretas para reverter o desmatamento, que já chega a 17% do bioma, e sem veto à exploração de petróleo na região. 

Anfitrião da cúpula, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu início ao evento com entusiamo. “Há quatorze anos não nos reuníamos”, disse na terça-feira durante seu discurso de abertura. “Nunca foi tão urgente retomar e ampliar essa cooperação”. 

O evento foi promovido pelos países-membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), um bloco formado por oito nações amazônicas inaugurado com um tratado de cooperação assinado em 1978. Em 45 anos de existência, a cúpula marca o quarto encontro do bloco, e o primeiro de caráter socioambiental. 

Mas o otimismo do anfitrião foi dando lugar a uma série de desconfortos. Primeiro, três dos oito presidentes da OTCA faltaram à cúpula. Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, cancelou sua participação em cima da hora, justificando a ausência com um problema de saúde e enviando para representá-lo sua vice, Delcy Rodríguez. Além disso, enviaram seus ministros de Relações Exteriores os presidentes do Equador, Guillermo Lasso, e do Suriname, Chan Santokhi. Lasso justificou a ausência por “razões de política interna” e Santokhi, por coincidir com o Dia da Imigração Javanesa, “uma data muito relevante para o Suriname”.

Países que compõem a OTCA

Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela

Depois, o presidente colombiano, Gustavo Petro, cobrou o fim da exploração de petróleo na Amazônia ao discursar diante dos chefes de Estado na terça-feira, sem encontrar adeptos. “Estamos à margem da extinção da vida. É nesta década que nós, políticos, devemos tomar decisões. O que estamos fazendo além de discursos como estes?”, questionou o mandatário. “Nós precisamos nos descarbonizar, mas o que estamos fazendo é explorar gás e petróleo na floresta. É um contrassenso total”.

Embora oito países integrem a OTCA, o discurso de Petro reverberou diretamente no governo brasileiro, que tem em suas mãos a decisão de começar a explorar ou não petróleo na foz do rio Amazonas, que abriga 15% dos manguezais brasileiros, mas cujo impacto poderia chegar a toda a costa amazônica. Além disso, a região abriga ainda povos indígenas e comunidades tradicionais.

Presidente da Colômbia Gustavo Petro na Cúpula da Amazônia
O presidente colombiano Gustavo Petro chamou de ‘contrassenso total’ falar em descarbonização, mas insistir em projetos de extração de hidrocarbonetos na Amazônia (Imagem: Cristian Garavito / Presidência da Colômbia, CC0)

A condução de estudos para explorar a região está bloqueada pelo Ibama, agência ambiental do governo brasileiro responsável por avaliar riscos ambientais de obras. Mas a retomada do projeto é encapado pela estatal de petróleo Petrobras e até pelo Congresso brasileiro. Lula comentou apenas que a decisão cabia ao Ibama. 

Além do caso brasileiro, o Equador deve votar se apoia ou não a exploração de petróleo no Parque Nacional de Yasuní, um mega-biodiverso trecho de floresta amazônica, em um referendo marcado para ocorrer junto com as eleições presidenciais do país em 20 de agosto. O Equador, no entanto, está agora submerso em uma crise, devido ao assassinato de um de seus candidatos à presidência nesta quarta-feira, 9, embora autoridades tenham indicado que a votação continuará conforme planejado.

Declaração de Belém falha

Na terça-feira, o presidente brasileiro também anunciou o documento mais aguardado: a Declaração de Belém, assinado pelos oito países e que lista 113 intenções para garantir a proteção da Amazônia, de sua biodiversidade e seus povos originários e tradicionais. 

O texto menciona, por exemplo, a necessidade de exortar países desenvolvidos a honrar seus compromissos de mobilizar recursos, incluindo a meta de investir US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático. Outro ponto de destaque é o fortalecimento do combate aos crimes ambientais para conter o desmatamento e a poluição regional. 

Mas, em geral, as intenções são vagas e ficaram de fora uma meta comum entre os países amazônicos para zerar o desmatamento do bioma e o veto à exploração de petróleo na região, um dos itens mais esperados. 

Um dos poucos pontos específicos da declaração será a criação de um centro de cooperação policial em Manaus. Segundo o presidente Lula, a unidade terá 34 bases fluviais e terrestres, que contarão com o apoio das forças armadas para combater o crime organizado, e um sistema integrado de tráfego aéreo com a mesma finalidade.

Brazilian president Lula participating a meeting
Presidente Lula e ministros nas negociações da Cúpula da Amazônia. Declaração de Belém espera que países desenvolvidos cumpram meta de investir US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático, mas compromisso para zerar desmatamento na Amazônia ficou de fora (Imagem: Cristian Garavito / Presidência da Colômbia, CC0)

“O documento está longe de dar qualquer resposta concreta aos problemas que temos”, disse Márcio Astrini, secretário-geral do Observatório do Clima, a maior coalizão de organizações brasileiras ligada à sustentabilidade. “O mundo está pegando fogo, não é possível que você tenha uma reunião com oito países, e eles não consigam colocar em um documento que o desmatamento tem que acabar.”

Para Astrini, o documento “só é bom comparado ao fato de que antes ele não existia”.  

Apesar disso, ele elogiou a realização dos Diálogos Amazônicos, encontro realizado entre 4 e 6 de agosto em Belém, com a presença de 30 mil amazônidas, entre sociedade civil, povos indígenas e quilombolas. “O discurso foi único: é preciso acabar com o desmatamento e não há mais espaço para o petróleo na Amazônia”, disse.

Na avaliação da colombiana Fany Kuiru Castro, do povo Uitoto, que está à frente da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), a ausência de metas concretas é preocupante: “Os hidrocarbonetos e o petróleo afetam gravemente a saúde dos povos indígenas, sobretudo no Equador, em Putumayo na Colômbia, no Peru, no Brasil. Os compromissos não estão claros e os povos indígenas estão sendo vistos de maneira transversal e não direta”.

Apesar da crítica, Fany Kuiru Castro também vê a abertura de diálogo como positiva: “Da nossa parte, vamos continuar pressionando. Na minha cultura, a melhor saída é o diálogo para se encontrar soluções para levar a ações reais”. 

Em entrevista ao canal estatal CanalGov, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, justificou que as nações amazônicas não assumiram a meta contra o desmatamento por falta de consenso, ainda que Brasil e Colômbia já tenham assumido compromissos semelhantes.

“O processo de negociação é sempre um processo mediado, ninguém pode impor sua vontade a ninguém. Então, são consensos progressivos: à medida que temos alguns consensos, a gente vai botando no documento”, afirmou a ministra.

Desmatamento e o ponto de não-retorno

A pesquisadora brasileira Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), lembra que o desmatamento na Pan-Amazônia já chegou a 17%; e no Brasil, 20%. “Nossos estudos apontam que o ponto de não-retorno poderá ocorrer a partir de sub-regiões da floresta. A região sudeste da Amazônia, por exemplo, está muito perto desse colapso”, explicou.

“A Amazônia não é para soja, milho, gado, madeira. A Amazônia é a nossa fábrica de chuva, a nossa garantia de condição climática, de sobrevida”, acrescenta Gatti.

Brazil’s Minister of Indigenous Peoples Sonia Guajajara speaking at a meeting
Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sonia Guajajara, participa dos Diálogos Amazônicos e da Cúpula da Amazônia. Em janeiro, sua etnia foi alvo de cinco ataques armados no Maranhão — três pessoas morreram (Imagem: Palácio do Planalto, CC BY-ND)

Líderes de países além da OTCA também participaram da cúpula. Entre eles, estavam figuras de outras nações globais com florestas tropicais: os presidentes da República do Congo, da República Democrática do Congo, um emissário do presidente da Indonésia, o embaixador da França no Brasil — representando o território amazônico da Guiana Francesa — e um emissário da Noruega, o maior contribuinte do Fundo Amazônia, do Brasil, para o desenvolvimento sustentável do bioma. 

Eles assinaram um acordo semelhante, mas bem mais sucinto. De mesma forma, ele não contém objetivos concretos e reforça a necessidade das nações desenvolvidas de garantir recursos para o financiamento climático.

Durante a cúpula, o ministro brasileiro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também se reuniu com a comitiva dos Emirados Árabes Unidos e o presidente da próxima cúpula climática COP28 da ONU, Ahmed al-Jaber, para tratar de investimentos em gás natural e transição energética.

“Agora os países amazônicos precisam colocar essas ideias em prática, criando um plano com ações específicas, políticas públicas e marcos temporais; e uma estratégia para a atração dos investimentos necessários para tornar isso realidade” disse Adriana Lobo, diretora-geral de presença global e ação nacional do World Resource Institute (WRI).

A consolidação mais efetiva da Cúpula da Amazônia deverá vir na COP 28, que será realizada nos Emirados Árabes em novembro, quando metas de desmatamento e combate aos combustíveis fósseis voltam ao debate.